Com problemas de estrutura, hospital psiquiátrico tem apenas 83 vagas para DF

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O único hospital psiquiátrico do Distrito Federal, o São Vicente de Paula, em Taguatinga, conta apenas com 83 leitos e não tem estrutura necessária para atender pacientes. Especialistas em saúde pública e usuários da unidade queixam-se também da precariedade hospitalar e da falta de medicamentos. O hospital é apenas um dos elos da desassistência a pacientes com transtornos psiquiátricos. Se por um lado, a luta antimanicomial foi bem sucedida ao denunciar condições deploráveis de internação, por outro, faltam condições para receber pessoas na rede de atendimento pública

A paciente Sandrine Rosa Ferreira, 34 anos, desempregada, frequenta o Hospital São Vicente de Paula desde fevereiro de 2016. Diagnosticada com a Sindrome de Boderline, transtorno que gera surtos psicóticos, manifestando comportamentos descontrolados. “Teve um dia que fui no sábado, que eu achei um descaso demais não só comigo, mas também com outras pessoas que estão indo lá, têm pessoas idosas que vão lá procurar tratamento e nem médico está tendo. A última vez que eu tive crise, fui atendida na verdade por um clínico geral e não pelo psiquiatra”.

Inicialmente a paciente, com quadro de depressão, procurou o CAPS em Taguatinga para o atendimento. “Não tinha nem psiquiatra nem psicólogo. Justamente porque a demanda está muito grande. Eles alegam que não estão conseguindo mais fazer encaixe para nenhum tratamento. Pelo menos na época que eu fui e até hoje eu não fui chamada para se ter ideia. De vez em quando, eu continuo indo lá, perguntando se tem vaga”

Um amigo levou a paciente até o Hospital São Vicente de Paula. O hospital, segundo lembra, estava cheio e só tinha dois médicos para atender todo mundo. Depois, a paciente tentou ser atendida novamente já que o medicamento tinha acabado. Apesar de ser paciente cadastrada, ela viveu uma verdadeira saga. Sem sua receita médica e em crise por falta do medicamento, ela se dirigiu ao hospital para tentar atendimento.

Ao chegar à unidade, foi informada que tinha apenas um médico para atender os cerca de 30 pacientes que estavam no local. Após ter esperado por duas horas foi informada que deveria retornar à noite para ser atendida na urgência que funciona à noite no hospital. “É muito grande a lista e me informaram que são apenas dois psicólogos atendendo lá. Para você conseguir consultar com o psicólogo no São Vicente é uma tortura”.

A problemática não é nova. No ano de 2010, um procedimento instaurado pela Procuradoria Distrital de Defesa dos Direitos do Cidadão do Ministério Público do Distrito Federal resultou em um Ação Civil Pública contra o governo do Distrito Federal com intuito de obrigar a construção de mais CAPS e Unidades Terapêuticas. Segundo consta nos autos do processo, a juíza Keila Cristina de Lima Alencar Ribeiro afirma que “pessoas portadoras de transtornos mentais não vêm recebendo do Poder Público a assistência à saúde devida”. O governo do Distrito Federal foi condenado a implantar 25 residências terapêuticas, com capacidade para cinco pessoas cada, destinadas a receberem pacientes com internações prolongadas ou que “não possuem suporte social ou laços familiares”,
implantar 19 Centros de Atenção Psicossocial, construir equipes multidisciplinares.

Segundo informações da Assessoria de Comunicação do Ministério Público do Distrito Federal, esse processo está em trâmite na segunda estância sob responsabilidade do Desembargador Teófilo Caetano com recursos da procuradoria geral do Distrito Federal. Segundo o médico Flavio Andrade Bastos, emergencista do SAMU, os dados são alarmantes já que aproximadamente 10% a 15% dos atendimentos do SAMU são de causas psiquiátricas. As principais queixas que levam ao atendimento são: surtos psicóticos, tentativas de suicídio, transtornos de ansiedade. “Em caso de pacientes em surtos psiquiátricos, eles são encaminhados para os Hospitais Regionais e ao Hospital de Base para receberem seu primeiro atendimento. Muitas vezes o atendimento não envolve apenas o SAMU mas também o Corpo de Bombeiros e o BOPE (em caso de paciente armado)

A médica Renata Figueiredo, da Sociedade Psiquiátrica de Brasília, afirma que “um dos maiores problemas é a questão do fechamento de leitos hospitalares”. Até o fechamento da reportagem, a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem sobre a situação dos leitos.

Profissionais de saúde criticam políticas de saúde

Desde 1990, a saúde mental no país vem passando por reformas psiquiátricas. No Distrito Federal (DF), a reforma possui embasamento tanto na lei distrital 975/95, quanto na lei federal 10.216/2001 que conta com o apoio do Ministério da Saúde. Para que a regulamentação na área tenha impacto, são necessárias construções de casas terapêuticas, disponibilidade de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e serviços de atenção diária, de base comunitária, com unidades em todo o País.

No entanto, a quantidade de locais com atendimento a pacientes que possuem transtorno mental tem se mostrado insuficiente para a demanda requerida tanto no Brasil, quanto no DF. A terapeuta de reabilitação Ana Silvia Fuschino Ravalico, membro da ONG Inverso e militante do Movimento Pró-Saúde Mental-DF (MPSM-DF), informou que o mínimo previsto pela lei federal é a de um CAPS a cada 100 mil habitantes. Ela também alertou que no DF não existem residências terapêuticas e centros de convivência.

Segundo a terapeuta, em relação aos leitos previstos por lei em hospitais públicos, no DF, as pessoas nesse grau de sofrimento não são aceitas nessas unidades por falta de equipe clínica. “Elas são levadas para o Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), mesmo se por lei esse lugar já deveria estar extinto há mais de 10 anos”. Porém, segundo acredita, com a extinção do HSVP, o quadro se repetiria como ocorreu com o fechamento da Clínica Planalto em 2001, dando a incerteza para os pacientes que lá se encontram.

Segundo uma psicóloga que preferiu não se identificar, entre as maiores dificuldades encontradas no DF, apesar das conquistas na luta antimanicomial, ainda prevalece o discurso biomédico e o preconceito. Entre médicos, em especial psiquiatras, ainda prevalece um discurso e uma ideologia da cura, da segregação e da exclusão, com intervenções de controle e normali(ti)zação dos transtornos mentais, muitas vezes com a presença, ainda, de maus tratos”.

Mas, se a Lei da Reforma Psiquiátrica completou 15 anos e o país ainda continua no debate de qual seria o melhor modelo para o atendimento aos usuários de serviço de saúde mental, os apontamentos do psicólogo clínico Filipe Willadino são de que há muitas dificuldades. “Isso acontece pelo fato de que a gente está propondo uma política de saúde mental que ela é contrária a maioria ao individualismo e às pessoas lucrarem. “A política faz o contrário. Cria um mecanismo de saúde que trabalha em grupo, que trabalha possibilidade de programas solidários, das pessoas coletivamente estarem investindo nas coisas, assembleia no serviço de saúde mental, enfim, é uma lógica toda diferente da lógica social”.

Por Márcia Torres e Rúbia Cunha

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