O estudante de medicina André Thiago Perez, 20 anos, está sendo apresentado à realidade da profissão de uma forma traumática. “Faltam equipamentos de proteção individual (EPIs), leitos e máscaras de oxigênio”, explica. Na rotina, 35 horas trabalhadas, durante três dias seguidos, em diferentes hospitais do Distrito Federal: Taguatinga, Ceilândia e Gama.
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O acadêmico participa do enfrentamento em diferentes localidades e, por meio de um comparativo, relata uma cena comum em todos. “No hospital do Gama, por exemplo, o espaço destinado ao tratamento da covid, tem dias que é um cenário de guerra. É um hospital grande, que atende toda a parte sul da periferia de Brasília. Santa Maria, Novo Gama e entorno são todos atendidos nesse hospital. Além da maior parte da população ser idosa, os mais afetados pelo vírus”, diz o estudante.
Com o aumento gradual do número de infectados, na média móvel de 14 dias com 503 novos casos por dia, segundo o relatório do Ministério da Saúde, a situação do DF é um sinal de alerta.
Número de leitos para Covid-19 no DF:
Hospital | Total de leitos ocupados | Total de leitos vagos | Total de leitos Covid-19 |
Hosp. Camp da PM | 52 | 28 | 80 |
HRAN [adulto] | 16 | 8 | 24 |
HRC | 10 | 4 | 14 |
HRG | 2 | 5 | 7 |
HRT | 2 | 4 | 6 |
Dados: Secretaria de Saúde do Distrito Federal, InfoSaúde-DF (27 de janeiro de 2020).
Matheus de Oliveira é médico residente da área Ortopédica no hospital do Gama. Apesar de não estar diretamente na área da Covid-19, ele explica que os relatos dos colegas de trabalho são semelhantes.
“Apesar de atender a maior parte da população do Gama e entorno, hoje, o HRG não conseguiria ser um hospital de referência para o tratamento da covid. No começo da pandemia, até tinha um maior número de leitos. Agora, eles diminuíram, com apenas 4 leitos de alta complexidade – com mais recursos- e 6 leitos de enfermaria mais simples. É difícil, não tem como atender todo mundo”, explica Oliveira.
A Secretária de Saúde do DF nega que exista diminuição de oferta de vagas e explica que os hospitais de referência para tratamento da Covid-19 no DF são Hospital Regional da Asa Norte (Hran) e Hospital Regional de Samambaia (HRSam).
Os demais hospitais da rede fazem atendimento aos pacientes com suspeita ou confirmação para a doença, à exceção do Hospital Regional do Guará (HRGu), Hospital de Apoio e Hospital São Vicente de Paulo (HSVP)..
Enfrentamento
Nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e nos hospitais fora do Plano Piloto de Brasília, os efeitos da superlotação e falta de investimento são enfrentados por pacientes, por seus familiares e acompanhantes e, também, pela equipe médica.
Segundo o estudante André Perez, a situação das regiões administrativas (RAs) pode ser considerada diferente da vivida no Plano Piloto. “Quando o paciente do Plano precisa ser internado, ele é diretamente atendido em uma UPA e encaminhado para o HRAN, hospital de referência nacional ao tratamento da Covid”, explica.
As filas de espera por leitos ou respiradores não são, ainda, uma realidade do centro do DF. Além do HRAN, o Plano Piloto contava com os Hospitais de Campanha, que auxiliavam nos atendimentos.
O Plano Piloto, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2019), conta com 210 mil moradores. Apenas em Ceilândia, o número de habitantes duplica para 479 mil. As regiões do Gama e Taguatinga, juntas, contam com mais de 347 mil pessoas. Para o tratamento da Covid-19, além dos moradores das regiões, os hospitais recebem pacientes do entorno, de outras cidades do DF e, também, de outros estados.
Os pacientes queixam-se do tratamento. No Hospital Regional de Taguatinga (HRT), Raimundo José da Silva, 74 anos, está internado na ala para pacientes com covid-19. O idoso está na fila de espera para ser transferido para algum hospital de referência, o aumento dos casos é algo que o preocupa.
“A covid é muito perigosa e tem muita gente brincando. As pessoas acham que nada vai acontecer e acabam machucando pessoas como eu. Eu só espero, de verdade, que essa vacina saia logo para nossa população”, desabafa
Segundo o Infosaúde-DF, o HRT criou uma ala para tratamento da Covid-19, com seis leitos, todos ocupados. O objetivo é ser uma forma de estabilização dos pacientes que serão encaminhados para hospitais de referência.
O médico responsável pelo local, Guilherme Flavius, diz que a quantidade de leitos não é suficiente. “Já tiveram dias que estávamos com mais de oito pacientes precisando de leitos. É uma situação complicada”, afirma o profissional.
Ceilândia
A situação do Hospital Regional de Ceilândia (HRC) não é diferente daquelas encontradas de outras regiões. “A gente faz o que dá. Mas, tem dias que chega gente e mais gente e, simplesmente, não tem espaço”, relata uma enfermeira da ala Covid-19 do hospital.
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Joaquim Gomes de Lima, 53 anos, está internado em recuperação da covid-19 no HRC. “Antes de ser transferido para cá – hospital de Ceilândia -, eu estava internado na Associação Saúde em Movimento, o hospital de campanha da PM no Plano Piloto. A gente consegue enxergar a diferença entre os hospitais”, diz. O hospital de campanha continua em funcionamento, com 80 leitos disponibilizados para Covid-19.
Em Ceilândia, foi aberto um hospital de campanha para dar apoio ao HRC, com 40 leitos de enfermaria e 20 de suporte respiratório. O hospital de apoio da cidade só foi construído após o fechamento do hospital de apoio do Plano-Piloto. Alguns dos equipamentos do Plano foram redirecionados para o hospital da Ceilândia. O hospital de campanha do Plano-Piloto, no Mané Garrincha, continha 192 leitos disponíveis.
Para o paciente Altair da Cruz, 78 anos, internado na UTI do HRC, a situação do hospital não é confortável. “Eu não gosto desse hospital. Se eu pudesse, estaria em um lugar mais estruturado”.
Além do desconforto, o medo é algo também refletido nos olhos de Altair. “Eu não sei se vou sair daqui, não sei quanto tempo vai levar e não sei se vou poder ver minha família. Essa doença não é brincadeira”, relata o paciente.
Menor investimento
No painel de recursos financeiros para o novo coronavírus do DATASUS, a região brasileira com o menor investimento de rotina é o Centro-Oeste. O valor é de, aproximadamente, R $1,9 bilhão disponibilizados periodicamente. Em sequência, a região Norte (R $2,37 bilhões), a região Sul (R $3,51 bilhões) e a região Sudeste (R $8,91 bilhões).
No entanto, o Centro-Oeste, atualmente, é a região com a maior média de casos (8.998) e óbitos acumulados (149) por 100 mil habitantes. Os números são maiores que os da região Norte, que está com 5.015 casos acumulados e 105 óbitos.
A Secretária de Saúde do Distrito Federal informou que todas as unidades de saúde estão abastecidas de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a distribuição desses insumos não é feita por região, e sim por quantitativo de profissionais e abrangência da unidade. A situação dos hospitais pode ser acompanhada na página da SES, na tabela de Estoque Total de EPIs, que é atualizada diariamente.
Por Sara Meneses
*Colaboração com informações de profissional e estudante de medicina entrevistados
Edição e supervisão: Luiz Cláudio Ferreira