As desigualdades de espaços e oportunidades, e as diferenças de tratamentos no dia a dia da produção audiovisual indignam profissionais de comunicação e produtoras de conteúdo. Esse sentimento, diferente de paralisar, transformou-se em força-motriz para o trabalho de profissionais brasileiras, como é o caso da jornalista Luísa Pécora, do portal Mulher no Cinema, e da publicitária Nana Yung, diretora da Animars.
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O debate foi mediado pela professora Carolina Assunção, que também é pesquisadora da área. Ela alerta para a importância da discussão, pois a mídia atua diretamente no imaginário popular e possui um grande poder de influência no dia a dia das produções.
Confira apresentação na íntegra
Câmeras
A jornalista Luísa Pécora criou o portal “Mulher no cinema”, dedicado ao trabalho das mulheres em frente e por trás das câmeras. Em 2009, ela começou a estudar sobre a mulher no audiovisual e, em 2015, transformou o tema em sua atividade remunerada . ”Foi a partir do cinema que eu cheguei à pauta do feminismo e igualdade de gênero”. A jornalista reforça que o impacto da mídia e cinema pode tanto quebrar quanto reforçar estereótipos e acrescenta que o assédio é outra questão enfrentada.
Luísa Pécora revela dados que demonstram a desigualdade enfrentada por mulheres na área do audiovisual. De acordo com a San Diego State University, entre os 250 filmes de Hollywood com maior bilheteria de 2019, apenas 13% dos diretores eram mulheres, em 2018,a quantidade chegava a 8%.
Entre os anos de 2000 e 2017, elas representavam 11% desses profissionais, portanto, ela considera que não houve evolução considerável nesse quesito.
Em 2021, Chloe Zhao, diretora do filme Nomadland, foi a segunda mulher da história a ganhar o Oscar de melhor direção. A primeira foi Kathryn Ann Bigelow, em 2010. Já na categoria de “Diretora de Fotografia” apenas uma mulher foi indicada em 93 anos.
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Ademais, a jornalista analisa que, das 1300 maiores bilheterias do cinema, somente 57 são dirigidas por mulheres, sendo que 46 delas eram brancas.
Luísa Pécora destaca que, abordando a desigualdade de gênero, deve-se procurar falar também sobre a igualdade de raça. “Entre os filmes brasileiros com mais de 500 mil espectadores lançados entre 1970 e 2016, nenhum deles foi dirigido por uma mulher negra, elas são apenas 2% dos atores principais, mesmo que 57% da população seja negra.’’
Diferença de recursos
Ela ainda ressalta que os homens recebem maiores orçamentos para fazer filmes e as mulheres têm muito menos acesso aos recursos. Assim, elas costumam fazer mais documentários, pois o custo tende a ser mais baixo.
“A igualdade só se dará quando todas as mulheres tiverem as mesmas oportunidades e recursos para contar as histórias que elas quiserem contar”.
Referências
Luísa relata que, no curso de cinema, as referências são quase exclusivamente masculinas. “É necessário pesquisar bastante para encontrar as produções femininas, porque elas são invisibilizadas, isso é trabalhoso, mas causa uma transformação significativa. Uma mudança nessa estrutura leva tempo e demanda investimento.’
’ A jornalista recomenda conhecer o trabalho de algumas cineastas, como Helena Solberg, Alice Guy Blaché, Maya Werneck Da-Rin, Zora Neale Hurston e Claire Denis. Além das diretoras transsexuais Júlia Katharine, Lua Lucas e Galba Gogóia.
Desigualdades replicadas
Tawana Yung, conhecida como Nana, é publicitária em Brasília e diretora executiva da Animars produções. No dia a dia de suas produções, avalia que as interdições do homem contra a mulher são diárias e comuns. Ela frisa que a desigualdade que acontece com o audiovisual se apresenta em outros campos da sociedade e estruturas de poder. “Os arquétipos e imagem da mulher foram construídos por essa estrutura.”
Nana Yung considera que o erro do homem é mais aceito e que, muitas vezes, a mulher tem que se desdobrar
“Para preencher edital”
A produtora relata uma experiência em que trabalhou na função de “diretora de set” em uma equipe, na qual ela era a mais experiente. Porém, ela não se reconhecia nesse cargo. Ela sentia que apenas estava ali para preencher o edital, com cota para mulheres como diretoras.
Nana revela que, assim como várias mulheres da área, enfrentou a “síndrome da impostora”, o sentimento constante de não ser boa o suficiente no que faz, despertado pela falta de representatividade na função.
A publicitária acredita que mulheres não estão acostumadas a frequentar, ter destaque e liderar esses espaços, portanto, devem ser incentivadas para descobrir seus talentos.
“Foi muito legal quando comecei a ser convidada porque as pessoas viam o diferencial no meu trabalho e não só para preencher uma vaga”
Tecnologia como aliada
As produtoras acreditam que, atualmente, a internet é uma porta de entrada para os grupos menos representados. Além disso, há diferenças no protagonismo feminino por meio de produções em plataformas de streaming, visto que o cinema exclui essas minorias.
Elas creem que o cinema deve representá-las também nas longas-metragens, lugar mais comercial e pouquíssimo ocupado por mulheres. “Devemos criar outras portas mas também entrar pela principal”.
Nana Yung ressalta que a distribuição aparentemente é mais democrática com a expansão tecnológica, mas a indústria principal ainda está cristalizada. Ela dá o exemplo da Netflix, que procura ser inclusiva, com um escritório voltado para representação da diversidade de gênero, etnia e religião, até porque ganham audiência, há uma demanda por produções assim. “Assistam mulheres, leiam mulheres e contratem mulheres”.
A diretora defende que, enquanto os homens têm histórias para contar, as mulheres têm outras, que não são evidenciadas. “É importante que essas histórias sejam contadas por protagonistas diferentes, para enriquecer a produção’’.
Por Mayariane Castro, Maria Tereza Castro e Emily Veras
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira