Desde março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia para covid-19, cientistas correram contra o tempo. A corrida por uma vacina anticovid se mostrou a principal solução para reduzir o contágio e a hospitalização. No Brasil, estão à disposição da população seis vacinas de empresas farmacêuticas diferentes: Janssen (Johnson & Johnson), Pfizer (Pfizer-BioNTech), AstraZeneca (Oxford/Fiocruz), CoronaVac (Instituto Butantan/Sinovac) e Moderna.
As vacinas são fundamentais para reduzir o avanço da pandemia no Brasil que registra, até o dia 30 de junho de 2021, mais de 518 mil vidas perdidas e mais de 18 milhões de casos confirmados, segundo a Plataforma JF. No mundo, segundo o painel Our World in Data, os dados acumulados, desde fevereiro de 2020, mostram que o vírus Sars-Cov-2 já matou mais de 3,9 milhões de pessoas, desde bebês a idosos, até o dia 28 de junho de 2021.
Instituto Butantan fabricando vacinas. Imagem: Reprodução/Governo do Estado de São Paulo
Normalmente, o desenvolvimento de uma vacina levaria pelo menos de 5 a 10 anos entre serem estudadas, fabricadas, testadas e distribuídas. A experiência da fabricação na vacina contra gripe permitiu que a vacina anticovid fosse produzida de forma mais rápida, e que houvesse, principalmente, rapidez na transferência de tecnologia.
“Não existe bala mágica quando a gente trabalha com vacinas. Precisamos primeiro pensar na segurança e na vida da pessoa que vai receber o produto”, disse Rodrigo Stabeli, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Etapas para a produção e distribuição de vacina
Para que um imunizante esteja pronto para o mercado, uma vacina passa por fases sucessivas, que começa com a pesquisa e desenvolvimento, passando por testes laboratoriais e depois testes clínicos.

A primeira etapa dos estudos começa em laboratório, com pesquisas exploratórias para encontrar candidatas à vacina. Em seguida, vem a fase pré-clínica, onde o produto com potencial é testado em modelos celulares ou em animais, como camundongos, coelhos e macacos. Caso seja aprovada nessas etapas, segue para o teste em seres humanos.
Nesta fase de testes em adultos saudáveis, são envolvidas cerca de 20 a 100 pessoas. Na 2ª fase, verifica-se a capacidade que a vacina tem de estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos e é aplicado em centenas de participantes. Já na terceira fase, é hora de testar em milhares de pessoas, onde metade recebe o produto sem eficácia (chamado de placebo) e a outra metade a vacina.
No final, os dados são avaliados para responder a eficácia e segurança da vacina. Na última fase, a vacina já está disponibilizada para a população com monitoramento das reações através dos anos para um aperfeiçoamento.
“Não é simples o processo de desenvolver uma vacina. É mais complicado do que desenvolver um medicamento. Com o medicamento, temos uma pessoa doente que precisa ser tratada. Já com uma vacina, estamos ministrando um produto em pessoas saudáveis, para prevenir que elas venham a adoecer”, afirmou Expedito Luna, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da USP.
Depois de todos esses testes, as vacinas são submetidas à análise da OMS e das agências reguladoras de cada país. Elas buscam monitorar a segurança, qualidade, quantidade, fluxo de mercado, incentivos à pesquisa e desenvolvimento, como também preços e patentes.
No Brasil, existe a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Outros países, como os Estados Unidos contam com a Food and Drugs Adminstration (FDA) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Outra principal agência é a European Medicines Agency (EMA). A vacina só pode ser aplicada caso tenha aval dessas agências.
Fabricação: o insumo ativo
Ter boa tecnologia não é o suficiente para uma vacina. No Brasil, passar para a etapa de testes clínicos é considerada tamanha proeza, tanto que pesquisadores apelidaram o espaço entre as fases laboratorial e clínica de “vale da morte”. É que, embora as universidades e instituições de pesquisas brasileiras tenham conhecimento técnico e tecnologia para as pesquisas iniciais e para a fabricação, poucas conseguem levar os estudos adiante. Faltam empresas farmacoquímicas que produzam o insumo farmacêutico ativo (IFA).
Num primeiro momento, o IFA para a fabricação da vacina CoronaVac, por exemplo, foi importado da China e houve atrasos. Em coletiva de imprensa na entrega de remessas na vacina produzida pelo Instituto Butantan ao governo federal, Dimas Covas, diretor do Instituto, expressou seu descontentamento com a lentidão e a reduzida autorização para as remessas apontando que as declarações de representantes do governo brasileiro prejudicam a fabricação da vacina, atrasando o calendário de entrega, por conta da falta do IFA. “Obviamente as declarações têm impacto e nós ficamos à mercê dessa situação”, disse Dimas Covas, na ocasião.
A boa notícia é que no processo de transferência de tecnologia, a Fiocruz já tem permissão para produzir o IFA nacional a partir de junho de 2021. A Fiocruz acredita que essa iniciativa agilizará a fabricação da vacina no Brasil.
No início de junho (2), chegaram os bancos de células e de vírus, materiais considerados “o coração” da tecnologia para a produção da vacina AstraZeneca, produzida a partir do adenovírus presentes em chimpanzés. Com isso, a estimativa da Fiocruz é produzir cerca de 15 milhões de doses por mês.
A vacina da AstraZeneca, desenvolvida em parceria junto à Universidade de Oxford, na Inglaterra, custou US$ 2,2 bilhões (aproximadamente R$ 10 bilhões) e teve mais da metade do financiamento oriundo do governo britânico e o restante, de organizações sem fins lucrativos.
Três gerações para a vacina anticovid

As vacinas contra a covid-19 são separadas por gerações. A vacina de primeira geração é feita a partir do vírus Sars-Cov-2 inativo ou enfraquecido que estimula o corpo a produzir anticorpos. O exemplo de vacina de primeira geração é o imunizante CoronaVac, produzido pelo Instituto Butantan, no Brasil, e pela Sinovac, na China.
Já a vacina anticovid de segunda geração surgiu a partir do material genético, sendo chamada de vacina RNA. A vacina RNA induz o próprio corpo de quem recebe a vacina a produzir cópias de alguma proteína do vírus. Essas são as desenvolvidas pelos laboratórios Pfizer/BioNTech e Moderna, ambas já em uso no Brasil e com autorização definitiva da Anvisa.
Uma das mais conhecidas pelos brasileiros, a vacina da AstraZeneca, é feita a partir do adenovírus não replicante, ou seja, possui um vírus “vivo”. Esse vírus “vivo” não é o coronavírus, mas sim o adenovírus presente em chimpanzés. Apesar de ser vivo, ele é inofensivo por não conseguir se multiplicar. O organismo projeta uma carga máxima contra o vírus – ao identificar que é um “corpo vivo” – o que explica o alto índice de reações adversas (como febre, calafrios e dores no corpo) que as pessoas sentem ao serem imunizadas com este tipo de vacina.
Para além dessas três gerações de vacinas anticovid, há também outras iniciativas como a que está em estudo pela Universidade de São Paulo (USP). No quadro abaixo, em amarelo, é possível observar que essa nova modalidade utiliza proteína “Spike”.
De acordo com estudos da USP, a proteína “Spike” imita algo da estrutura do vírus, como seu revestimento externo, para provocar uma resposta imunológica no corpo humano. Além dessa inovação baseada em imitação, há outros estudos, ainda bastante iniciais que buscam novas formas de aplicação de imunizante, que não seja injetável. É o caso de fármacos anticovid de aplicação por via nasal e também por via oral.
Por Ellen Travassos
Supervisão de Mônica Prado