Paulo Freire, 100 anos: pesquisador analisa ataques a Patrono da Educação

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Conservadores brasileiros “explicam” ataques ao Patrono da educação do Brasil; por outro lado, estudiosos veem ignorância nas palavras dos que agridem Freire

Foto tirada em manifestação de apoio ao impeachment da ex Presidenta Dilma Rousseff em Brasília, 2015. Imagem: cedida por Maíra Streit.

 

 

As posições revolucionárias e libertárias de Paulo Freire levaram o professor a ser aclamado como Patrono da Educação, mas, desde a ditadura, sofre xingamentos de toda espécie. As redes sociais difundiram o ódio. O educador move opiniões acaloradas inclusive de quem nunca abriu um livro dele. Criticado com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro, Freire é conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos. O educador desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Mas também atrai olhares raivosos de pesquisadores ideólogos. “Freire representou e influenciou negativamente a política educacional brasileira tradicional.” afirma Fátima Linhares, pedagoga e integrante do grupo “Professores Conservadores”.

De acordo com Fátima Linhares, Paulo Freire gera revoltas na ala conservadora por seus métodos e teorias pedagógicas “que não passaram de fachadas para abrigar ideais e movimentos organizados de lutas de classes.”

O método Paulo Freire estimula a alfabetização dos adultos mediante a discussão de suas experiências de vida entre si, através de palavras presentes na realidade dos alunos que são decodificadas para a aquisição da palavra escrita e da compreensão do mundo. 

A pedagoga critica  o que ela chama de “método de Alfabetização do intelectual comunista Paulo Freire”, em que ele teria apresentado “sérios vícios e lacunas do ponto de vista técnico, eliminando sumariamente as velhas e eficientes cartilhas alfabetizadoras. Os módulos de alfabetização simplesmente foram varridos do contexto educacional brasileiro, e imediatamente substituídos por notas de cunho marxista.” 

Segundo Edson Navarro, fundador e presidente do Partido Conservadores, o método de Freire é ideológico. Ele é de extrema esquerda e, por isso, pensa em educar crianças como objetos ou frutos do estado. A educação que ele prega é a educação de pessoas sem a segurança da família, sem o pertencimento a um grupo familiar, com o pertencimento ao estado, propriedade do estado.”

Ataques

O Programa Nacional de Alfabetização, que contava com o método de Paulo Freire, foi extinto no dia 14 de abril de 1964, logo após o Golpe Militar, decisão tomada pela pressão da parcela conservadora da sociedade brasileira que atacava e desqualificava o trabalho de Freire. O novo governo aproveitou para censurar o trabalho do educador e sua equipe, classificando o material didático produzido como contrário aos interesses da nação e acusando seus autores de querer implantar o comunismo no país. Com o encerramento do programa, foi interrompida a meta de lançar 60.870 Círculos de Cultura para alfabetizar 1,8 milhão de pessoas ainda em 1964, 8,9% do total na faixa de 15 a 45 anos que não sabiam ler nem escrever. 

O programa era visto como uma ameaça para os políticos que iriam concorrer às eleições seguintes, tendo em vista que o Brasil proibia o voto aos iletrados. Paulo Freire foi interrogado pelas forças policiais nas quais apresentou explicações sobre seu método de ensino e alfabetização. No entanto, foi preso no dia 5 de julho no Quartel de Obuses, no bairro de Jatobá, Olinda (PE). O educador já havia sido encarcerado anteriormente, totalizando um total de 70 dias presos. 

Mesmo em liberdade, Paulo Freire continuou recebendo intimações militares. Ele decidiu ir embora do país, mas foi surpreendido no dia 5 de setembro do mesmo ano, com mais um mandado de prisão. O educador então foi exilado para a Bolívia e logo em seguida, partiu para o Chile onde permaneceu até 1969, quando foi convidado para lecionar nos Estados Unidos e também para atuar no Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, Suíça.

Origens do ódio

Para Dennis de Oliveira, professor da Universidade de São Paulo (USP), esse ódio atual ao educador Paulo Freire tem origem no período da ditadura militar e integra o pensamento conservador brasileiro que esconde os reais problemas da educação, sendo o principal deles o financiamento. “O pensamento conservador quer esconder isto: não interessa a valorização da educação principalmente porque os filhos das classes dominantes podem estudar em escolas particulares de alto nível, mas para não mostrar esta realidade responsabilizam o professor, os profissionais da educação, o Paulo Freire, por tudo isso.” 

O professor explica que Paulo Freire propunha uma educação libertadora, na qual o educando não só aprenderia os conhecimentos sistematizados, mas também sua condição no mundo. “Ao perceber-se como sujeito do mundo, sua posição e o contexto que leva a esta situação social e historicamente criada, passa a perceber que ele tem o potencial de intervir na realidade inclusive para criticá-la e modificá-la.” 

Ao propor uma prática educacional que possibilita desenvolver o senso crítico dos alunos, explica o pesquisador, Freire contesta a pedagogia tradicional que tem o professor como a figura central e o aluno como receptor do conhecimento. 

A pedagogia de Paulo Freire, também conhecida como pedagogia libertadora, foi resultante dos movimentos de educação popular, ocorridos entre o final da década de 70 e começo de 80, que confrontavam o autoritarismo e a dominação social e política. Nesta tendência pedagógica, o aluno ganha voz dentro da sala de aula. 

“O pensamento conservador mantém sua hegemonia cultural e política interditando este processo com o objetivo de cristalizar o pensamento de que as coisas são como são o que se deve fazer é somente apreender os elementos que a constituem sem questionamento. A pedagogia de Paulo Freire, por este motivo, coloca em risco esta função ideológica do pensamento conservador.” afirma Dennis de Oliveira.

A obra de Freire “Pedagogia do Oprimido” é destinada aos revolucionários e aborda a luta pela desalienação, pelo trabalho livre, pela afirmação dos seres humanos como pessoas, e não coisas. Além disso, é a  terceira obra mais citada em trabalhos de ciências humanas do mundo.

Ignorância

As críticas às obras de Paulo Freire, de acordo com o professor da USP, partem da ignorância. “Boa parte dos que criticam não são do campo da educação, não entendem nada de educação e estão mais preocupados em travestir um discurso tosco e direitista em algo aparentemente propositivo. O que eu vejo com esta reação conservadora é destruir o que ainda resta de espaço de reflexão nas escolas garantido pela abnegação e compromisso dos profissionais de educação brasileiros.” 

Entre os ataques comuns a Paulo Freire, está a agressão desprovida de provas de que Freire fez com que a educação brasileira fosse uma das piores do mundo. Edson Navarro concorda com os ataques e afirma: “A criança educada dentro da ideologia de Paulo Freire se transforma em um robô do estado que não dá amor a ninguém.”

Dennis de Oliveira refuta essa afirmação: “A educação no Brasil é uma das piores do mundo porque educação nunca foi prioridade no país. Somente em 1988 é que se garantiu a educação básica de 8 anos como direito. Os problemas sociais imensos do país obrigam adolescentes e jovens a ingressarem precocemente em um mercado de trabalho precaríssimo e, por isto, a luta pela sobrevivência se impõe sobre o exercício do direito à educação. Falar que Paulo Freire é culpado de tudo isso é uma forma simples de fugir do problema”, considera o professor Dennis. 

Aclamado

Nascido em 1921 na cidade de Recife, Paulo Freire foi homenageado em 35 universidades do país e estrangeiras, sendo o brasileiro que mais recebeu títulos honoris causa pelo mundo. Esse título é dado para uma pessoa que tenha se destacado ou exercido grande influência em determinadas áreas, como nas artes, na literatura, na política ou promovendo a paz. 

Em 1980, a Lei da Anistia permitiu o retorno de exilados políticos. Freire retornou para o Brasil e passou a lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Universidade de Campinas. Casou-se duas vezes e morreu em 1997 por conta de problemas no sistema circulatório. 

Suas ideias fazem-se pertinentes ao atual contexto, contribuindo permanentemente com a qualidade no campo educacional. Na obra de Freire, o ato pedagógico é mais que uma mera transmissão de conteúdos. É um gesto de participação política, de militância na reinvenção da cultura e do homem. 

Significando a união dos oprimidos, a relação solidária entre eles não importam os níveis reais em que se encontrem como oprimidos, implica também, indiscutivelmente, consciência de classe” – Paulo Freire.

 

Por Marina Sabino
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

 

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