Happier Than Ever: Mais maduro, mais íntimo, melhor

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O primeiro álbum de Billie Eilish, WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?, produzido por seu irmão Finneas O’Connell e lançado em 2019, foi recebido pelo público e pela crítica de forma positiva. Na época, com apenas dezessete anos, a artista teve o singleBad Guy” em nº 1 do Billboard Hot 100. O álbum, que trazia canções vívidas e instrumentais bem mixados e dançantes, garantiu cinco premiações do Grammy, incluindo melhor álbum, melhor single e artista revelação.

Com Happier Than Ever, Billie apresenta um trabalho que tem a difícil tarefa de atender às expectativas geradas por sua aclamada estréia e, ao mesmo tempo, fugir do sentimento de repetição e estagnação que tantas vezes permeia o trabalho de artistas em seus segundos álbuns.

A capa de Happier Than Ever, novo álbum de Billie Eilish (Foto: Divulgação)

Crescendo dentro do estúdio (contexto)

A carreira de Billie se confunde com sua adolescência. Tendo gravado sua primeira canção, Ocean Eyes, aos catorze anos, a cantora teve sua vida tomada pela fama desde muito cedo, se vendo forçada a lidar com a transição para a vida adulta em meio a turnês e gravações. As consequências disso, bem como o amadurecimento da cantora e seus relacionamentos, são alguns dos temas principais abordados em Happier Than Ever.

Enquanto o álbum de estreia trata, majoritariamente, da auto afirmação da personalidade de Billie e fala de forma não muito aprofundada sobre seus relacionamentos e amores, Happier Than Ever entrega reflexões elaboradas sobre o processo de transformação da cantora. Na busca de se tornar sua versão almejada, a artista mostra seu amadurecimento ao encarar realidades desconfortáveis e assumir suas próprias imperfeições.

Negócio de família (produção)

É impossível pensar na música de Billie Eilish sem pensar em seu irmão, Finneas O’Connell. Atuando como produtor e co-autor de todos os trabalhos da artista até então, Finneas contribui para a criação da atmosfera e sonoridade tão características quanto os próprios vocais de Billie. 

Em Happier Than Ever, Finneas mostra que sua habilidade de produção evoluiu tal qual a lírica que traz junto da irmã. Os instrumentais remetem ao último trabalho mas com um rigor técnico maior. Os timbres são mais variados, acompanhando a vasta gama de gêneros pelos quais o álbum passeia. As batidas são presentes e contagiantes e a mixagem garante que, mesmo chamativas e em primeiro plano, elas não ofusquem os vocais e nem tampouco cada nuance dos instrumentais.

Como dito anteriormente, a grande variedade de gêneros e estilos musicais evidencia a versatilidade de Finneas como produtor. Variando de Bossa Nova a música eletrônica Downtempo, as canções mantêm atmosferas próprias e vívidas, sem perder a personalidade garantida pelo instrumental. Pensar que todo o álbum foi produzido no home studio de Finneas torna tudo ainda mais impressionante.

As batidas frenéticas, os baixos sintéticos e bem definidos, a atmosfera agressiva e dançante e a presença massiva de sintetizadores que caracterizavam o último álbum voltam em Happier Than Ever, mas dessa vez em meio a uma instrumentação mais orgânica que confere dinamismo ao projeto. Várias faixas contam com violões, baixos, pianos, cordas, ukulele e percussão acústica, elementos que, por vezes, se misturam à instrumentação sintética criando resultados surpreendentes e agradáveis.

Billie Eilish é um dos destaques do Grammy mais uma vez (Foto: Divulgação)

Evolução/Amadurecimento

O amadurecimento como tema central do álbum se reflete em várias camadas. As letras trazem isso de forma mais explícita, traçando uma comparação do “eu” anterior da cantora com seu futuro “eu”, além de falarem sobre sensualidade, consequências da fama e relacionamentos abusivos.

Aliado às letras, a instrumentação também sofre um amadurecimento desde o último álbum. As atmosferas criadas por cada música se encaixam bem com suas temáticas e evocam os sentimentos citados. Alguns estilos emulados no álbum, como Jazz, Baladas de Piano e R&B também contribuem para essa percepção.

A voz de Billie sofreu modificações com a idade. O uso extenso de falsetes e vocais sussurrantes é menos presente e dá lugar à preferência pelo uso do registro mais baixo (grave) da voz e de vocais mais encorpados. A cantora mostra que sua técnica vocal se encontra mais apurada do que nunca.

Conclusão

Happier Than Ever é um ambicioso estudo da personalidade de sua autora que transmite, com sucesso, sua mensagem por meio de letras intimistas e musicalidade intoxicante. A temática é, ao mesmo tempo, interessante e relacionável, fazendo o ouvinte se sentir um amigo próximo.

O álbum é uma pedida obrigatória para apreciadores dos trabalhos anteriores de Billie e tem o potencial de agradar múltiplos ouvintes, considerando a vasta gama de gêneros abrangidos e a qualidade com que são trabalhados. Por esses e outros motivos, tem grandes chances de levar o prêmio de melhor album do Grammy 2022.

Mesmo com alguns momentos mais consistentes e interessantes do que outros, é dificil não se encontrar com várias das melodias grudadas na cabeça. O trabalho colocado aqui é perceptível e louvável e define expectativas altas para o próximo trabalho de Billie e Finneas.

Faixa a faixa

  • 1) Getting Older

Getting Older é uma calma e intimista faixa em que Billie expõe sua vulnerabilidade ao cobrir assuntos como o crescente senso de responsabilidade, revelações pessoais, perseguidores e traumas passados. De acordo com a própria autora, foi uma música difícil de se escrever, o que se torna perceptível ao ouvinte.

Um tímido sintetizador tocado de forma ritmada é a única base instrumental a acompanhar os quietos vocais da cantora nessa abertura. É uma quebra de expectativa se comparada à sonoridade e à temática do álbum anterior e funciona bem como faixa de introdução.

  • 2) I Didn’t Change My Number

O primeiro “banger” do álbum, I Didn’t Change My Number se aproxima mais da sonoridade característica da cantora e traz uma mudança abrupta de atmosfera. Logo no início, os rosnados do pit bull, “Shark”, da própria Billie, anunciam a entrada de um instrumental mais agressivo.

Em meio a uma batida que conquista o ouvinte desde o início, sintetizadores ritmados fazem o papel de plano de fundo para Billie tratar sobre se desprender de um relacionamento que, agora, percebe ter sido prejudicial. 

Assim como a cantora em sua letra, a musicalidade empolgante constrói um senso de empoderamento no ouvinte e fecha com pulsantes e agressivos sintetizadores que levam essa sensação ao ápice.

A cativante faixa define uma atmosfera que será permeada durante o restante do álbum e mantém o ouvinte interessado e curioso pela próxima faixa.

  • 3) Billie Bossa Nova

O álbum desacelera novamente com a faixa “Billie Bossa Nova”, que traz influências de Bossa Nova, Jazz e música latina numa roupagem moderna com uma percussão eletrônica. A instrumentalização mais orgânica promove um contraste agradável em relação às faixas anteriores.

A faixa fala sobre amor e como ele acontece de forma repentina e intensa. Billie traz uma visão sensual desse amor, de como a pessoa se torna irresistível e uma sintonia é criada. Os vocais aveludados agregam à atmosfera e passam o sentimento desejado.

  • 4) my future

my future” mantém o ritmo do álbum mais devagar. A instrumentação orgânica, mesmo após a entrada da bateria, colabora para a atmosfera intimista gerada, assim como os vocais tratados com um efeito de “reverb” que cria uma ambiência familiar.

Billie reflete sobre seu passado e futuro, e sobre como a procura por amores deu lugar ao amor próprio. O ouvinte é colocado na posição de interesse amoroso da autora, que explica a mudança e seu novo ponto de vista. 

Paralelo à mudança de perspectiva da cantora, o instrumental começa melancólico e lento e, no meio da faixa, se torna alegre e rítmico, com a entrada da bateria e da guitarra. Dessa forma, a transição da cantora é ressaltada de forma mais tangível para o ouvinte.

O primeiro single do álbum, “my future” alcançou o nº 6 do Billboard Hot 100.

  • 5) Oxytocin

Em “Oxytocin”, A batida dançante e frenética se mistura a sintetizadores ritmados e agressivos para criar uma atmosfera sensual e enérgica. Os vocais dispostos em camadas emulam fortes respirações e vão de encontro à temática da faixa.

Billie expõe sua intimidade se doando a suas vontades e desejos sexuais de forma incansável e voraz, o que chega a ser quase intimidador e, ao mesmo tempo, sensual.

Os estilos Techno e Downtempo são claras inspirações para a sonoridade de Oxytocin, que transporta o ouvinte para um ambiente claustrofóbico e entorpecente, que vem a calhar com o tema da canção. Um dos pontos mais fortes do álbum em termos de musicalidade.

  • 6) GOLDWING

A criatividade da dupla se mostra no auge em “GOLDWING”. A faixa começa com uma peça de coral cujos vocais são todos gravados por Billie. A palavra “goldwing”, citada na peça, é então sampleada e atua como uma base, permeada por uma batida forte que confere ritmo à canção, e se alia aos baixos sintetizados. A cantora se utiliza de vocais falados unidos a um refrão cativante, criando um estilo particular e surpreendente.

A faixa faz alusão a uma jovem garota, na figura de um anjo, cuja pureza ainda não foi explorada pela indústria e ainda não passou por eventos traumáticos. Billie canta de uma perspectiva cujo intuito é ajudar essa jovem a se prevenir em situações de vulnerabilidade, uma clara alusão aos abusos citados nas outras faixas do álbum.

A sonoridade de “GOLDWING” é um destaque do álbum e deixa o ouvinte desejando mais por terminar de forma abrupta e com pouca repetição. Com um refrão tão interessante, um minuto a mais caberia bem dentro da canção sem torná-la cansativa.

  • 7) Lost Cause

O baixo funkeado e bateria lenta são plano de fundo para Billie discorrer sobre o momento de percepção de que a pessoa com quem tinha um relacionamento não era merecedora de seu afeto. A cantora fala de uma perspectiva de livramento, reconhecendo que essa pessoa não a valorizava e que a decepcionou, ficando sem chances no fim.

A faixa é cativante e o refrão se prende à mente do ouvinte.

  • 8) Halley’s Comet

Halley’s Comet” é uma balada que agrupa vários gêneros, os mais notáveis sendo Jazz, Lounge Pop e Glam Rock sessentista, territórios pouco explorados pela artista até então. Apesar disso, a execução é surpreendentemente satisfatória, remetendo a trabalhos de grandes artistas desses gêneros.

O piano acompanhado à percussão tímida define o tom para que os vocais melancólicos possam brilhar. A faixa apresenta alguns dos melhores vocais da artista. No fim, há uma mudança de tom, em que a voz de Billie, encharcada do efeito flanger, dá um tom espacial à faixa, que faz sentido com o título.

  • 9) Not My Responsibility

A nona faixa do álbum é um monólogo falado em que Billie critica a cultura do Body Shaming e a necessidade de julgar os corpos de pessoas como se isso as definisse. Em meio a sintetizadores etéreos e calmos que ziguezagueam entre os lados da mix, o interlúdio hipnotizante conquista o interesse do ouvinte. 

  • 10) OverHeated

Após uma sutil transição, o instrumental de “Not My Responsibility” se funde a mais uma batida forte e vocais que remetem ao hip-hop e rap e dá origem a “OverHeated”

A faixa mantém o tema da anterior e expande, criticando a exposição invasiva gerada pelos paparazzi e trazendo a reflexão de que artistas são pessoas comuns com corpos comuns. Um paralelo às notícias que expuseram Billie e as mudanças pelas quais seu corpo passava ao transicionar para a idade adulta pode ser traçado com a letra.

Com um refrão cativante e sonoridade dançante, a faixa  complementa o interlúdio anterior e, juntos, protagonizam um dos momentos mais interessantes do álbum.

  • 11) Everybody Dies

Everybody Dies” é uma das canções mais obscuras do álbum. Billie se encontra tendo que encarar a realidade da morte e vê-la como algo natural, tentando reconfortar o ouvinte por ser algo inevitável que acomete a todos. 

A instrumentação calma e melancólica se encaixa à temática, dando vida a uma faixa que, apesar de bela e profunda, talvez não se encaixe em qualquer momento. É uma faixa que funciona melhor em momentos tristes e reflexivos. 

  • 12) Your Power

Mantendo a atmosfera, “Your Power” conta a história de um relacionamento abusivo e como isso afetou a cantora. A faixa fala sobre essa pessoa tendo poder sobre ela e abusando disso inconsequentemente.

Os vocais gravados em várias camadas recebem um tratamento de reverb quase angelical sobre uma base de violão melódica e melancólica, que contribui para a atmosfera mantida. Alguns sintetizadores discretos e ambientes se fazem presentes.

O terceiro single do álbum, “Your Power” alcançou o nº 10 do Billboard Hot 100.

  • 13) NDA

A agressividade de “NDA” fornece uma perspectiva interessante das consequências trazidas com a fama, como preocupação com segurança, perseguidores e a dificuldade de ter uma vida íntima privada.

 Billie utiliza vocais falados e sussurrados para expressar seus sentimentos nessa faixa. A bateria eletrônica permeia toda a faixa, junto a uma linha de cordas cativantes que atuam como motivo. O refrão tem vocais modulados e mais agudos, ao mesmo tempo que uma linha de sintetizadores pulsantes encontra o ouvinte de forma repentina.

  • 14) Therefore I Am

“Therefore I Am” tem um instrumental divertido e pegajoso que, apesar de agradável, repete um estilo que já foi amplamente utilizado durante o álbum, em faixas mais interessantes. Dito isso, é uma faixa dançante que se sustenta individualmente mas que, no contexto do álbum, não agrega tanto.

A faixa faz uma brincadeira lírica com a citação “I think, therefore I am” (penso, logo existo), do filósofo René Descartes para falar sobre pessoas que se utilizam de seu nome para ganhar influência mas, na realidade, não a conhecem de verdade. A canção traz a mesma atitude debochada mostrada por Billie em faixas como “COPYCAT”, do EP “dont smile at me”.

O mais bem sucedido single do álbum, “Therefore I Am” alcançou o nº 6 do Billboard Hot 100.

  • 15) Happier Than Ever

Nessa faixa, Billie fala novamente sobre um relacionamento abusivo e como se libertar dessa pessoa a fez mais feliz do que nunca. Ela ressalta, ainda, uma série de situações que a levaram ao esgotamento. A raiva decorrente disso é explicitada na letra e, mais ainda, no instrumental e vocais agressivos.

Uma introdução com vocais lentos e uma base de ukulele remete a música havaiana, ao mesmo tempo que alguns vocais em segundo plano emulam uma sonoridade de gramofone cinquentista, que garantem à faixa uma característica “vintage”.

Na segunda metade, a canção muda por completo. O ukulele dá lugar a uma guitarra distorcida que transforma o tom em um rock moderno acompanhado de vocais gritados e uma bateria com ataques estourados. A transição e a resolução são realmente criativas e evocam as diferentes emoções trazidas pela temática.

O sexto single do álbum, “Happier Than Ever” alcançou o nº 11 do Billboard Hot 100.

  • 16) Male Fantasy

Uma desilusão amorosa é o tema principal abordado pela faixa. A cantora disseca reflexões a respeito dos métodos utilizados para superar essa situação e as consequências deles.

Depois de tantas faixas criativas e diversas, “Male Fantasy” deixa a desejar enquanto fechamento do álbum. A balada ao som de um lento violão e vocais no registro mais alto (agudo) com a presença de falsetes não traz novidade sonora ou temática. Apesar de possuir uma boa execução devido aos talentos de Billie e Finneas, a canção acaba não se destacando na listagem e sendo um tanto quanto genérica em comparação com outros artistas que exploram sonoridades semelhantes.

Ficha Técnica

Lançamento: 30 de julho de 2021

Gênero: Pop Alternativo; Downtempo; Electropop

Origem: Califórnia, EUA

Selo: Darkroom – Interscope

Produtor: Finneas O’Connell

Autor: Billie Eilish O’Connell

Por Henrique Fregonasse

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