Aplicativos: promessa de inclusão pela web

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Esperar o ônibus para o trabalho, escolher um restaurante, voltar uma rua depois de se perder fazem parte da rotina da maioria das pessoas. No entanto, para pessoas com deficiência, há obstáculos práticos. Tecnologias presentes nos smartphones, como câmera e GPS, e os aplicativos disponíveis desenvolvidos com o foco da responsabilidade aumentam a acessibilidade, a visibilidade e a mobilidade. No entanto, não estão livres de críticas do público-alvo. A Agência de Notícias UniCEUB encontrou usuários e criadores de 10 apps, que recebem elogios e críticas.

 

Para cegos

 

Ricardo Rubenich, estudante de direito, e Luiz Eduardo Porto, criador do aplicativo Cittamobi Acessibilidade, usam essas disponibilidades para interagir melhor com o mundo através do celular. Rubenich ficou cego devido ao tratamento de linfoma no intestino, que teve quando tinha oito anos. O problema de visão desenvolveu-se até a cegueira total. Porto tem a deficiência de nascença.
O estudante de direito explica que usa a função VoiceOver, nativa dos celulares da Apple, para usar o aparelho. Ao ativá-lo, uma voz sintetizada diz o que há em cada posição da tela com um toque. Para que o contato de ativação funcione, é preciso dar duas batidas na tela. Se o usuário passa o dedo pela tela, o VoiceOver lê a medida que a pele encontra os itens. Por ser voz sintética, o VoiceOver permite ouvir em velocidades aceleradas sem distorcer o áudio. Como usa há muito tempo, Ricardo usa a função na velocidade máxima. Pessoas sem o hábito não conseguem compreender o som na rapidez que ele escuta.

 

Para o computador, o programa que faz uma operação semelhante ao VoiceOver é o Dosvox. A diferença é que o segundo usa voz humana gravada, o que impede de acelerar. O programa também não lê telas como no celular. Ele funciona como um leitor de softwares, para cada programa instalado no computador, é preciso haver uma versão especial para Dosvox. Para que Ricardo edite um texto, ele precisa abrir o editor de texto na versão Dosvox. É preciso que o desenvolvedor dos softwares criem adaptações para funcionar dentro do Dosvox.

 

“Eu até brinco que esse daí é o aplicativo pra mostrar a luz no fim do túnel pro cego”, Luiz Eduardo Porto.

 

Para descobrir locais próximos a ele, Ricardo usa o Blind Square, um aplicativo que informa estabelecimento por perto via GPS. Ele também usa o Uber, que mesmo não feito para cegos, ajuda bastante e é programado para ser acessível para cegos. Outro que usa é o Voice Dream Reader, que disponibiliza opções de vozes que leem livros e arquivos de texto de forma dramática.

 

Já Luiz Eduardo Porto, criador do Cittamobi, usa aplicativos de reconhecimento de cores. Ao escolher roupas, por exemplo, o programa informa qual a cor da camisa ou da blusa. Outro que utiliza é um reconhecedor de dinheiro. Ele diz que um aplicativo para reconhecer a luminosidade de ambientes é muito útil porque informa se a luz de casa está acesa e ajuda a economizar energia. “Eu até brinco: é o aplicativo pra mostrar a luz no fim do túnel pro cego”, diverte-se.

 

Como ele é programador, Porto faz aplicativos simples e pequenos para usos pessoais. Como exemplo, cita um que usa o giroscópio do celular para indicar se o alinhamento do relógio cuco da casa dele está em um ângulo de 90 graus.

 

Para surdos

 

Se existem inúmeras funções para quem tem dificuldades para enxergar, para quem tem problemas de audição ainda não existem boas utilizações. Os professores Alex Silva Alves, surdo oralizado, e Guiomar da Silva Alves, surda, informaram que utilizam aplicativos comuns para comunicação, como Whatsapp e Skype.

 

Os professores apontaram que um tipo de aplicativo recorrente usado para traduzir a linguagem falada para Libras (Língua brasileira de sinais). Citaram o Hand Talk, o ProDeaf, o Rybena e o mais recente, VLibras. Todos usam um personagem digital que faz os gestos da linguagem. A pessoa pode digitar o texto a ser traduzido ou falar no microfone.

 

Os professores disseram que a tradução não é adequada porque o português e a Libras são duas línguas diferentes. Existem sutilezas na tradução que o aplicativo não é capaz de fazer. Algumas palavras exigem contextualização imediata, porque a Libras às vezes faz gesto para indicar objetos e pessoas próximas. Outras palavras possuem mais de um significado, como rosa. Como cor possui um gesto específico e como flor outro diferente.

 

Guiomar Alves diz que existe uma poesia na forma de construir a linguagem através da Libras que é perdida no aplicativo por conta de expressões corporais que fazem parte da língua. Uma palavra pode mudar de significado com um rosto de alegria ou de tristeza. Contar com esses aplicativos para ir a um médico, por exemplo, não é confiável.

 

Aplicativos 1

 

Para cadeirantes

 

Bruno Mahfuz, diretor do aplicativo guiaderodas, descobriu esses obstáculos quando sofreu um acidente de carro há 15 anos e se tornou cadeirante. “Eu achei que todo mundo podia ir pra qualquer lugar, só que aí eu vi que a realidade não era bem essa”, descreveu.

 

Segundo Mahfuz, não são apenas as ruas e as calçadas que são problemas para os cadeirantes. Estabelecimentos como edifícios em que a entrada se dá por uma escada ou restaurantes cujos banheiros ficam em outros andares e cuja porta não tem espaço para a passagem de uma cadeira de rodas também são lugares onde o direito de ir e vir é negado para quem tem dificuldade de locomoção, o que não corresponde apenas a quem tem a condição permanente como cadeirantes, muletantes ou idosos. Pode incluir pessoas que passaram recentemente por cirurgias ou até mães com carrinhos de bebê.

 

Foi quando pensou no aplicativo. A ideia era ter um repositório onde informações de acessibilidade de locais estivessem disponíveis. O diferencial, na opinião de Mahfuz, é exaltar locais acessíveis, não bater nos que não são. O serviço disponibiliza uma avaliação dos usuários de lugares com acesso. Mesmo quem não tem dificuldades pode dar a opinião para contribuir. Assim, as pessoas treinam o olhar ao procurar acessibilidade em restaurantes, teatros, festas. “É muito gratificante ver que a gente está conseguindo conscientizar as pessoas quanto a este tema”, afirmou o criador do aplicativo.

 

“Eu achei que todo mundo podia ir pra qualquer lugar, só que aí eu vi que a realidade não era bem essa”, Bruno Mahfuz.

 

Os critérios de avaliação dos locais seguem categorias específicas para os tipos de serviços que prestam, como hospedagem em hotéis, e outras gerais, como entrada nos estabelecimentos. As perguntas das avaliações são feitas com base em funcionalidade.

 

Houve foco das campanhas nas cidades São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas. Mas o aplicativo está em todo o mundo graças à internet. Como existem militantes da causa em todos os lugares, ele ganha visibilidade. O plano de foco futuro inclui Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e algumas cidades menores do interior de SP. “Apesar de ser muito novo, a pessoa que for utilizar unicamente para consultar e não pra avaliar talvez se frustre nesse começo” Mahfuz refletiu por conta da base de usuários pequena. Nos dois primeiros meses ultrapassou quatro mil avaliações, o que o diretor do aplicativo considera pequeno comparado com o objetivo, mas eles estão contentes com o resultado.

 

Como usuário, Bruno já usou o guiaderodas em viagens para escolher hotéis. De acordo com ele essa é a ideia, servir de guia de consumo.

 

Para mobilidade

Outra pessoa com deficiência que se dispôs a criar um aplicativo de acessibilidade para si e para outros foi o Luiz Eduardo Porto, idealizador do Cittamobi acessibilidade. Cego, Luiz muitas vezes não encontra ninguém nos pontos de ônibus para ajudá-lo. Nessas ocasiões, ele para todos os ônibus que passam para perguntar se é a linha correta. “Daí eu pensei, ‘Poxa, será que não tem um GPS? Será que não tem um jeito de eu saber qual ônibus que tá vindo pelo GPS dele?’”, detalhou.

 

A prefeitura o colocou em contato com a empresa de ônibus de São Caetano.  Ele foi com um esboço do que queria. Na reunião, o dono da empresa gostou da ideia, mas os dados de GPS necessários estavam com outra empresa: a Cittati. “Calhou de ser na mesma época que eles estavam procurando uma solução para acessibilidade também”, ficou agradecido. Foi feita uma parceria: Luiz faria o aplicativo, eles passariam a informação que ele precisava para o desenvolvimento e uma pessoa da Cittati pra fazer o ajuste da tela para que ficasse mais agradável.

 

“Uma coisa que antes era muito desagradável hoje fica muito mais tranquila. Esse é o verdadeiro ganho”, diz Luiz Eduardo Porto.

 

O aplicativo informa se o ônibus é adaptado ou não. O cadeirante já pode saber qual linha pegar e que horas ela passa. Para as pessoas com deficiência visual, existe um software separado porque elas têm dificuldade com imagens de mapas, que é como o aplicativo funciona. O software coloca todos os pontos em forma de lista, com os mais próximos no topo e os mais distantes mais para baixo. “Então eu já seleciono o ponto que me interessa. Ele me avisa o ônibus que tá chegando por forma de voz e por toque de celular”, explica Luiz Eduardo. Os dados são mostrados visualmente na tela, o que faz, segundo o criador do aplicativo, funcionar também para pessoas com deficiência auditiva.

 

Luiz Eduardo Porto aponta outras vantagens. O aplicativo indica, através do trajeto de ônibus, quais as paradas. Com isso, o usuário cego descobre caminhos práticos para lugares que ele nem conhecia. Ele sabe melhor como se locomover pela cidade. Também não depende mais de motoristas e outras pessoas para saber se passou ou não do ponto em que precisa descer. “Uma coisa que antes era muito desagradável hoje fica muito mais tranquila. Esse é o verdadeiro ganho”, conclui.

 

O Cittamobi Acessibilidade se encontra em 33 cidades atualmente. Teve início em Recife, Maceió, Natal, São Paulo, Ribeirão Preto, Santo André, São Caetano, Diadema, Barueri e Guarulhos. Pessoas de outras cidades têm procurado contato para conseguir levar o aplicativo lá. Por isso, ele continua em expansão até chegar ao máximo de cidades possível.

 

Ele não esperava que o aplicativo fosse parar onde parou. “Eu pensei nele como uma solução pessoal. Então ela cresceu e então eu espero que cresça muito mais.” De acordo com ele, a maioria das coisas que realizou e deram certo foram assim. Ele fez para si e serviu para outros.

 

Aplicativos

 

Por Vinícius Brandão

Colaboração: Beatriz Castilho e Caio Avelino

Artes por Camila Campos

Foto: Bart Everson

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