Risco: consumo de Ritalina vai além do TDAH

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Sarah, 12 anos, foi diagnosticada com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), e, desde 2013, faz tratamento com Ritalina, para melhorar a concentração para o rendimento na escola. Em 10 anos, a demanda desta medicação cresceu 775% no Brasil, passando de 94 kg consumidos em 1998 para 875 kg em 2008. Especialistas alertam os riscos do uso do remédio sem acompanhamento médico. A importação e a produção da substância cresceram 373%, passando de 122 kg para 578 kg no mesmo período. Os dados, de 2010, são da Pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), realizado pela psicóloga Denise Barros.

O farmacêutico Carlos Magno afirma que a maior demanda da medicação é de pessoas que buscam melhor desempenho nos estudos – e não por pessoas que utilizam a medicação para tratar disfunções como o TDAH. Ele alerta ser perigoso usar a substância sem que haja indicação médica.

Tratamento 

O pai de Sarah, Vitor Lopes, 47, explica que recebia muitas observações dos professores em relação à falta de atenção da filha, e que por isso resolveu levá-la ao psiquiatra. “Na minha família, havia muitos casos semelhantes. Nunca fizemos tratamento. Eu nem sabia que poderia ser isso, mas sofria bastante na escola. Depois que comecei a estudar sobre o transtorno, percebi que eu tinha os mesmos sintomas”, relata. Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção, 5% das crianças e adolescentes do mundo possuem o transtorno, enquanto o índice nos adultos varia entre 2,5% e 4%.  Um estudo publicado em 2012 na Revista Brasileira de Psiquiatria apontou que apenas 19% dos brasileiros com o transtorno fazem o tratamento com medicação.

Depois do diagnóstico, a pedido do especialista, Vitor começou a medicar Sarah com a Ritalina, muito comum para esse tipo de tratamento. Ele explica que optou por esse remédio – e não os concorrentes – porque a Ritalina é fornecida na rede pública. Ele conta que a filha continua fazendo sessões de terapia com o psicopedagogo e com uma fonoaudióloga. Para ele, o transtorno pode ser tratado apenas com terapia, porém é uma opção cara e que demanda tempo.

Segundo farmacêuticos consultados, outras substâncias podem substituir a Ritalina, como os estimulantes Lis-dexanfetamina e Memoriol b6, ou antidepressivo Bupropiona e a Clonidina, que são mais usados quando há contra indicação do uso dos estimulantes. Carlos Magno explica que Ritalina é mais procurado porque, apesar de curta duração, tem efeito mais rápido.

A preocupação é que muitas pessoas conseguem receitas médicas, por vezes indevidamente prescritas, para aumentar o rendimento nos estudos, mas afirma que se é possível encontrar comerciantes que vendam o remédio sem o pedido médico. No caso das crianças, psicólogos afirmam que, além do acompanhamento, é preciso orientar a escola e a família. Vitor explica que, após cerca de dois meses usando o medicamento, Sarah começou a ter outra postura em sala de aula e recebeu elogio dos professores. Sintomas como a falta de atenção e hiperatividade haviam desaparecido.

O composto, a base de metilfenidato, age no cérebro estimulando neurotransmissores que têm deficiência, ou que são produzidos em baixa quantidade, chamados de dopamina e noradrenalina. Vitor lembra que, no começo do tratamento, se deixasse de dar a medicação para a filha durante um dia, os professores já notavam que ela ficava mais dispersa.

Por considerar a medicação forte, Vitor Lopes explica que não gosta de medicar a filha, e por isso Sarah toma o medicamento somente antes de ir pra escola. “Eu dou o remédio pra ela porque ele ajuda no desempenho escolar, mas pretendo diminuir a quantidade com o tempo, até poder parar de usá-lo”.

Arte: João Vitor Silva
Arte: João Vitor Silva

Efeitos

Segundo os especialistas consultados, a Ritalina é mais propensa a desenvolver problemas cardiovasculares em adultos do que em crianças, pois pessoas mais velhas têm maiores chances de sofrer de problemas cardíacos, como doenças coronárias e arritmias. O remédio aumenta a pressão sanguínea e os batimentos do coração, podendo causar hipertensão ou arritmia, e também pode piorar o glaucoma.

Se usada como estimulante, a Ritalina pode prolongar a vigília e combater a fadiga. O lado negativo é que o uso noturno pode causar insônia. A capacidade dessa droga de manter o usuário acordado a noite toda para estudar ou ir para festas pode levar ao abuso da substância e, consequentemente, ao vício. Outros efeitos colaterais comuns da Ritalina são aumento de ansiedade, nervosismo, perda de apetite, hipersensibilidade e, em portadores da Síndrome de Tourette, aumento de tiques.

Aumento de diagnósticos

Levantamento feito pela Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, mostrou que o número de crianças diagnosticadas com o TDAH naquele país aumentou 66% em dez anos – de 6,2 milhões para 10,4 milhões de 2000 a 2010. O fenômeno não se restringe aos EUA. Em todo o mundo cresce o número de pessoas diagnosticadas, ao mesmo tempo em que também aumenta o consumo de remédios usados no tratamento desse transtorno.

De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), todas as pessoas têm sintomas de hiperatividade e de déficit de atenção, porém só são considerados um transtorno quando a intensidade desses sintomas atrapalham o desenvolvimento do indivíduo e seu dia a dia. O diagnóstico da intensidade do problema é inteiramente clínico, feito com base nos sintomas, da mesma maneira que outros distúrbios, como a síndrome do pânico e a depressão.

O TDAH tem causas genéticas, que aparecem na infância. É o transtorno mais comum em crianças e adolescentes encaminhados para serviços especializados. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. É reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em alguns países, como nos Estados Unidos, portadores de TDAH são protegidos por lei, com direito a tratamento diferenciado na escola. Vitor conta que Sarah estuda na Escola Classe 407 Norte, especializada em educar crianças com necessidades especiais. Porém ele afirma que não acha o método eficiente. “Acho que é preciso de mais dedicação dos professores, menos alunos e profissionais mais qualificados”, afirma. Em mais da metade dos casos, o transtorno acompanha o indivíduo na vida adulta, embora os sintomas de inquietude sejam menos aparentes. Segundo a associação, é mais difícil diagnosticar adultos com o transtorno, porque a hiperatividade diminui com o passar dos anos e a atenção também costuma melhorar.

Além do TDAH, na maioria das vezes o portador apresenta pelo menos mais um distúrbio associado. As pesquisas estimam que 70% das crianças com TDAH apresentam outra mazela e pelo menos 10% apresentam três ou mais disfunções. A maneira pela qual o paciente será tratado varia de acordo com as desordens secundárias. A desordem mais comum é o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD), um transtorno de conduta que abrange, aproximadamente, 1/3 da população de TDAH.

Por João Vitor Silva

 

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