Concessão para uso de água na agropecuária pode ser agravante para crise hídrica no cerrado

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Cerrado e Amazônia são os biomas mais ameaçados pelos efeitos do desmatamento, particularmente por conta da agropecuária, segundo especialistas em meio ambiente. O avanço problemático desse tipo de cultura foi trazido à tona depois da Operação “Carne Fraca” da Polícia Federal, que denunciou 21 frigoríficos por adulteração de produtos de origem animal.

O desmatamento causado pelo aumento do cultivo de soja no cerrado aliado à autorização concedida pelo governo para o uso de água própria para o consumo humano são fatores apontados pela professora especialista em direito ambiental Lilian Rocha como agravantes, por exemplo, da crise hídrica no país. Segundo ela, existe uma cultura de não fiscalização da produção agropecuária e uma preocupação maior, por parte dos grandes proprietários, com o lucro e não com o meio ambiente. “A crise econômica é tão grande que é conveniente colocar o problema ambiental como segundo plano”, explicou.

Segundo a especialista, essa preocupação econômica vem do empoderamento dos grandes empresários rurais e do fortalecimento da bancada ruralista no congresso e em setores estratégicos do governo. Ela cita como exemplo dessa representação do setor agropecuário na política o ministro da agricultura, Blairo Maggi, também conhecido como “rei da soja”. “Isso dificulta a discussão efetiva dos problemas no nosso modo de produção agropecuária”, critica a professora.

Segundo ela, a prática irresponsável de agropecuária é algo que “está no nosso DNA”. Para a pesquisadora, isso foi herdado desde o Brasil colônia, quando os portugueses criaram um sistema extrativista no país que progrediu para um sistema de exportação de “commodities” que persiste até hoje.

Confira trecho da entrevista com a professora Lílian Rocha:

Segundo o engenheiro agrônomo Luis Fernando Guedes, da Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), isso acontece, em parte, pelo desmatamento e uso de terras não destinadas, ou seja, terras que ainda não foram nomeadas como privada e que são propriedade do Estado. “São desmatamentos ilegais em terras públicas que são ocupadas ilegalmente e que são usadas para proposito privado. Essa é a principal frente do desmatamento brasileiro”, afirma o especialista.

Segundo o Atlas da agropecuária do Brasil, divulgado pela Imaflora,  GeoLab da Esalq / USP e a KTH (Suécia), 86 milhões de hectares correspondem a essas áreas não destinadas e 98% desses 86 milhões de hectares correspondem à áreas na Amazônia e Pará, onde existe um acentuado crescimento de desmatamento e produção agropecuária. O Atlas ajuda a identificar o mapa fundiário do Brasil, ou seja, mapeia as terras distribuídas de acordo com suas categorias.

Oportunidade para mudar

A operação “Carne Fraca” é uma oportunidade para se discutir de forma mais ampla a temática do desmatamento e da agropecuária irresponsável em nosso país, segundo Guedes. Para ele, as ações da Polícia Federal (PF) afetam todo do setor produtivo, podendo alterar desde o preço das carnes e das terras até a mentalidade do consumidor. “Certamente, a má notícia dessa operação tem que ser vista como uma oportunidade para os brasileiros entenderem o que é a produção de carne e como isso se relaciona com o nosso dia a dia”, explica.

Já a advogada Lilian Rocha acredita que a mudança necessária para combater o problema do desmatamento tem que vir de uma proposta nacional e não de governo. “Não é uma proposta de governo que acaba quando o governo sai. O país tem que querer ser correto. É uma proposta de país”.

“O problema é o desmatamento irregular”

Segundo o coordenador do Núcleo Econômico da Confederação de Agricultura Pecuária (CNA), Renato Conchon, a produção pecuária é o segundo segmento financeiro do país que mais movimenta dinheiro. Por isso, ele acredita ser necessário combater de forma árdua de combater a corrupção nos meios de produção de carne e combater os frigoríficos ilegais. Além disso, Renato Conchon explica que o desmatamento irregular é um grande problema para a crise hídrica, mas também informa que a agricultura, feita de maneira responsável e com devidas técnicas pode enriquecer os lençóis freáticos. “A agropecuária também tem o poder de gerar água. A manutenção e boa gestão do solo e políticas de plantio direto evita que a água corra pelo solo evitando o assoreamento e enriquecendo os lençois. O problema hídrico é falta de gerenciamento”, afirmou. “Os desmatamentos ilegais são os madeireiros, o desmatamento rural ocorre dentro do que a lei permite e isso não necessariamente tem a ver com a alteração do clima”, afirma.

O ambientalista Dener Giovanini  afirma que não se pode ver o agronegócio de um ponto de vista exclusivamente ruim, visto que o mesmo é um dos setores econômicos mais fortes do país. Ainda assim, ele critica a prática irresponsável e levanta a questão dos problemas que esse exercício vulgar da atividade pode trazer ao Brasil a longo prazo. “Não podemos pensar o Brasil somente até os próximos 5 anos”, afirmou.

“Nenhum país pode ser refém de um único setor econômico”, critica Dener Giovanini

Através de uma ótica ainda mais econômica, Giovanini explica que quando um país fica fortemente sujeito à um setor econômico específico, qualquer crise pode abalar toda a economia do país, como aconteceu recentemente com a operação “Carne Fraca”. O ambientalista sugere a diversificação das formas de arrecadação do PIB e cita como exemplo o investimento no “parque tecnológico” do Brasil.

A reportagem entrou em contato com o Ministério da Agricultura para falar sobre o posicionamento do ministro Blairo Maggi enquanto grande produtor rural paralelamente à sua atividade de ministro e não obteve resposta até a publicação da matéria.

Bruno Santa Rita
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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