O tempo ditatorial no Brasil deixou marcas na vida de moradores da capital. O ano sombrio de 1964 permanece vivo na memória de quem presenciou e fez parte do período de tortura, medo e tensão. Em abril completam-se 53 anos do golpe militar. Após mais de cinco décadas, candangos relatam histórias do momento exaltado pelos militares e repugnados pela população. A Agência de Notícias foi atrás de personagens que viveram e recordam do regime militar.
Uma dessas pessoas é o aposentado Otacílio Norberto Mendes, 75 anos. Cearense, ele chegou à capital em 1960. Servidor público do Senado Federal, viu de perto os bastidores da revolução militar brasileira.
Otacílio passou por diversos empregos até chegar ao Senado e observar de perto a política do Brasil. Histórias são o que não faltam na vida do candango desde a chegada em Brasília. “Trabalhei em empresas, bancos, vendi livros e fui aprovado no concurso do Dasp (Departamento Administrativo do Serviço Público), um órgão da época” relata. O cearense de Boa Viagem, a 217 quilômetros de Fortaleza, revela que foi torturado nos anos ditatoriais. As marcas da violência estão expostas até hoje. “Fizeram coisas terríveis. Os senadores de oposição eram vigiados. Quando general Castelo Branco assumiu o poder deixou uma constituição pronta, mas os militares não seguiram e fecharam o congresso. Fui vítima do Decreto 477 baixado por Jarbas Passarinho que perseguia os estudantes”, contou. Pelas torturas físicas, Otacílio carrega nos dedos das mãos as marcas da violência. “Meus dedos foram colocados em uma prensa para que eu afirmasse que o chefe do meu setor no Senado era socialista, o que não era verdade”, conta.
A ditadura que afetou a UnB
A Universidade de Brasília é uma importante fonte de pesquisa histórica. Fundada em 1962, foi alvo da ditadura. Muitas pessoas se formaram e não tinham a liberdade de expressão respeitada. O professor da UnB, Cristiano Paixão, busca traçar um paralelo entre os dias vivenciados na ditadura e os atuais. “Eu não era nascido na época, mas existiam setores que eram muito a favor e outros contra. Tudo consistia em duas crises. A de 1954 que levou ao suicídio de Getúlio Vargas e a que levou ao golpe, em 1964. Algumas coisas se assemelham. Discursos que revogam a ditadura são utilizados hoje em dia”, explica.
O economista e ex-estudante da UnB, Cláudio Antônio de Almeida, também vivenciou e se tornou vítima do regime. Amigo pessoal de Honestino Guimarães, ele conta com detalhes o dia que foi preso logo após Honestino seguir o mesmo caminho. “Fui preso em agosto de 1968, já trabalhava e participava do movimento estudantil.” Quanto a censura e a falta de liberdade, Cláudio é enfático. “Você não podia se reunir com alguém que já estavam te vigiando. Além disso, os militares precisavam de um pretexto para a instituição do AI 5”, relata.
Cinquenta e três anos depois, o momento político preocupa Otacílio e Cláudio. “O cenário político precisa se reciclar. Vemos muita corrupção, políticos envolvidos na Lava-Jato. O Brasil sofre. Se fala em retorno da CPMF, fim das pensões e outras mazelas que sacrificarão a população. Politicamente o Brasil está muito mal. Só mudará se o povo for às ruas e mostrar sua força”, avalia. Otacílio. Já Cláudio tem uma opinião mais pessimista. “Estamos em um governo entreguista, afundado na corrupção. A perspectiva de melhora surge apenas com novas eleições, com uma mídia livre, aberta ao diálogo, diferente da manipulação atual”, observa o ex-estudante da UnB.
Por Gabriel Spies
Sob supervisão da professora Isa Stacciarini
Foto: Arquivo/Agência Senado