Em discussão no Congresso, a proposta de Reforma da Previdência do governo Michel Temer (PMDB) vai provocar uma transformação nos direitos trabalhistas. A proposição cria novas regras de idade e de tempo de contribuição, por exemplo. Se, para muitos empregados, as mudanças prejudicam, para mulheres o desafio é ainda maior. Isso porque o governo propõe a igualdade de idade mínima de 65 anos entre pessoas do sexo feminino e masculino para se aposentar. Já em relação ao tempo de contribuição, as exigências são de 49 anos com foco na aposentadoria integral.
Professor e doutor em direito constitucional, Paulo Blair se refere a questões pouco comentadas sobre a origem do débito da previdência social. “No setor público, várias das contribuições que seriam devidas pelo ‘patrão’, isto é, pelo próprio estado que contrata servidores públicos, não foram adequadamente transferidas para o cofre do sistema previdenciário. Isso porque valores arrecadados com contribuições sociais como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) não foram corretamente alocadas nos créditos devidos à previdência social”, explica.
Segundo ele, as propostas de reforma têm problema de concepção. “Presumem que o débito da previdência social é responsabilidade exclusiva de quem é contribuinte ou daquele que já está aposentado ou é pensionista”, esclarece. Na opinião do especialista, uma reforma pode até ser necessária, mas, antes, teria que fazer uma auditoria completa neste complexo sistema de arrecadação e de renúncias fiscais para, depois, construir uma proposta que pudesse ser previamente debatida com a sociedade. “Há um erro, do ponto de vista do debate democrático, que é procurar fazer uma reforma tão complexa em prazo tão curto e de forma tão apressada.”
Preocupação
Para a professora Maria do Socorro da Silva, 46 anos, as mudanças geram preocupação. “De imediato constato que essa reforma irá me incluir na lei de transição.” Esse fato gera desconforto para a professora que já prevê ser prejudicada. “Já estou exausta e temo não conseguir me aposentar com qualidade de vida para usufruir o merecido descanso. Devo pensar também na possibilidade de não contar com meu salário integral, o que comprometeria minha vida financeira e de minha família”, destacou.
Maria do Socorro acredita que a igualdade de idade mínima entre homens e mulheres prejudica trabalhadoras. “Muitos pontos são questionáveis, mas para mim, o mais absurdo é igualar a idade mínima entre homens e mulheres. Não estão levando em conta a realidade da maioria das mulheres brasileiras que com jornadas triplas de trabalho, se dividem entre a maternidade e a profissão.”
Juliano Mattos Rodrigues, 33 anos, é servidor e, na visão dele, essa reforma não passa de uma ação orquestrada do governo. “É mais um movimento do governo de Michel Temer em prol de uma ideologia neoliberal que prega o Estado mínimo, que não respeita, não considera e não valoriza as funções e os cargos públicos”, indigna-se.
Ele conta que será mais um afetado com essa mudança, caso seja aprovada. “Como servidor público federal, serei prejudicado, pois a regra vale para nós. Antes, eu poderia me aposentar aos 65 anos com o valor de 100% do salário. Agora, para eu atingir este valor, teria que trabalhar até os 75.” Para ele, o Brasil não dá condições plenas e suficientes de uma vida digna até os 75 anos, principalmente quando se trata de classes sociais mais baixas.
Ainda na visão dele, o que o governo quer é aumentar a permanência dos servidores para arrecadar mais. “Há inúmeros estudos demonstrando que o maior problema no Brasil é a eficiência no gasto e não a insuficiência de recursos. O movimento, no ambiente macro político e macroeconômico, visa a atração de investimentos pelo setor privado, o aumento dos custos para acessar os serviços públicos e, como consequências, uma maior desigualdade social, pois quem hoje não consegue acessar por falta de recursos (financeiros, estruturais, epistemológicos), ficará ainda mais distante disso”, ressaltou.
A proposta também afeta o trabalhador rural que hoje recebe aposentadoria e não contribui para o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social). Com a reforma, haverá modificações. Ainda não definido o valor, trabalhadores rurais, agricultores, pescadores artesanais e extrativistas deverão se incluir nessa contribuição.
Outra visão
O engenheiro agrônomo Gilmar Longuinhos, 28 anos, presta serviço na área rural. Ele já paga a contribuição, uma vez que a regra é a mesma de outros segmentos. No entanto, Gilmar acredita que a mudança na previdência pode beneficiar de algum modo a população. “No meio rural hoje, se vê com frequência o trabalhador permanecer no emprego apenas o tempo necessário para garantir o seguro desemprego e continua assim a vida inteira, então acredito que algo tem que mudar. Quem sabe assim evoluímos um pouco adiante”, opina.
O agrônomo sabe que terá de trabalhar a mais com o aumento de tempo para a aposentadoria, mas, na visão dele, pode ser um ponto positivo para o crescimento de um novo ciclo. “Com o aumento da idade para aposentadoria, com certeza teremos um crescimento como civilização, incentivando os jovens a ingressarem o quanto antes no mercado de trabalho e saírem da zona de conforto que se habita nessa faixa etária”, finaliza.
Gustavo Gomes Coimbra, 32 anos, é servidor do Supremo Tribunal Federal e acredita que a reforma deve acontecer, mas não com essas propostas. “Se o objetivo é garantir sua continuidade, deveria atingir todas as esferas e não apenas a nível federal”, ressaltou. O servidor acredita que os trabalhadores serão prejudicados. ”Creio que a reforma previdenciária não surtirá o efeito ideal nem pretendido ou sonhado pelo povo, pois permanece o sentimento de injustiça”, ressaltou.
Por Mariane Rodrigues e Natália Ferreira
Sob supervisão de Isa Stacciarini
Foto: Wikipedia Commons