
Entre glitter, maquiagens, roupas customizadas e perucas chamativas, o modelo artístico Dennys Bernardo de Melo, 31 anos, se monta desde os 27. Ele faz parte de uma arte que tem crescido no Distrito Federal: as performances das drag queens em casas noturnas. Homens usam vestimentas e acessórios femininos trazendo vida aos palcos de forma profissional e artística. Para a maioria, essa transformação é uma forma de fortalecimento e quebra de paradigmas no cenário teatral. Às sextas-feiras e aos sábados Dennys se torna Pikinéia Minaj após se montar. É na casa noturna Victoria Haus que o show acontece. O jovem é homossexual e drag queen, mas acredita que, por ter o apoio da família e amigos desde o início, não sofre tanto preconceito. “Graças a Deus minha família e meus amigos sempre me apoiaram nas minhas decisões. Desde o começo da minha carreira eles adoram e me acompanham”, destacou.
Esse costume se iniciou no século 16 nos teatros. Mulheres eram proibidas de se apresentarem nos palcos. Assim, homens se vestiam como mulheres para representar a figura feminina. Hoje, a arte se tornou profissão e, independente de orientação sexual, se montam para fins de entretenimento. No caso de Dennys a vontade de performar Pikinéia surgiu após a morte da mãe como forma de se reerguer. Ao passar por um longo período de luto, ele encontrou a oportunidade de recomeçar enquanto se montava e dançava. “Depois de um ano de tristeza, vi nas drags que a vida podia ser colorida novamente. Então, a Pikinéia veio colorir minha vida”, detalhou.
O estudante Rodolfo Lacerda, 22, aprecia a arte das drag queens nas casas noturnas que frequenta. “Eu acredito que as drags estão alcançando um nível além. Elas estão tirando essa arte do campo da banalização e transformando em fenômenos mundiais como, por exemplo, a cantora Pabllo Vittar”, ressaltou. Ele observa, ainda, que Brasília tem dado espaço para expressão dessa arte. No entanto, na visão dele, a cidade ainda tem muito o que evoluir. “Em comparação aos estados mais afastados da capital, eu acredito que Brasília tem dado exemplo, assim como São Paulo e o Rio de Janeiro”, acrescentou.
Formas de se “montar”
Fora das montagens eles são pais, filhos e irmãos que durante a semana seguem profissões nas mais diversas áreas, muitas vezes distante da arte performática. Aos fins de semana se transformam em artistas e constroem novas personalidades. Dão visibilidade a arte e resistem ao preconceito social. Todo o empenho e dedicação na maquiagem, escolha das roupas, modelo do cabelo é um processo para construção da personalidade de cada artista.
O estudante Ygor Henrique dos Santos, 18, é o centro das atenções nos espaços que frequenta. Com danças, jóias extravagantes e cabelo longo trançado ele evidencia toda a personalidade forte que desenvolveu durante a adolescência. Aos 17 anos passou a se interessar por montar um estilo próprio. “Quando eu faço um olho, uma boca, uma personagem eu me inspiro no que estou vivendo. Eu tiro toda a inspiração de dentro de mim. Definiria minha performance como ‘momento”, relatou. Ygor ainda conta que foi atraído pela força e alegria que o mundo drag queen proporciona. “Rola muito preconceito, algumas perdem famílias, mas nunca abaixam a cabeça e continuam se fortalecendo por amor e diversão”, acrescentou.
Outro exemplo de artista performático é João Pedro Jovovich (na foto abaixo), 18. Desde pequeno ele sempre gostou de usar maquiagem e roupas femininas. Aos 13, a mãe de João comprou o DVD da cantora Beyoncé e ele começou se inspirar na artista. Quando tinha 16, se descobriu como drag queen. Ele conta que não passou por preconceitos, mas enfrentou comentários na escola em que frequentava. “Nunca passei por preconceitos, Só mesmo aquela coisa de escola em que as pessoas comentavam ‘menininha’, ‘viadinho’, mas nada sério”, explicou.

Em casa, João Pedro passou por uma fase complicada, mas foi aceito pela família. “Na época em que contei para minha família que eu era drag foi no mesmo período que também revelei ser gay. Então, foi um tiro atrás do outro. Pensaram que eu ia virar travesti ou que eu queria ser mulher. Depois, tudo se acertou”, detalhou.
Na visão de João, as drag queens são pessoas que querem mostrar a liberdade de expressão. “Minha ideologia é mais para provar para o ser humano, independentemente de sexo, cor, raça e religião, que a gente é capaz de fazer o que quer. É pela vontade de tentar mudar o mundo. Hoje em dia as pessoas ainda são muito preconceituosas”, lamentou.
João, após se montar, se chama Olympeã Stuarts. Ele tem a ajuda de muitas drag queens de Brasília, mas conta que nem sempre é aceito por elas. “A cena drag de Brasília é muito boa, tem muitas drags maravilhosas que me ajudaram muito, mas já percebi que as drags daqui são muito ligadas em beleza, em estar perfeita e se estiver alguma coisinha fora do lugar, elas te julgam por ter algum defeito. Elas tem que entender que a gente já sofre preconceito demais na sociedade para ainda sofrer nesse meio”, ressaltou.
Performance televisionada
Na TV, as drags ganham espaço e performam em horários nobres. Elas são cantoras, dançarinas, atrizes e até apresentadoras. Um exemplo é o programa Amor e Sexo, da Rede Globo, que abre espaço para essas artistas se expressarem abertamente. Outro programa de grande repercussão é o reality show estadunidense RuPaul’s Drag Race. Idealizado e apresentado pela drag queen RuPaul, o concurso entre drag queens tem como lema “ser diva com muito glamour” para suceder ao título de “America’s Next Drag Superstar”.
Em 2016, no Distrito Federal, a drag queen La Rubia promoveu o concurso La Rubia Drag Race. Inspirado no programa estadunidense, o concurso reuniu jovens de vários estados brasileiros que estavam prontos para disputar como mais “fabulosa, talentosa, deslumbrante e infame drag queen de Brasília.”
Em uma das canções do cantor Raul Seixas, está o verso “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”. A arte drag queen, portanto, é a possibilidade de se transformar e viver várias vidas em uma, com criatividade, força e coragem.
Por Mariane Rodrigues
Sob supervisão de Isa Stacciarini


