O Brasil é um país multicultural desde os tempos de colonização. A diversidade permanece, porém, os motivos pelos quais os estrangeiros chegam ao Brasil não são mais para a exploração do ‘Novo Mundo’ ou para servir de mão de obra, como aconteceu no século 16. Segundo levantamento do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, que teve acesso aos microdados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito em 2010, havia 9.199 estrangeiros na Área Metropolitana de Brasília. De acordo com a pesquisa, os homens são maioria (53%) em relação às muleheres (47%). Quanto à faixa etária, os dados apontam para uma predominância de imigrantes com idade entre 40 e 59 anos (30%) e entre 25 e 39 anos (27%), o que traz um indício de uma população em idade ativa para o mercado de trabalho.
O censo demonstrou, também, uma grande diversidade de nacionalidades captadas. Os principais países de nascimento dos imigrantes são Portugal (10,90%), Estados Unidos (8,17%) e Japão (6%). Apesar de os dados não abordarem a imigração de venezuelanos, as notícias apontam um crescimento na migração deles ao Brasil, como é o caso de Luís Pariche,29 anos (foto abaixo).
Em razão da atual crise política e econômica do país, ele chegou ao país em 2016. Primeiro passou por Roraima e, em seguida, ele veio para a capital em busca de melhores oportunidades. Para o venezuelano, por mais que se acostume com a cultura brasileira, ele sente falta da família. “Como venezuelanos, nós somos muito familiares, mesmo que nos acostumemos com a cultura. A família sempre nos fará falta”, afirma.
Além disso ele sente saudade da comida de seu país e, quando pode, procura se adaptar a nova realidade. Atualmente, Luís trabalha em uma loja de bebidas no Lago Sul, mas pretende dar aula de matemática, profissão por formação, e não pretende voltar enquanto a situação social, política e econômica da Venezuela não melhorar. Sobre os problemas na Venezuela, Luís afirmou que muito foi prometido e pouco feito. “Só falam bonito, mas nada está dando certo lá”, comenta o imigrante. Isso implica o fato de muitos estrangeiros serem especializados, mas terem de realizar outras atividades para garantirem seu sustento.
A pesquisadora Tuíla Botega, do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios e do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), afirma que “coletar dados sobre migração é sempre um desafio, devido ao fato de que se trata de um fenômeno que apresenta constantes variações e os instrumentos de pesquisa não conseguem acompanhá-las.”
Outras razões
Entretanto os venezuelanos nem sempre vem pelos mesmos motivos. Maria Carolina Pulido (na foto abaixo), 53 anos, por exemplo, veio para o Brasil no ano de 2001 quando nem se imaginava que a crise político-econômica venezuelana iria tomar as atuais proporções. Ela se casou com um brasileiro no país de origem, saiu da cidade natal, Barquisimeto, e veio com o filho Adolfo Raúl, atualmente com 19 anos, morar no Brasil.
Maria Carolina já tinha contato com a cultura brasileira, pois ela e Fernando Guimarães, o atual marido, namoraram na adolescência, retomaram contato depois de anos e, por fim, se casaram. Além disso, Maria se candidatou para um programa de faculdade que proporcionava o intercâmbio cultural entre brasileiros e venezuelanos e, por causa disso, já estudava português. Quando ela chegou ao Brasil, depois de se casar, fez um curso de português para estrangeiros no centro de línguas da Universidade de Brasília (UnB) que a auxiliava na parte escrita e oral do idioma.
Com saudade de casa, Maria Carolina guarda muitos símbolos do país, como a bandeira da Venezuela e uma imagem da Santa Padroeira de sua cidade. “Agora com essa situação política, a saudade bate mais forte. Não consigo acreditar que a Venezuela que eu cresci se transformou tanto”, comenta. Carol, como gosta de ser chamada, também afirmou que os venezuelanos não tinham a cultura de sair do país e, agora, a imigração, na visão dela, se tornou a necessária.
Os irmãos da venezuelana também deixaram o país. Atualmente eles vivem no Chile e na Espanha. Ela comentou que os brasileiros têm muita curiosidade ao ouvirem um sotaque diferente. “Esse sotaque é de onde? Por que veio para o Brasil?” são perguntas tão frequentes no cotidiano dela.
Haitianos
Também é crescente a vinda de haitianos e africanos, a maioria em decorrência do terremoto que atingiu o Haiti em 2010 e devido as guerras civis presentes no continente africano. Mas, diferente da maioria dos conterrâneos, o haitiano de 36 anos Jean Fenel Auguste (na foto abaixo) não veio para o Brasil por conta do terremoto de 2010 que causou enorme destruição no país. Por já ter trabalhado como intérprete de português, inglês e francês em Missão de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU), ele fez amizade com alguns coronéis que o motivaram a vir.
Em fevereiro de 2011 chegou a Brasília em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Jean Fenel é graduado por uma universidade particular no curso de Rede de Computadores e, atualmente, está no 6º semestre de jornalismo. Na percepção dele, muitos imigrantes sofrem preconceito, principalmente por causa da disputa do mercado de trabalho. “O emprego deve estar de acordo com a capacidade e qualificação da pessoa e não com a nacionalidade”, comenta.
Recentemente, ele criou uma escola de idiomas chamada “Better Idiomas” onde também é professor de inglês e francês, mas afirma que, apesar de tudo, com a crise política e econômica, o mercado de trabalho se torna cada vez menos propício aos imigrantes. Sobre o idioma, Auguste comentou: “Quando cheguei no Brasil eu já sabia o básico do português, pois na ONU (Organização das Nações Unidas) tinha contato com muitos brasileiros, li alguns livros de gramática e me considero um autodidata.” Fenel aprecia a diversidade da cultura brasileira e alguns estilos musicais. Apesar de estar adaptado no país, ele sente saudade da família e mantêm contato com parentes via internet.
Africanos
Aisha Ibrahim (nome fictício), é uma refugiada política sudanesa que veio para o Brasil sozinha em setembro de 2015. Seu país enfrenta uma guerra civil envolvendo o governo muçulmano e guerrilheiros cristãos desde 1956. A sudanesa se interessa pela enorme diferença entre a cultura do Sudão e a brasileira e, também, elogia o jeito de ser ‘brasileiro’. “Vocês são um povo muito feliz, eu admiro isso”, comenta Aisha.
Ela procura se informar sobre os últimos acontecimentos do lugar de onde veio principalmente pela internet. Com relação ao governo brasileiro, Aisha se queixa da burocracia e observa que as pessoas não conhecem muito sobre a política do próprio país. Ela afirma também que a discriminação racial é pior no Brasil do que no Sudão, mas rebate: “Desde cedo desenvolvi autoconfiança e aprendi a lidar bem com isso.” Atualmente, ela estuda artes visuais na Universidade de Brasília (UnB) e trabalha como professora de inglês no Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH).
Para acompanhar o dinamismo das migrações e embasar de modo mais aprofundado suas pesquisas, além de dados do IBGE, o Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), com o apoio do OBMigra, também utiliza dados do SINCRE (Sistema Nacional de Cadastro e Registro de Estrangeiros do Ministério da Justiça) que estima um total de 11.461 migrantes contabilizados em Brasília e no entorno do Distrito Federal no período de 2010-2014.
Fonte: Relatório de pesquisa do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios (CSEM), com dados do Ministério da Justiça, Departamento de Polícia Federal, Sistema Nacional de Cadastramento de Estrangeiros (SINCRE), 2010-2014.
Refugiados e imigrantes
No contexto de migrações, é importante explicar a diferença entre refugiado e imigrante. Segundo a Convenção de Genebra de 1951 e a legislação brasileira (Lei 9474/97), refugiados são pessoas ou grupos que são forçados a deixar seu país, por causa de desastres naturais, mudanças climáticas, fome, desemprego, questões raciais, étnicas, desordem política interna do país ou motivos religiosos. Por isso, essas pessoas buscam segurança, perspectivas de vida e sobrevivência em outros países.
Já imigrante é toda pessoa que se transfere de sua terra natal para outro lugar, região ou país, seja por motivo de trabalho ou relacionamento, entre outros. Com isso, os refugiados também se incluem na nomenclatura “imigrantes”. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que “a cada ano mais de cinco milhões de pessoas cruzam fronteiras para viver em um país desenvolvido”.
O Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) é uma entidade social sem fins lucrativos, dirigida pela freira Rosita Milesi, da Congregação Scalabriniana. O IMDH funciona no Varjão e tem como objetivo promover o reconhecimento da cidadania plena de migrantes e refugiados, defendendo direitos, concedendo assistência sócio-jurídica e humanitária, por meio da regularização de documentos, além de promover a inclusão em políticas públicas. O instituto oferece aulas de português e auxílio na busca por emprego. Segundo fontes do instituto, estima-se que em 2015 o IMDH acolheu 2.069 imigrantes.
Além de organizações não governamentais para refugiados,existem também as associadas ao governo como o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), vinculada ao Ministério da Justiça e responsável por receber solicitações de refúgio, promover e coordenar políticas e ações necessárias para uma eficiente proteção e assistência, além do apoio legal e de aprovar programas e orçamentos anuais do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Com relação aos imigrantes, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e o Ministério das Relações Exteriores são os responsáveis para resolver situações deste grupo ao formular a política de imigração do país e promover estudos relativos à problemas de imigração, entre outras funções.
Todos os órgãos citados acima afirmam estar constantemente desenvolvendo políticas públicas para garantir os direitos dos imigrantes e refugiados e auxiliá-los na sobrevivência longe de casa. Exemplo disso é a aprovação da nova Lei de Imigração em 18 de abril deste ano no Senado Federal. A norma é de autoria do atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, e afirma que garantirá aos imigrantes os mesmos direitos dos cidadãos brasileiros. Em adição, também ocorrerá a desburocratização do processo de regularização migratória e a institucionalização da política de vistos humanitários que até então eram provisórios e concedidos somente á refugiados sírios e haitianos.
A situação migratória venezuelana, mais alarmante atualmente, tem recebido auxílio do governo brasileiro. Em 11 de maio a ativista da área de direitos humanos, Lilian Tintori, mulher do político Leopoldo Lopez, oposicionista do governo de Nicolás Maduro, preso por conta da ditadura, veio ao Brasil conversar com políticos e entraram em um acordo para apoio democrático e material, com medicamentos e alimentos, principalmente.
Por Maria Carolina Morais
Artes: Alice Vieira
Sob supervisão de Isa Stacciarini