Na Fercal, moradores chegam a esperar até duas horas na parada de ônibus

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São nove da manhã. O calor é forte, mais de uma hora e meia de espera. Em pé, atrás da parada de ônibus para se proteger do sol, com o semblante cansado, abanando a poeira deixada pelos caminhões que passam carregados pela rodovia, Ariadna da Silva, já irritada, aguarda um coletivo que a leve até Sobradinho. A auxiliar de serviços gerais é uma das milhares de pessoas que não estão satisfeitas com o transporte público da Fercal. Na cidade, as reclamações são muitas: ônibus velhos, empoeirados, com problemas nos freios, portas e janelas estragadas. A primeira cidade operária do Distrito Federal (foi de lá que saíram os insumos para construção de Brasília), composta por 14 comunidades, sendo seis rurais e as demais urbanas, com mais de 30 mil habitantes, não tem sequer um terminal rodoviário, apesar de ser a maior geradora de impostos do DF, segundo a Administração Regional.

Ariadna não faz parte do grupo deixa a cidade para trabalhar, o emprego dela é na própria região, mesmo assim ela precisa utilizar o transporte público. Para chegar ao Centro Educacional Fercal, onde trabalha, ela sai de casa às 5h30, para tentar embarcar às 6h00. “Eu estou indo agora em Sobradinho comprar uma bicicleta para poder facilitar a minha vida”, disse. Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), entre os trabalhadores residentes na Região Administrativa (RA) da Fercal, 53,64% trabalham no local, 15,04%, no Plano Piloto e 11,85%, em Sobradinho. Ela reconhece que a situação melhorou de uns tempos para cá, mas bem pouco, quase nada. “Se colocassem um ônibus circular a cada hora, ajudaria muito a população”, opinou.

 

A cuidadora de idosos Elisângela Silva conta que os ônibus são velhos e sempre quebram durante o trajeto. Ainda segundo ela, os coletivos atrasam demais, os bancos são sujos e não oferecem o conforto necessário para os passageiros. “Eu nunca chego no trabalho no horário certo, mesmo saindo mais cedo de casa”.  As pessoas com deficiência, por exemplo, não conseguem embarcar, pois não existem elevadores em boa parte da frota. O mecânico Raphael Martins reclama da superlotação dos veículos. Para ele, as linhas no horário de pico são insuficientes. Tanto na ida, quanto na volta, os desafios são os mesmos. “Deveria ter mais ônibus na cidade, às vezes não consigo nem entrar de tão cheio que estão”, disse. Outra reclamação constante entre os moradores da Fercal é a quantidade de linhas que ligam a Fercal ao Plano Piloto, são poucas, apenas duas. De manhã, o último ônibus sai da cidade às 7h. Depois desse horário, os passageiros que querem ir para o Plano Piloto devem ir até Sobradinho e em seguida embarcar em outro coletivo.

De acordo com a Secretaria de Mobilidade do Distrito Federal, há oito linhas de ônibus que atendem a Fercal. Destas, duas são responsáveis pela ligação com a região central de Brasília: a 0.531 e a 506.4. A autarquia informou também que os passageiros têm a opção de utilizar outras linhas para chegar ao centro de Brasília por meio da integração, benefício que oferece menor valor nas passagens. Essa opção só vale para quem tem o cartão cidadão ou vale-transporte do Sistema de Bilhetagem Automática (SBA). Para adquirir o benefício, o cidadão deve comparecer a um posto de atendimento do DFTrans com identidade e CPF.

O líder comunitário Diego Matos conta que há menos de um ano foi realizada uma reunião entre diretores do Departamento de Trânsito do DF (DFTrans), líderes comunitários e moradores da Fercal para discutir a questão do transporte público na região. No encontro, foram expostas diversas reclamações, entre elas a falta de cumprimento dos horários e a estrutura interna e externa dos coletivos. “Até o momento, nada foi feito, o órgão não voltou a se posicionar sobre as reivindicações recebidas”. A situação do transporte público na Fercal tem sido discutida, inclusive, nas reuniões do Conselho de Segurança da Fercal, pois as condições dos ônibus oferecem riscos para a população da cidade, uma vez que a frota é sucateada.

O diretor-técnico do DFTrans, Márcio Antônio de Jesus, afirma que um estudo está “sendo finalizado” para aumentar a oferta da linha circular que liga a Fercal a Sobradinho I e II. Ele defende também que a autarquia faz ajustes pontuais na operação, cujo objetivo é melhorar a qualidade do serviço prestado. Enquanto isso, os moradores padecem com as opções que têm no momento. Andréia Souza, moradora da Comunidade Queima Lençol, afirma que a região necessita, com urgência, de ônibus novos. Ela reclama da situação em que os passageiros são submetidos: “Quando chove, molha tudo, é goteira para todo lado”, disse.

Segundo Alexandre Yanez, ex-administrador da Fercal, o transporte público sempre foi uma das maiores reivindicações da população. “Chegamos a fazer um estudo para saber os horários em que a demanda pelos ônibus era maior, coloquei até funcionários para monitorar o horário que os coletivos passavam”, disse. Ele afirma que nem todas as pendências foram resolvidas, somente algumas, entre elas a diminuição do preço de algumas tarifas que estavam sendo cobradas indevidamente.

 

A dona de casa Maria Aparecida de Oliveira acredita que a solução para melhorar o transporte coletivo na cidade é investir na qualidade dos serviços, e engrossa o coro dos demais usuários. “As passagens são caras e dependendo do horário não há ônibus de Sobradinho para a cidade”. O filho dela estuda no Plano Piloto e diariamente enfrenta muitos desafios. “Eu tenho um filho que faz faculdade a noite, às vezes ele não volta para casa porque não tem ônibus”. “Quando ele sai da faculdade às 23h, chega na rodoviária e não tem mais ônibus para a Fercal”, contou.

 

 

Diego Matos acredita que os problemas do transporte público da região são ocasionados por descaso do poder público ou de fato, ausência do poder público na região. “Não há fiscalização nos ônibus velhos de uma das cooperativas que atende a cidade, também não há interesse do DFTrans em expandir mais linhas e horários, embora a população tenha realizado diversos pedidos e reclamações”, argumentou. “Se o poder público fosse presente e ouvisse a população a respeito dos descasos do transporte público na região teríamos um transporte de melhor qualidade, sem dúvidas”, disse.

 

Emancipação da cidade

A Fercal tem 60 anos, mas somente em 2012 uma demanda dos moradores foi atendida: a aprovação do projeto de Lei nº 685/2012, pela Câmara Legislativa, transformou a cidade na 31ª Região Administrativa do DF. O anúncio trouxe ânimo para os moradores, pois acreditavam que, uma vez sendo cidade, o governo passaria a destinar verbas para a localidade e, consequentemente, os serviços básicos seriam aprimorados, mas na prática isso não aconteceu.  A caçulinha das RAs do DF está muito atrasada em relação às outras e o transporte público oferecido é só uma das evidências que comprovam essa afirmação.

Por Flávio Lacerda

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