O ideal de colaborar com o próximo se torna o ingrediente mais nobre de uma receita que é simples: a compra de um doce colabora com a mudança de uma vida. Mesmo que recentes, projetos como “Docinhos da Cidade” e “Trufas do Bem” têm adoçado a vida de moradores e instituições sociais da Estrutural. Em um, mulheres cuidam da mão de obra das guloseimas. Já no outro, é a revenda dos doces que fica sob função dos novos colaboradores. Apesar das divergências no modo de preparo, as duas ações resultam em um mesmo produto, a possibilidade de novas oportunidades para pessoas da cidade.
Gastronomia como mudança social
“Docinhos da Cidade” é uma cooperativa formada por moradoras da Estrutural e duas sócias, a chefe de cozinha Janaína Matta, 41 anos, e Mayara Freire, 32. Janaina, uma das idealizadoras do projeto, explica que os valores de cada cento são divididos igualmente e representam a sororidade de 14 mulheres em busca de empoderamento feminino. “Fico até emocionada ao falar isso, mas uma das coisas mais legais é o resgate da confiança e a possibilidade de desenvolvimento da capacitação financeira e profissional das mulheres”.
Iniciado há menos de um mês, o projeto também oferece a possibilidade às mulheres de levarem seus filhos para a produção dos doces, o que é um diferencial para Marisa Araújo, 25. Ela, que por conta dos altos valores de creches, decidiu parar de trabalhar para cuidar de sua filha de um ano. Para que isso não ocorra, as cooperadas revezam as funções dentro da produção, que é feita na casa de uma delas, para que todas possam trabalhar nos doces e cuidar das crianças. “Trabalho e cuido da minha filha, e ainda posso ajudar na renda da minha família, que antes só meu esposo cuidava”, afirma Marisa.
Antes da iniciativa, Lídia Reis, 30, estava desempregada. Agora, ela acredita que pode fazer a renda produzida no projeto como fonte principal. “Como é algo [o projeto] muito diferente da minha realidade, porque eu aprendi a fazer coisas que eu não sabia, posso atender um pessoal diferente, mais exigente. Estamos nos empenhando muito para o projeto ficar para sempre”.
Apesar da relação direta que o projeto tem com as mulheres, Janaína Matta explica que a ideia vai muito além disso. Desmistificar a impressão do público sobre a comunidade da Estruturaltambém é um dos focos da iniciativa. “Os clientes perguntavam se eram mesmo cooperadas que tinham feito os doces, só porque pelo das mulheres morarem na Estrutural achavam que a qualidade seria menor. As pessoas têm que aprender que Estrutural não é lixão e tráfico de drogas”.
Mudanças em cadeia
O projeto “Trufa do Bem” surgiu a partir de pesquisas sobre empreendedorismo social. O negócio segue uma receita fácil: moradores da Estrutural produzirem uma renda por meio da venda de bombons. A escolha da cidade surgiu pela preocupação dos criadores com os ex-trabalhadores do maior lixão da América Latina. “A ideia então foi de voltar essas pessoas ao mercado de trabalho”, afirma o empresário e diretor do projeto Rafael Braconi, 26.
Os doces são vendidos R$ 3, na qual o trabalhador fica direto com um real, e pode reestocar os produtos com os outros dois reais, que é o preço de venda para os novos vendedores. Desses R$ 2, R$0,20 são direcionados para instituições de caridade da Estrutural: a Creche Alecrim e a Creche Cristã Santa Clara (R$0,10 para cada).
Apesar do repasse representar apenas 10% de todo o lucro conseguido pelos vendedores, a fundadora e diretora da Creche Alecrim, Maria de Jesus, 31, afirma que o benefício simboliza uma grande ajuda para a instituição. O estabelecimento trabalha apenas com doações e atende 87 crianças, em tempo integral, de forma gratuita e voluntária. Por conta disso, a escassez de recursos, como produtos de higiene, é comum, afirma Maria.
Para o administrador da Creche Cristã Santa Clara, Robespierre Moreira, 53, a dificuldade com variedade de comida e produtos de limpeza também é uma dos obstáculos da instituição. Por isso, a ajuda do projeto “Trufas do Bem” também é importante para a creche, que está em funcionamento há apenas quatro meses e acolhe uma média de 50 crianças, de 3 a 5 anos.
As duas instituições ficam localizadas na Estrutural e aceitam qualquer tipo de doação.
Crianças da Creche Alecrim/ Foto: divulgação
Por Beatriz Castilho