Apoio da população foi fundamental para extinção do incêndio na Chapada, diz analista ambiental

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Alto Paraíso de Goiás: Fotos aéreas da queimada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Valter Campanato/Agência Brasil)

O incêndio que destruiu 86 mil hectares na Chapada dos Veadeiros deixou mais do que as marcas da destruição na natureza. Para brigadistas e voluntários, representou uma experiência de solidariedade inédita. Segundo a analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Maria Carolina Alves, foi graças ao apoio de voluntários que a situação se resolveu.  “Teve uma mobilização que quem trabalha com fogo há 40 anos nunca viu isso”.

Carolina Alves afirma que, sem o apoio da população, não seria possível ter realizado a operação de combate ao fogo por tanto tempo, já que o instituto possuiria verba suficiente para custear apenas as duas brigadas que existem na Chapada. Uma do Ibama  e outra em Alto Paraíso, que possui um efetivo de apenas 27 homens. Como houve vários focos simultâneos de incêndio, foram convocadas a Brigada da Serra Geral do Tocantins, Brigada da Itatiaia, Bombeiros do Distrito Federal e Goiás, e o GATE do Torto em Brasília, que é uma brigada voluntária. “A gente teve que começar a assumir custos de outras brigadas”.

Foi criada, então, pelos próprios moradores da cidade, uma Central de Voluntários em Alto Paraíso para arrecadar alimentos e água. “Era um grupo pequeno e foi crescendo. Conseguimos alimentação pra manter os caras em campo. Teve gente que ficou 3 ou 4 dias direto.  Teve gente que tivemos que tirar de campo. Um brigadista bebe 8 litros de água por dia. Se não fosse esse apoio, não teríamos conseguido”.

Voluntários

Ivan Anjo é morador da cidade e foi voluntário. Ele passou a usar muletas porque caiu em cima de uma pedra e machucou a perna direita. “Acho que foi o jeito que Deus encontrou de me mandar parar porque eu não conseguia”. Ele ficou 14 dias lutando contra as chamas que consumiam o cerrado. “Foi uma mobilização bem bonita, juntou quase 200 pessoas, fazendo logística, transporte, ajudando a bancar alimentação, gasolina…”.

A voluntária Giselle Amorim, que é personal trainer, disse que acompanhou diferentes situações críticas. “Houve sete baixas de pessoas machucadas. Gente que machucou o joelho, coxa, torceu o tornozelo, cortou o pé, a mão. Só que a gente tinha voluntários disponíveis, uma galera com terapias alternativas também”.

Giselle foi a primeira pessoa que disponibilizou sua conta bancária para doações. “Um amigo de São Paulo me pediu a conta para fazer doação e de repente viralizou. A gente conseguiu mobilizar a galera de uma forma inacreditável”.

Com dinheiro arrecadado, foi possível viabilizar crédito para brigadistas em borracharias, mercados e em postos de gasolina. Não só em Alto Paraíso, mas nas cidades de São Jorge e Cavalcante também, outras regiões que também sofreram bastante com o incêndio. “Toda estruturação inicial do movimento foi feita a partir da grana que eu recebi”, explica a personal trainer e agora também faz parte da Rede contra Fogo.

A rede abriu um projeto no Catarse cujo objetivo inicial de arrecadar  R$ 170 mil foi atingido em menos de 24 horas. Mas ainda é necessário mais verba para concluir outras fases do projeto, que consiste em construir oito novas brigadas de incêndio, criar uma central de informação audiovisual com objetivo de promover a conscientização ambiental e criação de um conselho para implementar projetos ecossociais.

Indícios de crime

O incêndio principal começou dos dois lados da rodovia, no entorno da Reserva de Cara Preta, que é uma reserva particular dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. “Esse, especificamente, foi colocado depois do aceiro e começou como uma linha de fogo. Então essa pessoa sabia exatamente o que estava fazendo”, enfatiza Carolina.

 

Aceiro é uma medida cautelar, que consiste em queimar a vegetação rasteira numa época bem anterior a dos incêndios, para eliminar o combustível vegetal. Assim, em casos de incêndios, o fogo tende a parar no aceiro. “Por isso tem todos indícios de ser criminoso. Não só esse, outros pontos que foram aparecendo também, pois foram surgindo simultaneamente e na maioria das vezes em beira de estrada”.

 

Já existe um inquérito no Ministério Público para investigar em quais circunstâncias surgiu o fogo, mas a analista explica que é muito difícil apurar isso  pelo fato de ter iniciado ao lado de uma rodovia. “Para provocar um incêndio criminoso desse, você não precisa de gasolina. O cerrado está seco. Pode ser uma coisa bem discreta. A pessoa não vai lá e põe fogo com isqueiro”.

 

Impacto

 

Durante o incêndio, apenas um animal foi resgatado, uma arara que passa bem. Animais pequenos e de baixa mobilidade dificilmente conseguem se salvar. “A gente vai dar uma percorrida agora para verificar impacto, mas bicho pequeno frita, não sei nem se dá pra achar”, lamenta Carolina.

Os bichos grandes que conseguiram se salvar, ficam sem alimentação e abrigo. Apesar de não serem impactados diretamente, podem haver consequências daqui pra frente. “Um veado andando  numa área queimada está super exposto, prejudica muito a dinâmica dos bichos maiores (…)Tem que chover uns 7 dias seguidos pra encharcar bem o solo e a vegetação”.

O turismo também já foi bastante impactado. Ivan que também proprietário de um hostel em Alto Paraíso conta que todas as catorze reservas para o feriado de finados foram canceladas. O vigilante Elber Rodrigues conta que um amigo perdeu o carro tentando apagar o fogo. “ Ele foi ajudar porque tava chegando próximo a casa dele. Quando ele voltou, já tinha pegado o carro dele”. Elber mora na zona rural desde que nasceu e diz nunca ter visto um incêndio dessa proporção. “Muitos animais morreram. Até raposa eu vi próximo da minha casa. Os animais têm o habitat natural deles queimados. Aí saem pra fora e muitos vão ser vistos na cidade”.

Prevenção

A analista ambiental Maria Carolina afirma que o caminho é investir mais em custo de prevenção do que de combate. “Uma operação dessa sai muito mais caro do que a prevenção”.

Ela conta que a Serra Geral de Tocantins conseguiu fazer essa transição de recursos e ganhou muito mais efetividade. “A Serra, com um evento de fogo queimava 100 mil todo ano, tanto que no inicio do manejo de fogo lá, a meta era queimar 50 mil hectares por evento. O estrago era tão gigante, que a meta já era assustadora”.

Segundo ela, é preciso entender quais são os usos de fogo do pela população do entorno, quais época as pessoas precisam usar e fazer calendário compartilhado com queimas prescritas, não só aceiros. “É preciso moisacar a área”,  ou seja, queimar a vegetação numa época muito mais úmida para deixar o solo heterogêneo. Uma área homogênea é péssima porque marca um novo ritmo de queima. “No próximo ano, a área junta capim por igual e tende a queimar por igual de novo. É como se você tivesse gerando uma cicatriz que tende a repetir o padrão”.

Por Manuela Correa

Foto: Agência Brasil

Supervisão – Luiz Claudio Ferreira

 

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