As pessoas esperam dentro dos carros. Abrem os vidros para afastar um pouco o calor. Ficam ali por longos minutos, aguardando alguém sair. Os flanelinhas, de olho, tentam auxiliar. Vez ou outra, alguém perde a paciência com a demora. Veículos andam e param sob as calçadas. O barulho de carros “cantando pneu” demonstra a impaciência diante da falta de vagas para estacionar. O centro comercial mais parece um labirinto. A falta de vagas públicas e o grande fluxo de veículos fazem dos estacionamentos privados uma saída mais rápida para o problema. Contudo, em meio à crise econômica, há quem prefira se arriscar a multas e parar de forma irregular.
Fileiras de veículos ao lado de placas que indicam a proibição de parar e estacionar são comuns na área central de Brasília. A reportagem flagrou essa irregularidade nas proximidades do Setor de Rádio e TV Sul. Essa é a principal causa de multas no trânsito do Distrito Federal (DF). De janeiro a setembro de 2017 foram 75.834 infrações deste tipo de acordo com um levantamento do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). Em seguida, estacionar sobre a calçada, ciclovia ou gramado, com 17.729 descumprimentos.
No total, foram registradas 179.470 infrações relativas a estacionamento irregular, uma média de 657 autuações por dia. O valor representa um aumento de 38,47% em relação ao mesmo período de 2016, quando foram registradas 129.609 multas, uma média diária de 474 violações.
A servidora pública Valdileia Rezende Gomes, 49 anos, se preocupa com a violência, mas não abre mão de economizar e estacionar nas vagas públicas. No momento da entrevista ela parava em área proibida. “Ou estaciono desse modo e tomo multa, ou preciso parar em um lugar distante e corro risco. Sou mulher, posso ser sequestrada, assediada”, defende-se.
Valdileia levou 20 minutos para estacionar e menos que isso para fazer o trajeto entre o Sudoeste e o Setor Comercial Sul. “Demorei mais para estacionar do que para chegar”, ela conta. A servidora, já morou em Londres para estudar. Quando voltou ao Brasil entrou em crise com a mobilidade urbana. Sobre a experiência de morar em uma cidade modelo no transporte público, aponta: “Lá funciona”.
O servidor público André Luís Soares da Paixão, 32 anos, é uma exceção e por isso concordou em conversar com a equipe de “Novo Olhar”. Guarda o carro nos estacionamentos privados cerca de quatro vezes por semana. Segundo ele, a falta de vagas na cidade e a vida corrida já foram motivos para estacionar de maneira irregular. Depois de duas multas, não comete o mesmo erro, prefere pagar antes. “Eu me estresso tanto procurando vaga em espaços públicos, que hoje em dia vou direto para os privados”. Mas a precação tem saído caro: “gasto cerca de R$ 300 por mês com estacionamento”.
Apesar da crise, que também afetou o negócio de estacionamentos, eles ainda lucram. “Antes da crise tínhamos mais rotatividade. Dá para notar pelo caixa e entrada e saída dos carros. Antigamente, a essa hora, estava bem mais cheio”, conta o auxiliar de serviço operacional, Fábio Frota da Silva, 25 anos.
Fábio afirma que o movimento no estacionamento, aberto há nove anos, caiu em 30%. Contudo, o local ainda rende, de acordo com as informações prestadas, cerca de R$ 25 mil por mês, com os 350 carros que passam por dia no espaço, que conta com 150 vagas. “Com essa falta de estacionamento público, quem lucra são os privados”, afirma o funcionário. A cobrança no estacionamento onde Fábio trabalha é feita por “fração de hora”, custando R$ 3.
Conforme o artigo 1° da lei 4.067/2007, que regulamenta as empresas de estacionamento, a cobrança deve ser feita por minuto. De acordo com o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon), o valor a ser cobrado é de “critério do fornecedor” e o preço “não é regulamentado pelo Estado”. Ainda de acordo com o órgão, as empresas que cuidam dos carros devem se responsabilizar pela guarda integral do veículo. O estacionamento que descumpre a lei é penalizado com multa de R$ 1 mil por dia de infração.
A servidora pública Adriana Monteiro de Paula, 46 anos, também revela que separa um recurso exclusivamente para estacionar no centro. Ela aponta a violência como um dos motivos para procurar as garagens privadas. “Sempre estaciono nos privados, acho mais seguro. O público me dá insegurança”.
Arquitetura e urbanismo
De acordo com a Secretaria das Cidades, está prevista a implantação de estacionamentos rotativos em áreas específicas das cidades. “A iniciativa, que ainda está em fase inicial, tem sido aprovada no Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas, um procedimento de manifestação de interesse (PMI).”
Contudo, a estratégia do Governo não é a melhor saída para Brasília, segundo o professor de arquitetura da Universidade de Brasília (UNB), Frederico Flósculo. “Não é uma boa solução cobrar pelos estacionamentos públicos. Se houver incentivo à construção de edifícios-garagem, dezenas de vagas podem ser criadas em menos de um ano em edifícios, que depois, podem ser convertidos em espaços de negócios”, afirma.
De acordo com o professor, a área central da cidade possuiria vagas suficientes, se considerada a população do Plano Piloto. “A péssima conduta de governantes e urbanistas nas décadas de formação do conjunto urbano de Brasília é motivo para a desordem”. Para ele, cada bairro deveria ter autonomia em termos de comércio e atividades administrativas, e assim, demandar muito menos viagens ao Plano Piloto.
A área em questão conta com pouco mais de sete mil vagas públicas. Elas estão espalhadas no Setor Bancário Norte (753 vagas); Setor Bancário Sul (2.164 vagas); Setor Comercial Norte (2.142 vagas); Setor Comercial Sul (590 vagas); Setor de Rádio e TV Norte (698 vagas) e Setor de Rádio e TV Sul (756 vagas). Os números somados são inferiores à quantidade de vagas no Parque da Cidade, que possui 10 mil espaços disponíveis para parada de carros. Os dados foram divulgados pela Secretaria das Cidades.
Flósculo acrescenta que o “ultrapassado e insuficiente” transporte público é motivo para a quantidade elevada de carros no Distrito Federal. “O sistema de transporte público continua a seguir exatamente o mesmo modelo dos anos 1950, com a notável e incompleta exceção do Metrô de Brasília”. “A oferta de viagens muito inferior à demanda obriga as famílias a terem um ou mais automóveis”, comenta.
Brasília é a cidade que menos utiliza o transporte público e, em contrapartida, uma das que mais possui carros no Brasil, segundo levantamento da Secretaria de Mobilidade e pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE). São cerca de 1,2 milhão de veículos só na capital. A aglomeração na área central é reflexo desses dados.
Sobre o transporte público a Secretaria das Cidades afirmou que a atual gestão “busca incentivar o uso de outros modais de transporte que não o carro particular”. Como medidas, citou a integração da rede de transporte público com o uso do bilhete único, ampliação da rede de bicicletas compartilhadas e regulamentação do transporte por aplicativos.
Pelo mundo afora
Em São Paulo o estacionamento rotativo funciona desde 1974. Atualmente, o cartão que dá direito a duas horas de parada custa R$ 5 principalmente em bairros centrais da capital paulista. Inclusive, os cartões antigos, que o motorista tinha de colocar em cima do retrovisor foi trocado por uma versão digital conforme explica o site da Companhia de Engenharia de Tráfego.
Outro exemplo de vagas rotativas é em Vitória. Nos bairros centrais, a cobrança ocorre por meio de paquímetros. Os valores cobrados variam de acordo com a permanência: R$ 1 na primeira meia hora, R$ 1,50 para uma hora completa, R$ 2 para duas horas e R$ 3 pelo período de três horas. Quando o tempo de permanência se esgota, para continuar estacionado é necessário procurar outra vaga e solicitar novo tempo de permanência, de acordo com informações disponíveis da Prefeitura de Vitória.
Ainda sobre a administração municipal, a empresa licitada na capital capixaba repassa 32,78% do valor arrecadado com o estacionamento. O dinheiro é aplicado em melhorias destinadas aos pedestres e ciclistas, com construção de calçadas e ciclovias. Os paquímetros de Vitória funcionam por meio de luz solar, que é captada por painéis. Desse jeito não é necessária utilização de eletricidade para funcionar.
Na Europa a alternativa é comum. Em Londres, por exemplo, para estacionar no centro da capital da Inglaterra e do Reino Unido, é necessário pagar. Além da cobrança pelas horas nas vagas, a cidade é uma das poucas que possui a Taxa de Congestionamento, que funciona como um pedágio para circular com o veículo no local. A estratégia, criada em 2003, tem como intuito diminuir o fluxo de carros na área central da cidade e a arrecadar fundas para inverter no transporte público. As informações estão disponível no site “Londres para Principiantes”.
Por Giovana Marques
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira