Sentada em frente a uma televisão de 20 polegadas, Paula*, 45 anos, sorria enquanto assistia a novela das 14h. Logo depois, se exibiu com as unhas pintadas de rosa, mostrou os anéis e pegou a bolsa enquanto apresentava a casa. A mulher vive no Abrigo de Excepcionais de Ceilândia (AEC) há mais de 30 anos, quando foi encontrada pela Unidade de Proteção Social (UPS) com marca de cirurgia cesariana. Ela foi abusada sexualmente pelo padrasto desde a infância e ficou grávida. Diagnosticada com problemas psiquiátricos, teve o filho mandado para adoção. Paula é uma das 50 pacientes que vive no lugar que aprendeu a chamar de lar.

Fundado em 1973, o AEC atende pessoas com deficiências múltiplas e conta com participação de 47 funcionários da região administrativa. Os voluntários destinam tempo para fazer a diferença na vida dos acolhidos, abandonados ou negligenciados pelos familiares nos arredores de Brasília. Mas o sistema gratuito, financiado pelo Governo do Distrito Federal (GDF), vive de doações solidárias e passa por dificuldade.
Faltam medicamentos, fraldas geriátricas e carinho para os abrigados, explicou o diretor do local, Daniel Coelho de Souza. Com o objetivo de mudar esse contexto, habitantes da capital levam abraços e doações para cada pessoa que mora no abrigo. Não há informações sobre a maioria dos acolhidos. Um exemplo disso é a história de Paula*, que impactou funcionários e voluntários do espaço.
O diretor esclarece que 99% dos gastos é feito com a folha de pagamento e o resto das despesas é paga por meio de doações. “Quem mais ajuda é a própria comunidade. Não há um doador grande único. A maior parte da colaboração vêm dos moradores que acompanham nosso trabalho”, declarou.
Transformação
Nos últimos dois anos, o AEC passou por um período conturbado com a antiga administração. Houve denúncia de maus tratos, desvio de verba e os donos originais acabaram afastados. Após esse período e a troca da gerência, o processo jurídico está em andamento. O local sofreu uma verdadeira transformação. A limpeza e os cuidados com acolhidos melhoraram e a interação deles com o mundo, valorizada. Cerca de 11 abrigados, atualmente, frequentam a escola e começam a ser alfabetizados. Mensalmente, o grupo todo faz dois passeios. Aqueles que precisam de um cuidado maior saem em dupla sendo sempre supervisionados por especialistas.

Apesar do dinheiro ser a fonte primordial para a existência do projeto, a maior forma de doação é a presencial, relata os coordenadores. “Passar um tempo com os acolhidos, fazer um elogio, dar um abraço, ler um jornal ou apenas conversar já muda o dia deles”, ressaltou o diretor do abrigo.
Daniel comentou que gasta mensalmente com apenas um dos acolhidos cerca de R$ 2 mil. Ele também explicou que os remédios “são uma parte difícil”, já que um grande número dos moradores usa medicamentos diários e de categoria psiquiátrica – estes remédios acabam tendo um custo alto e são mais raros de serem encontrados de forma gratuita. “Têm coisas que vão muito além do que os olhos podem ver. A gente sente”, destacou.
A ajuda não é somente financeira. “Visitas e abraços valem muito mais do que qualquer quantia”, contou o diretor. Para fazer uma visita ao abrigo e conhecer mais sobre a gestão e as histórias que permeiam no local, basta entrar em contato pelo número: 3585-1905 e agendar uma visita.
Acolhida
Na acolhida, Joana* foi a primeira pessoa a recepcionar a equipe de reportagem e logo criou um vínculo com todos. Acompanhou as repórteres durante toda a visitação enquanto a colega, Paula*, apresentava todos os outros amigos do AEC. No fim, os abrigados sempre queriam ser registrados em fotos. Outros ainda abraçaram e sorriram o tempo inteiro.
“Somos uma família”. Essa foi a declaração mais relatada por todos colaboradores entrevistados. A reportagem procurou a Secretaria de Saúde para esclarecer sobre a verba pública destinada ao abrigo, mas o órgão respondeu que não tinha informação a respeito do caso.
* Os nomes dos acolhidos foram alterados nessa reportagem para preservar suas identidades.
Gabriela Arruda e Sara Meneses
Sob supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira