“Tribunal do Júri: uma lição de vida” – alunos de rede pública ampliam olhar sobre realidade ao assistir a julgamentos

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Foto: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

 

Uniformizados e atentos a cada detalhe, dos argumentos da promotoria às versão da defesa. Julgamentos no Distrito Federal passaram a ter um público muito especial: alunos de escolas públicas a partir dos 15 anos de idade. Adolescentes que veem diante de si histórias de crimes dolosos que nem imaginavam. Esse é o cerne do projeto “Tribunal do Júri: uma lição de vida”, de iniciativa do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), com a parceria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e da Secretaria de Educação do DF. A ideia se concretizou há cinco anos.  A reportagem acompanhou junto 80 estudantes de Taguatinga, um julgamento, no Fórum da região, de um homicídio que envolveu pessoas em situação de rua.

Para o promotor Bernardo de Urbano Resende, esse é o momento em que jovens entre 15 e 17 anos têm a oportunidade de se conscientizarem sobre os próprios atos. Na visão dele, o projeto “Tribunal do Júri, uma lição de vida” oferece a oportunidade de os jovens escolherem os caminhos corretos por meio do exemplo. “Muitas vezes, a vida te impõe e te leva a caminhos ruins. Se a pessoa se arrefece e fica quieto, vai continuar te impondo problemas. Você mesmo tem que tomar uma posição diante daquilo que você quer para sua vida e quais são seus valores”, ressaltou o promotor.

Além de levar os estudantes para dentro do Tribunal do Júri, o promotor também ministra palestras em escolas. Com a proposta de fazer diferente, os estudantes aprendem sobre as oportunidades e escolhas. Na visão de Bernardo Resende, a idade entre 15 e 17 anos é o momento em que a criminalidade pode florescer. “Não existe ação sem reação e essa resposta acontece dentro do Tribunal do Júri, muitas vezes com uma condenação de pena alta”, destacou.

Durante o julgamento assistido pelos alunos, o promotor deixou um recado aos jovens e uma lição sobre assumir a responsabilidade das atitudes. “Vocês, jovens, tendem a achar que o que se faz hoje irá sumir amanhã. Mas, na vida, não é assim que as coisas funcionam. O amanhã chega e você tem que arcar com as consequências dos seus atos”, pontuou.

Confira reportagem sobre pessoas em situação de rua no Centro Pop

Crime e problemáticas sociais

Os estudantes acompanharam o julgamento de Alisson Estevan da Conceição, desempregado e em situação de rua. Ele foi condenado a 15 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, por homicídio qualificado por motivo fútil. Ele foi acusado de matar Cícero Welder Timóteo,  que também estava na rua, com três facadas.  O crime ocorreu em 2010. Alisson foi julgado pela primeira vez em  2013, mas recebeu a clemência do Júri e foi absolvido. O absorvimento ocorreu pelo fato de o acusado ter mostrado que estava numa “nova vida” e se arrependia dos atos. Quatro dos jurados presentes entenderam que o acusado era digno de uma nova chance de convívio social e uma segunda oportunidade de vida.

O Ministério Público recorreu da sentença e conseguiu anular o julgamento anterior. Em 17 de maio, o réu encarou novamente o Tribunal do Júri. Uma das acusações foi uma tentativa de assassinato de outra pessoa em situação de rua, em 2015. A defesa sustentou a tese de legítima defesa, mas os jurados entenderam que Alisson era culpado. O promotor Bernardo Resende fez o requerimento para a volta do julgamento.  O promotor citou que “é difícil mudar os hábitos que aprendemos desde cedo. As dificuldades não definem alguém e sim o caráter e a conduta”. Bernardo Resende reconhece que “o aumento da população de rua ocorre por conta ao alto índice de desemprego e a falta de oportunidades para com o cidadão”.

No momento do júri, o acusado alegou que “fala a verdade sempre que pode”. Já a defesa sustentou novamente a tese do crime ter sido por legítima defesa devido às circunstâncias do ocorrido e pediu a mudança da qualificação do crime. Mesmo assim, os jurados entenderam que Alisson era culpado.

Reflexões dos estudantes

 Segundo o governo do Distrito Federal, pelo menos três mil pessoas estão em situação de rua da capital e sobrevivem na informalidade. Sem emprego nem oportunidades de estudo, eles enfrentam um cenário de violência, riscos à saúde e alimentação precária. A iniciativa do MPDFT, segundo as palavras dos alunos que concordaram em conversar com a reportagem, fez com que eles ampliassem o olhar a respeito sobre a dificuldade em que vivem essas pessoas e também sobre a consequência de atos violentos.

As alunas que preferiram se identificar como Rafaela e Raiane assistiram ao julgamento. Na visão de Rafaela, a situação dessas pessoas é de permanente exposição a riscos. “A maioria não tem condição de sustentar, por exemplo. O preço do consumo de água, luz, comida, os impostos, em geral é absurdo aqui no Distrito Federal. Ultimamente tudo está muito caro e acaba sendo difícil viver com condições decentes, o que deveria ser o direito de qualquer cidadão”, contou.

Para elas, presenciarem uma sentença foi uma lição de aprendizado. “Para a gente é interessante e agrega muito ver pessoas com outra realidade de vida. Afinal, nunca tivemos um contato tão direto com alguém nessas condições”, ressaltou Raiane.

Para Rafaela, assistir ao julgamento foi uma oportunidade de refletir sobre outras pessoas com condições diferentes. “Mesmo sendo uma situação triste, essa é uma condição muito mais comum do que imaginamos. Às vezes as pessoas não estão preparadas para o perdão. E, por causa disso, acabam cometendo os mesmo erros, como o acusado que voltou às práticas criminosas”, enfatizou*.

Os alunos João* e Ellena* concordam em relação às condições degradantes em que vivem os moradores de rua. “Se nós que temos casa já sofremos algum tipo de risco, imagine para os moradores de rua. Na nossa sociedade todos estão em perigo ou passam por alguma situação de ameaça. E esse medo e preocupação é intensificado e constante para as pessoas que vivem nas ruas”, pontuou Ellena*.

Por Marina Gabriely e Sara Meneses

Foto: MPDFT / Divulgação

Sob supervisão de Isa Stacciarini e Luiz Claudio Ferreira

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