Café na veia: esportistas e especialistas dizem que uma xícara faz diferença

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Os caminhões rodando, as carroças rodando,

Rápidas as ruas se desenrolando,

Rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos . . .

E o largo coro de ouro das sacas de café! . . .

(Trecho de “Paisagem nº4” do livro Paulicéia Desvairada, de 1922, de Mário de Andrade)

 

Estudos indicam que há mais substâncias benéficas do que a cafeína no café. Porém em nenhum dos estudos há comprovações substanciosas.

Já foi uma substância proibida para esportistas e alerta nos comitês antidopagem. Um cafezinho ou um pouco mais do que isso traz uma série de benefícios para quem vai disputar um título ou praticar um esporte por prazer. Em alto rendimento, não há mais proibição da cafeína desde o ano de 2004. A cafeína passou a ser apenas uma substância monitora.  O que o café ativa dentro do corpo humano é mais do que o efeito de atenção e disposição da cafeína, a depender do tipo de grão, do grau de torra e do modo de preparo. As consequências no excesso do consumo e os benefícios ainda não são unanimidade nem entre os pesquisadores.

A nutricionista Marina de Oliveira explica que mais de 50% dos nutrientes presentes do grão verde de café são perdidos na torrefação do tipo “arábica”, por exemplo. Por conta disso, as vitaminas do complexo B presentes na substância nem entram na divulgação da informação nutricional do produto, pois apresentam baixíssima concentração pós-torra. A cafeína acaba sendo a substância mais concentrada, logo, alvo de inúmeros estudos. Os efeitos dependem, segundo a nutricionista, de “todo o aspecto fisiológico de cada indivíduo”.

Ela recorda que a cafeína presente no café tem sido utilizada por parte dos atletas com o intuito de melhorar o rendimento e diminuir a fadiga. “De acordo com alguns estudos científicos a quantidade a ser consumida deve ser maior em mulheres visto que durante as atividades físicas há uma maior liberação da cafeína”. O cálculo para o consumo de atletas varia de 3 a 6 miligramas por quilo de peso do indivíduo. Por exemplo, uma pessoa de 70 quilos, poderia consumir, em tese, na faixa de 210 mg a 420 mg de café por dia.

Entre as controvérsias, está a dependência em relação ao produto. Há quem se queixe de irritabilidade, mal humor e até dores de cabeça como sintomas percebidos por quem interromperia o consumo entre 12 a 24 horas, e atingiriam um pico entre 20 a 48 horas na falta de ingestão. Marina recomenda uma dosagem moderada – de 3 a 5 xícaras de 50mL – para indivíduos saudáveis e que não tenham uma alta sensibilidade à cafeína. Já “altas doses de cafeína podem prejudicar a qualidade de sono, aumentar a ansiedade em indivíduos já ansiosos. É recomendada a retirada em pacientes que já possuem gastrite ou úlcera ou em pacientes que possuem histórico de enxaquecas”.

Nos tatames

Rômulo Abreu diz que café faz parte do pré-treino.

Rômulo de Abreu, 39 anos, sempre foi atleta, mas só começou a tomar café regularmente quando estava próximo dos 30 anos. Abreu buscou no café um estímulo físico. Segundo ele, o rendimento no jiu jitsu não era o mesmo por conta da idade. Para tanto, uma segunda dieta, a “dieta do café”, que segue à risca, é feita em paralelo com a dieta calórica. Ele equilibra tanto as aulas como professor universitário e quanto treinos de jiu jitsu.

Pela manhã, em casa, não consome café. Faz a suplementação alimentícia sem cafeína. Mas, segundo ele, não dá o primeiro “bom dia” sem que tenha tomado a primeira dose de café quando chega à faculdade – metade de um copo de plástico de café puro, por volta das 7h30. Já, às 9h20, no intervalo das aulas, ele, mais desperto, toma a segunda dose de café, também puro. A terceira dose, já na academia, vem por volta das 14h, conhecida como pré-treino. Meio copo de café puro, com meia colher de óleo de coco e uma colher de sopa de chá de hibisco por volta de uma hora antes de começarem os exercícios. Essa receita “não é indicada para pessoas com risco de taquicardia”.

O óleo de coco ajuda no controle da glicemia no organismo devido à sua digestão mais lenta, o que provoca uma sensação de saciedade que auxilia nesse controle. O óleo também ajuda a evitar o risco de uma hipoglicemia de rebote perto de atividades físicas, segundo Abreu. Os treinos vão de uma hora de musculação diária a duas sessões de jiu jitsu às segundas, quartas e sextas. Somando quatro horas de luta com uma de musculação por dia de treino pesado.

Para as provas

Outro atleta do jiu jitsu, Eduardo Sousa, 22, buscou no café também seus efeitos ergogênicos (melhora de performance tanto física quanto mental). Esse é o objetivo do lutador  que fez uso da bebida para ajudar a se preparar para o concurso da Polícia Militar do DF, em maio. “Toda vez antes de estudar, fazendo efeito ou não eu tomava antes ou até entre os estudos”.

De rotina muito ativa, ele explica que fez uma pausa na vida esportiva por conta do exame e que toma cuidado com a ingestão de estimulantes na dieta. “Eu tenho crise de enxaqueca, então qualquer coisa com efeito estimulante igual a taurina, cafeína, em excesso, para mim é prejudicial”.

Mas, para Sousa, a ingestão do café vem por prazer. Toma todos os dias. Mas diz que não sente efeitos de abstinência, como dores de cabeça ou irritabilidade. “Tomar ou não é indiferente para mim”. Porém, à medida que se aproximava dos estudos, garante que aumentou a ingestão. “Eu tomo café por prazer e, por conta do ritmo de estudos ser muito intenso, acabava me aliviando, desestressando”. Isso, para ele, mostra um dos efeitos de prazer do café e como interfere na disposição, no humor e na performance cognitiva por conta do efeito psicoestimulante.

“Pela questão do meu metabolismo, adaptação pessoal e individualidade biológica eu não tenha essa dependência do café. Eu acredito que o café ajuda. É comprovado que o café acelera o metabolismo e ajuda nas funções do corpo”, explica.

Cuidados com excesso

Se o atleta-concurseiro não sente os efeitos de dependência de café, o médico Cícero Dantas, 51, fala que já tratou de pacientes com diversos sintomas decorrentes da bebida. Segundo ele, ao ingerir mais de 400 gramas de café – o que são mais 4 xícaras por dia – o indivíduo está sujeito a diversos quadros clínicos que deverão ser tratados. Como “irritabilidade, insônia, cefaleia, – as famosas dores de cabeça – às vezes diarreia, tremores e ansiedade”.

Mas não é só esse fator que leva o indivíduo a estes quadros. “Em função do excesso de suplemento, da vida estressante, da competitividade e disputas da profissão, o excesso de cafeína e ansiedade podem provocar a gastrite ou mesmo ulcerações gástricas ou refluxos”.

A primeira indicação do gastroenterologista é a redução do consumo da cafeína para um valor abaixo da faixa indicada. “Outros alimentos possuem na sua composição cafeína, como achocolatados, suplementos, refrigerantes e outros”. No tratamento, segundo o médico, pode ser usado além da orientação dietética, o uso de ansiolítico ou antidepressivo, quando necessário. “A dosagem vai depender dos sintomas e deve ser prescrita caso a caso”.

Objeto de pesquisa

No que se refere à dosagem prescrita, o doutorando em educação física Edgard Soares desenvolveu uma dissertação de mestrado denominada “Força Muscular e Suplementação Aguda de Cafeína – Um Estudo Balanceado Controlado por Placebo”. Esse estudo avaliava voluntários em testes de força máxima e testes de resistência muscular após a ingestão ou não de cafeína num intervalo de 48 horas por sessão, num total de 6 sessões.

Os homens entre 18 e 30 anos, escolhidos como voluntários, recebiam cafeína ou placebo, depois respondiam a um questionário sobre os efeitos que sentiam daquela dose – se tinham mais disposição ou dores de cabeça – e, em seguida, iam realizar os testes, dos quais ambos eram em membros inferiores. Segundo o pesquisador, a musculatura inferior expressa mais os efeitos da cafeína que a superior. O exercício de força máxima foi o de extensão do joelho, com o voluntário sentado, enquanto que o teste de resistência muscular foi o teste de agachamento com barra.

No resultado dos exames foi constatado que a cafeína demonstrou efeito significativo no pico do torque – ponto de maior força na amplitude do movimento – relativo à massa corporal dos voluntários, como também foi expressiva quanto ao trabalho máximo realizado por eles. Já no teste de repetições, o de resistência muscular, não foi constatado efeito significativo da cafeína pelos exames.

Confira o link para a pesquisa aqui: http://repositorio.unb.br/handle/10482/21437

E confira também a entrevista na íntegra:

 

Texto e imagem por Felipe do Prado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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