
Diferenciar o que é trabalho sexual de exploração criminosa. Eis o objetivo central do polêmico projeto de lei “Gabriela Leite” (PL-4211/2011), de autoria do deputado federal Jean Wyllys de regulamentar a profissão de prostituição. “Considera-se profissional do sexo toda pessoa maior de 18 anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”. É o que prevê o Art. 1º do projeto que ainda não tem data para votação. Se por um lado, pode atender às demandas das profissionais, por outro, ganhou resistência da bancada religiosa e de setores conservadores da sociedade. A Comissão de Direitos Humanos, por exemplo, rejeitou em junho o projeto com um parecer do deputado Pastor Eurico. “A suposta tolerância diante da prostituição não existe nessa ou em qualquer passagem do Novo Testamento”, escreveu o parlamentar esquecendo-se do fato que o Estado é laico. No mês passado, o presidente da Câmara decidiu criar uma comissão especial para dar um parecer ao projeto.

De acordo com Jean Wyllys, em entrevista para a Agência de Notícias UniCEUB, o objetivo da proposta é dar dignidade, condições mais seguras de trabalho e acesso às mesmas políticas públicas já disponíveis a outras categorias profissionais. “O Projeto de Lei regulamenta a prostituição para garantir os direitos das trabalhadoras sexuais e distinguir claramente na lei o trabalho sexual voluntário praticado por pessoas adultas da exploração sexual e o abuso sexual de crianças como atividade econômica”, declara Jean Wyllys.
Segundo o deputado, o projeto prevê para as profissionais o direito de se organizar profissionalmente, de estarem protegidas por leis trabalhistas, livres de extorsão e exploração, ter acesso a programas de saúde e educação, entre vários outros direitos que já assistem a qualquer profissional de outras classes trabalhistas.
Além disso, de acordo com Jean Wyllys, o projeto estabelece que as trabalhadoras sexuais tenham direito à aposentadoria especial de 25 anos e que as “casas de prostituição” são permitidas desde que não ocorra exploração sexual. “A legalização das casas de prostituição foi a principal reivindicação das prostitutas que se organizaram para elaborar e discutir o projeto. Ela é fundamental para tirar o trabalho delas da clandestinidade”, afirma.
O deputado ressalta ainda a importância da regulamentação para a segurança das prostitutas. Para ele, as atividades tidas como ilegais pela legislação se desenvolvem sob o manto da corrupção policial e governamental. “Manter as casas de prostituição na ilegalidade é lucrativo para estas redes de corrupção e interessante para a prática de outros crimes, como exploração sexual e o próprio tráfico de pessoas”, declara o deputado.
Sem recursos
Apesar de nunca ter ouvido falar na proposta, a garota de programa que usa o nome fictício de Angel, confessa que a profissão não traz qualquer garantia de segurança. “Já passei por poucas e boas. Quando acontece de algum cliente não querer pagar pelo serviço ou me ameaçar, eu tenho que simplesmente ficar calada. Não tenho a quem recorrer”, afirma Angel. Segundo a garota a única medida a ser tomada é não fazer mais programa com esse tipo de cliente.
Para a antropóloga e feminista Manuela Moraes, a possível aprovação do projeto de lei é um ganho para as mulheres que trabalham com a prostituição. “Sabemos que esse segmento é composto em sua maioria por mulheres, que nesse caso são ainda mais “invisibilizadas” e agredidas que o normal”, afirma. Segundo a antropóloga, com a regulamentação da profissão, uma mulher profissional do sexo poderá ser levada a sério quando for à polícia fazer uma denúncia de agressão. “Sabemos que muitas prostitutas são estupradas e nem sequer lhes é dada a oportunidade de denunciar o agressor. Se a vítima já é “culpabilizada” em outros casos, imagina nesse cenário”, esclarece.
Preconceito social
De acordo com o deputado Jean Wyllys, a sociedade é induzida a achar que deve manter a marginalização da atividade como uma forma de proteção para a comunidade. O que na visão dele é uma posição equivocadíssima, pois é útil apenas aos crimes. “Programas de distribuição de preservativos já foram vilões dos ‘defensores da moral e dos bons costumes’, como se a simples distribuição fosse incentivar as pessoas a fazerem sexo indistintamente. Hoje se vê os resultados positivos”, aponta.
Segundo a antropóloga Manuela Moraes o sexo em si ainda é um tabu muito forte na sociedade cristã ocidental. E as prostitutas estão intimamente ligadas a esse tabu. “A sociedade subverte a ideia de que sexo é sujo e feio, de que as mulheres têm que ser comportadas e recatadas e não podem ou devem gostar de sexo”, aponta. Manuela ressalta que a discussão do projeto sobre mulheres que escolheram a prostituição como profissão e que prostituição e exploração sexual são duas coisas muito diferentes.
Por Camila Muguruza – Agência de Notícias UniCEUB