Todos os dias às 5h30 da manhã, o despertador de Karol Santos do Vale tocava. Ela se levantava, aprontava-se e arrumava os filhos Davi, de 7 anos e Kauã de 2. Às 6h15 saía de casa para levá-los à creche. Esperava mais ou menos uma hora pelo ônibus. Às 7h30 as crianças estavam na escola, e às 8h, Karol já estava no trabalho. Por volta das quatro da tarde, ela se liberava do serviço, e a aula dos pequenos terminava meia hora depois. A mãe conseguia buscá-los às cinco da tarde. A família chegava em casa perto das 18h, e então Karol arrumava a casa e fazia comida enquanto os filhos brincavam ou viam desenhos. Quando ela terminava todas as tarefas domésticas, ficava com as crianças, brincava, conversava. Às 22h, a mãe fazia os filhos dormirem e se preparava para o despertador, que tocaria às 5h30 da manhã.
Essa foi a rotina de Karol, de 23 anos, durante um ano devida. O roteiro diário foi esse inclusive durante a gestação da terceira filha, Luiza — que agora tem 1 ano — e só terminou na véspera do nascimento da caçula. Depois que ela nasceu, Karol decidiu parar de trabalhar para conseguir cuidar dos filhos. Ela agora é uma entre as 32,5% de mulheres que chefiam famílias monoparentais e estão sem ocupação econômica no Distrito Federal.
Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD e a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios – PDAD do Codeplan, entre as mulheres chefes de família, o desemprego é maior do que quando comparadas com as outras configurações familiares. Quando se trata de famílias monoparentais chefiadas por mulheres que estão trabalhando, 50% delas recebiam até um salário mínimo, renda inferior do que a de chefes de outros arranjos familiares.
Vontade de estudar
“Eu fui mãe muito nova, parei de estudar, fui voltar depois que meu filho fez um ano, estudava a noite e trabalhava de dia. Acabei o ensino médio, mais ainda tenho vontade de fazer um curso, nao da pra viver só com um salário mínimo. Se aqui aonde moro tivessem creches, acho que seria uma forma de eu conseguir voltar a trabalhar”, relata Karol. Ela tem vontade de fazer um curso técnico de Enfermagem.
A pesquisa aponta que 50% das famílias monoparentais femininas viviam em 2015 com renda per capita de R$ 397, o que sugere maior vulnerabilidade em relação aos outros arranjos de famílias do DF. Esse resultado indica que provavelmente as mulheres na configuração familiar monoparental têm acesso a trabalhos de menor qualidade e que consequentemente propiciam a menor renda a elas. Além de constituírem um arranjo familiar com um dos maiores números médios de pessoas por domicílio, possivelmente sustentadas por estas mulheres.
Para a advogada trabalhista e presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT) Alessandra Camarano, ser mulher trabalhadora no Brasil significa um estado de precarização constante. “Quando falamos em mulher trabalhadora estamos falando de minorias, mas que são maiorias dentro do universo do mercado. Negras, pobres, indígenas, quilombolas, trabalhadoras rurais e uma gama de mulheres que são submetidas a trabalhos informais, precários, com jornadas exaustivas e que são assediadas, discriminadas”, explica.
“A situação da mulher no mercado de trabalho é visivelmente discriminatória e prejudicial. Ela se depara com situações de discriminação em função da maternidade, gravidez, jornadas triplas e assédios morais e sexuais, que atingem em sua grande maioria as mulheres. Cada fator em função do gênero é motivo para rebaixamento de função, dispensas e algumas que sequer são contratadas”, pontua a advogada.
O impacto da reforma trabalhista na vida das mulheres
Para Alessandra Camarano, a reforma trabalhista impactou ainda mais as mulheres do que os homens. Segundo ela, a realidade social do Brasil, após a aprovação da Lei 13467-201, distancia-se do ideal de estruturação do mundo do trabalho para a mulher trabalhadora, implicando em retrocesso na independência feminina.
“Nesse ambiente de flexibilização de direitos, se destacam as primeiras veias de eliminação da participação ativa e o protagonismo da mulher perante a sociedade. Além da perda de direitos como o seguro desemprego em caso de dispensa nos trabalhos terceirizados, a reforma trabalhista autoriza o trabalho da gestante e lactante em ambientes insalubres e alerta que será afastada somente na hipótese de apresentação de atestado de médico”, explica.
Por Beatriz Roscoe
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira