O carioca Vasco Duarte Ferreira, hoje aos 94 anos, alistou-se no Exército brasileiro em 1942, ao completar 18 anos de idade. Ele serviu no Regimento Sampaio (no Rio de Janeiro), mas foi logo transferido para o 13º Regimento de Infantaria, em Ponta Grossa (PR), onde se tornou operador de radiotelegrafia. Dois anos depois, foi enviado de volta para o Rio de Janeiro. Desta vez, seria para receber seu último treinamento antes de ir para a guerra. Para ele, o dia 8 de maio (Dia da Vitória) tem significado especial.

Memórias do front
Vasco não se lembra do dia em que partiu para a Itália, mas lembra-se que a viagem durou 16 dias. Após o desembarque, descansou por um mês com o resto da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e foi mandado para o front. Passou a campanha sendo alvo de tiros de artilharia e morteiros. “A campanha durou 11 meses, e era muito difícil um soldado passar um ano vivo naquela guerra. Dizíamos que era sorte. Em uma guerra como aquela o soldado morria logo. Eu tive muita sorte”.
A função era operar o equipamento de radiotelegrafia, utilizado para transmitir e receber mensagens à distância no campo. Ele recorda que carregava o aparelho pesado nas costas, e, sempre que o ligava, os companheiros se afastavam (a antena do aparelho tinha três metros de altura, transformando-o em um alvo). “Os alemães identificavam a direção e a distância da antena, e abriam fogo contra nós”.
Durante a campanha, Vasco garante que não matou ninguém. Mas por pouco não foi atingido por uma rajada de metralhadora. “De repente, dispararam três ou quatro tiros na minha direção. Mas acho que o atirador não queria me acertar. Ele não quis me matar”. O veterano ressaltou que nem todos os inimigos eram alemães. “Entre eles, haviam russos, ucranianos, poloneses, franceses. Havia de tudo no exército alemão. Alguns estavam ali porque eram simpáticos aos alemães, mas muitos lutavam porque eram obrigados a lutar por eles”, confidencia.

O ex-pracinha se lembra com detalhes de quando atravessou um campo minado em 14 de novembro de 1944. “Vi morrendo por lá um soldado e um cabo. Um tenente estourou os tímpanos e teve as costas perfuradas por estilhaços. Outro soldado teve o rosto atingido. Eu estava no meio deles. Por sorte, não me aconteceu nada. Aquele lugar era uma armadilha, tínhamos sempre medo de pisar. Aquelas minas despedaçavam uma pessoa”.
Vasco também participou da tomada de Monte Castello (1944-45): uma das mais importantes batalhas travadas pela Força Expedicionária Brasileira, onde caíram, entre mortos ou feridos, pelo menos quatrocentos brasileiros. “Fracassamos três ou quatro vezes ao tentar tomar Monte Castello. Como era uma montanha, lá em cima um soldado valia por 20. Era como o que um policial passa hoje ao tentar subir um morro com o traficante vendo tudo de cima. Tínhamos medo. Foi uma experiência dolorosa”.
A marcha de volta para casa
No dia 8 de maio de 1945, a guerra acabou na Europa com a rendição formal do governo alemão às potências aliadas. Vasco, assim como os mais de 20 mil brasileiros que lutavam na Itália, foi enviado de volta para casa.
Vasco e os demais veteranos foram recebidos calorosamente pela população ao voltar para casa. “Era gente que não acabava mais, festas que não acabavam”. Mas foram abandonados pelo governo. Só vieram a receber suas pensões como ex-combatentes 43 anos depois, quando a constituição de 1988 veio a reconhecer esse direito.
O abandono por parte do governo não foi apenas financeiro. Vasco Duarte, assim como a grande maioria dos veteranos, tentou seguir uma vida normal depois da guerra, trabalhando como polidor de jóias. Mas os traumas da guerra o perseguiram. “Eu voltei inseguro. Para atravessar uma ponte, precisava fechar os olhos e pedir para alguém me segurar até o outro lado. Passei vários anos assim”. As lembranças dos campos minados também o assombraram, deixando-o sempre com medo de pisar no chão.
O veterano conta que o distúrbio de estresse pós-traumático foi um problema comum entre os ex-combatentes da campanha na Itália, e que o governo não forneceu apoio para que pudessem receber tratamento. “Muitos se mataram, ou ficaram dependentes do álcool”. Vasco teve que resolver seu problema por conta própria: 37 anos depois da guerra, graduava-se no curso de psicologia. “Precisava me curar e curar os outros”.
Mas o abandono do governo não fez Vasco perder a fé no Brasil. Quando questionado sobre como enxerga o Brasil de hoje, o veterano respondeu duas vezes com convicção: “Ainda é o melhor país do mundo. Nem Vaticano, Estados Unidos, Argentina, China ou Japão são melhores. O melhor país do mundo é o Brasil. Aqui nós temos mais liberdade que os outros. Temos carnaval, temos futebol. Temos mais amor, mais carinho…”. Falou também da generosidade dos brasileiros, que foi visível na guerra. “Ingleses e americanos não dão nada a ninguém. Já nós dividíamos nossa comida com os italianos sem pedir nada em troca”.
Por Lucas Neiva e João Carlos Magalhães
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira