A gestora de moda inclusiva de SP foi destaque na SPFW trazendo visibilidade para as pessoas com deficiência física
Na última edição da São Paulo Fashion Week, em outubro deste ano, um destaque do desfile da plataforma multidisciplinar Free Free, foi a cadeirante Izabelle Palma Marques da Silva, 26, de São Paulo. Além de modelo, ela também se tornou, em abril deste ano, administradora e gestora de moda inclusiva na Secretaria do Estado de São Paulo dos direitos da pessoa com deficiência, se tornando influenciadora para outras mulheres na mesma condição dela.
Izabelle nasceu com mielomeningocele (má formação congênita que afeta a coluna vertebral) e é paraplégica. Ela conta que, desde criança, lidou muito bem com a situação. “Como eu nasci com a patologia, e graças a Deus, tive um suporte desde sempre tanto de médicos, quanto emocional e com uma estrutura familiar muito boa, eu sempre levei da melhor forma possível e procuro levar até hoje”, afirmou.
Ela diz que os maiores desafios enfrentados sempre foram as atitudes das pessoas em como lidar com uma pessoa com deficiência, pois a cadeirante ainda não é enxergada como uma pessoa. “Essa é a maior dificuldade, sempre foi e ainda é. E sempre tento lidar com isso da melhor forma possível, sempre olhando para a metade cheia do copo”.
Ela não se lembra de ter sofrido preconceito propriamente dito, mas que há um preconceito que não é totalmente nítido e que acontece por falta de conhecimento sobre a deficiência por parte das sociedade. “A gente está na fase de implementar o pensamento inclusivo nas pessoas, então muitas vezes eles agem sem maldade e sem saber a forma certa de agir”, relatou a modelo.
Izabelle ainda diz que cabe às pessoas com deficiência ensinarem com amor, paciência e dedicação as pessoas que muitas vezes não sabem como lidar com esse tipo de situação.
Desde pequena, estudou no mesmo colégio, com certas dificuldades no início, mas conquistando sua independência aos poucos, pois conta que os pais sempre tiveram muito medo de que algo acontecesse na escola. Foi privada de coisas que qualquer criança estaria suscetível de acontecer. “Eu sempre protestei com amor e com paciência, explicando que poderia acontecer com qualquer criança e inclusive comigo. E muitas vezes eu era privada de algumas coisas simples, mas que faziam toda a diferença e me fizeram falta”, lembrou.
Ela é formada em administração de empresas e relatou que foi o oposto da escola. Foi recebida muito bem pela faculdade, com desafios normais, mas o maior foi entender que a igualdade não é suficiente. “Lutei e busquei a equidade, que é o mesmo objetivo com a melhor forma que eu posso fazer”.
Izabelle fala que desde que nasceu, utiliza a moda inclusiva. Ela sempre teve que fazer operações cirúrgicas, a primeira foi com nove anos. Por isso, sempre teve que adaptar as suas roupas para cada cirurgia. Mas quando descobriu, após a faculdade, que poderia utilizar este novo lugar de fala, se apaixonou e resolveu se profissionalizar nessa área. “A moda inclusiva sempre esteve presente em minha vida, ela só não tinha um nome”, afirmou.
Izabelle já está nesse ramo há sete anos, e diz ter visto uma crescente muito grande e uma compreensão no assunto muito maior. “Não há a necessidade de explicar com tantos detalhes e afincos, com poder de convencimento e isso me enche de alegria e orgulho”.
Sobre a participação na última edição do São Paulo Fashion Week (SPFW), a gestora contou que foi chamada uma semana antes. Ela topou, provou a roupa e teve um ensaio 30 minutos antes com todos os modelos. Izabelle disse que foi uma das experiências mais importantes de sua vida e carreira. Agora pretende fazer cursos especializados para modelos, para que consiga evoluir ainda mais.
Ela diz que é um marco na história da pessoa com deficiência e se sente muito grata por estar representando tantas pessoas em uma momento de grande importância. “Para nossa história, para nosso momento de fala. Significa que nós estamos na sociedade, que nós somos importantes, somos pessoas e que temos muito a acrescentar”, afirmou Izabelle.
Ela reconhece sua participação como de grande importância e lembrou que quando você não é visto, não é lembrado. “Ou seja, se você é uma pessoa com deficiência e não é visto, a sociedade não vai ter motivo para fazer com que os deficientes sejam vistos. Então a importância do momento que a gente se inclui na sociedade e passa a ser visto como pessoas, é primordial”.
A rotina dela é basicamente feita de trabalho, mas nunca deixou de fazer cursos para se aprofundar cada vez mais na moda inclusiva. Atualmente ela é considerada um exemplo para muitas mulheres cadeirantes, e diz que é muito bom saber que a sua história, vivência e trabalho podem mudar a vida de outras pessoas. “É esse o meu objetivo de vida, fazer a vida das outras pessoas com deficiência melhores, igual a minha. Porque não adianta eu ter, se a outra pessoa que se inspira em mim não puder ter, não adianta de nada”, afirmou.
Ela conta que lida com isso com grande responsabilidade e que busca todos os dias fazer com que a representatividade que está exercendo, ser da melhor, mais honesta e transparente forma possível.
Izabelle acredita que o que precisa ser melhorado para a questão do preconceito, mais do que todas as outras barreiras, é a barreira atitudinal. “Não tem problema você não saber, o problema é quando você sabe ou começa a saber e não muda a sua concepção”.
Ela ainda acrescenta que esse é um dos maiores problemas da sociedade hoje, mas que está vendo uma mudança. De acordo com Izabelle, as pessoas estão mais abertas para entender a temática e estão dispostas e terem a inclusão como DNA da sociedade, da empresa, entre outros.
Inclusão
Para articular e coordenar as políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência, foi criada a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD), que é um órgão integrante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Dentre suas funções, a secretaria é responsável por coordenar ações de prevenção e eliminação de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência e propiciar sua plena inclusão à sociedade, estimular que todas as políticas públicas e os programas contemplem a promoção, a proteção e a defesa dos direitos da pessoa com deficiência; coordenar e supervisionar o Programa Nacional de Acessibilidade e o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
A secretária nomeada é a Priscilla Roberta Gaspar de Oliveira , primeira surda e muda a ocupar um cargo no segundo escalão do Governo Federal. Ela conta que são muitas as demandas que chegam até a SNDPD, sendo desde falta de acessibilidade (no meio físico, virtual, falta de intérprete de libras em locais públicos e privados), até demandas nas áreas de saúde, educação e trabalho.
“Pensando nisso esta SNDPD criou nesse ano o Fórum Permanente de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência, uma série de reuniões mensais que tem como objetivo promover debate entre o governo e sociedade civil, acerca das políticas públicas para as pessoas com deficiência, com o objetivo de fortalecer o trabalho conjunto em busca da construção de novas políticas públicas ou para os devidos ajustes naquelas já existentes”, esclareceu Priscilla Roberta.
Sobre o preconceito contra cadeirantes, a secretária conta que luta para mudar esse paradigma, dando mais visibilidade às pessoas com deficiência e, com a ajuda das políticas públicas, torná-las protagonistas na sociedade. “A falta de informação das pessoas com ou sem deficiência, a empatia e a falta de contato com essas pessoas na sociedade é a principal barreira a ser quebrada”, afirmou.
Priscilla lembrou que o princípio da igualdade de direitos entre pessoas com e sem deficiência significa que as necessidades de todo indivíduo são de igual importância. Estas necessidades devem constituir a base do planejamento social, e todos os recursos devem ser empregados de forma a garantir uma oportunidade igual de participação a cada indivíduo. “As sociedades devem elevar o nível de expectativas no que diz respeito às pessoas com deficiência, e mobilizar assim todos os recursos para a transformação da sociedade, com empatia, educação e respeito”, completa.
Para as pessoas com cadeira de rodas, a secretária destacou algumas ações entre a SNDPD e outros ministérios, como o plano para dispensação de cadeira de rodas pelo SUS, o uso do FGTS para compra de órteses e próteses, o plano de adequação de passeios e calçadas e a obrigatoriedade de frota de transporte público acessível.
Priscila Roberta ainda comentou que a participação de Izabelle no desfile da SPFW, só faz com que as pessoas com deficiência sejam mais valorizadas, enxergadas como pessoas, como deve ser.
Foto: Zé Takahashi/ FOTOSITE
Foto: Charles Naseh e Rafael Cusato