O deputado distrital Leandro Grass entende que é fundamental a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar desvios de recursos públicos durante o período de pandemia de covid-19. Ele entende que há manobras no âmbito da Câmara Distrital para evitar a apuração. “Quem não deve não teme”, diz o parlamentar em entrevista à Agência de Notícias UniCEUB.
O requerimento para instalação foi apresentado em julho com o objetivo de investigar as ações do Executivo no combate à pandemia. Inicialmente, a o requerimento contava com oito assinaturas, o número mínimo para ser protocolada. Dessa forma, teria que seguir a ordem e ser analisada somente após os outros requerimentos de CPI que já estavam em curso, conforme manda o Regimento Interno da CLDF.
Entretanto, com a prisão do secretário de Saúde, Francisco Araújo, pela Operação Falso Negativo no dia 27 de agosto, as mobilizações pela CPI ganharam mais força e foram alcançadas 13 assinaturas, ou seja, maioria na Câmara. Com isso, conforme o Regimento, a CPI poderia passar na frente dos outros requerimentos e ser instaurada imediatamente. Entretanto, para isso se faz necessário Ato da Presidência da CLDF.
Porém o Presidente da Câmara, Rafael Prudente, estabeleceu que para que a instalação fosse feita, seria feita uma reunião com os líderes da Câmara (representantes dos blocos dos partidos e do governo) nas sessões seguintes para tomar a decisão, porém nenhum dos líderes compareceu às sessões posteriores. Dessa forma, o Presidente resolveu consultar o jurídico da Câmara por um parecer a respeito da instalação da CPI, que entrou em análise.
Em resposta, na terça-feira (8), a Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa do Distrito Federal emitiu o parecer aos questionamentos, com a alegação de que ainda que a CLDF de fato possa investigar o assunto, não há “indicação do fato determinado” no requerimento que justifique a instalação da CPI. O órgão também cita no documento o limite na quantidade de Comissões que podem ser abertas pela Casa e questiona a abrangência da investigação.
Agora, cabe ao próprio Rafael Prudente, aceitar ou não as recomendações feitas pela Procuradoria. Entretanto, na sessão da última quarta-feira (09), o Presidente da CLDF não compareceu.
Confira abaixo entrevista com Leandro Grass
Como está o funcionamento da Câmara Legislativa neste momento de pandemia e como isso afetou no trabalho de vocês?
Leandro Grass – A Câmara, assim que o próprio Governo decretou o isolamento social, também decretou isolamento decretou o home office através de um Ato da Mesa Diretora – formada pelo Presidente, Vice, 1º, 2º e 3º Secretários, que tomam as decisões administrativas e regimentais.
Mas isso não impediu que nós continuássemos com algumas atividades, principalmente Plenário (estamos tendo sessões às terças e quartas, e raramente às quintas) e Comissões (Comissão de mérito, Comissão de constituição à Justiça, Comissão de Orçamento etc) que também continuam se reunindo. Então o Processo Legislativo não parou, ele continua. Aprovação de Projetos, Apreciação de Requerimentos de Informação que a gente manda para o Governo responder, tudo isso continua.
Até pouco tempo a gente não tinha a possibilidade de fazer audiências, isso também foi resolvido. Há pouco mais de dois meses saiu uma Resolução da Mesa Diretora permitindo as Audiências Virtuais. A Câmara tem um portal que é o e-democracia, de participação social digital, por onde nós podemos fazer audiências. Mesmo antes, o nosso mandato já tinha feito reuniões públicas. Porque audiência precisa ser aprovado o requerimento, as reuniões públicas são encontros que você pode fazer sem necessariamente formalizar. A gente já tinha feito cerca de quatro reuniões, aí a Câmara formalizou as Audiências. Elas são transmitidas ao vivo pelo Portal e pelo canal da Câmara no YouTube. Também continua acontecendo o espaço da Wikilegis que é o espaço em que a gente coloca os projetos de Lei para a população opinar, editar e sugerir alterações.
O que ficou mais difícil de fazer foi o trabalho de rua. A fiscalização do serviço público, a visita aos hospitais, escolas… Isso ficou realmente parado, agora que estamos começando a pensar em retomar e mesmo assim com muita cautela e bastante receio também.
Mas nós continuamos fiscalizando muito, muita gente não olha por esse lado o papel do Deputado. Talvez mais importante do que legislar é fiscalizar ou tão importante quanto. A gente não parou de fiscalizar porque o Diário Oficial todo dia é publicado. Então a gente lê o Diário Oficial, verifica algum problema, aciona o Tribunal de Contas – que é um Órgão paralelo ao Legislativo. O meu mandato e alguns outros deputados também fizeram várias representações paralelas ao Tribunal de Contas nessa pandemia. Fizemos representações, oficiamos o Ministério Público… até em relação a essa questão da saúde, que foi o que resultou no requerimento dessa CPI.
Os prejuízos da covid-19
Seu trabalho anterior à sua carreira de Deputado já era bastante relacionado à área de educação e ao longo da sua campanha você também levantou bastante a bandeira da saúde pública, que foram duas áreas que sofreram grandes prejuízos em função da pandemia. Quais são suas expectativas para o Enem, e como você espera que seja o futuro em relação à área depois da pandemia?
Leandro Grass – Você tem razão, foram duas áreas muito prejudicadas. A educação porque nós já tínhamos uma desigualdade educacional muito grande e com a pandemia ela se aprofunda porque os alunos de periferia que não tem em casa computador, internet banda-larga, eles ficaram impossibilitados de acessar a alternativa dada pela Secretaria de Educação que foram as aulas remotas. Até hoje tem alunos que não estão conseguindo participar das atividades na plataforma, estão recebendo atividades em papel para realizar. Então houve um prejuízo muito grande. Já vi uma quantidade grande de evasões, de abandonos por parte de estudantes. A EJA (Educação de Jovens e Adultos) por exemplo, está muito abandonada, porque são idosos que estavam se alfabetizando, concluindo o ensino fundamental… Então a pandemia, de fato, teve um impacto muito grande na educação e no aprofundamento da desigualdade educacional.
Isso fez com que a gente levantasse uma voz, no caso do ENEM, para adiar, porque não dá para em um país continental como o nosso, acreditar que os estudantes vão fazer o Exame com as mesmas condições. Então acabou sendo adiado. Mas mesmo assim a gente vai ter, nesse ENEM, um aumento maior da variância das notas, um desvio padrão e isso vai ter uma consequência futura muito grande, a gente não sabe como vai ser essa recuperação. Talvez nem consiga recuperar.
Eu tenho uma preocupação também muito grande com as crianças que estão na faixa de alfabetização, principalmente as crianças pobres, porque os pais são em grande parte analfabetos funcionais e não conseguem dar continuidade para esse processo de alfabetização e letramento de seus filhos em casa. As famílias ricas contratam, às vezes, professor particular, televisão à cabo, colocam em um programa que é pedagógico/educativo, tem computador, tem tudo à disposição. Para a educação vai ser muito complicado estabelecer uma recuperação desse prejuízo mas acredito que tem como se a gente fizer o esforço de flexibilização. Talvez seja a oportunidade de pensar um outro modelo de escola inclusive. Quando a gente voltar, não vamos recuperar os alunos com aula. Vamos que pensar em estratégias e alternativas pedagógicas.
Em relação à saúde, o deputado ressaltou que o decreto de calamidade pública dá maior autonomia para o Governo, mas que não acha que foi bem aproveitado, tampouco que o isolamento foi feito da maneira mais apropriada.
Confira trecho da entrevista
E em quais outras áreas você observou um maior prejuízo neste momento?
Leandro Grass – Tem grandes problemas de outras áreas, a assistência social que é uma pasta estratégica em um momento como esse… Os CRAs os CREAs tem alguns que não tem nem internet. Está precária.
A questão econômica, que era central, tinha que ter uma ação econômica efetiva do Estado. Usar os bancos públicos, usar a Secretaria de Economia para adiantar Folha, dar crédito barato para o pessoal não fechar as portas, a gente já teve centenas de estabelecimentos comerciais fechando, isso é mais desemprego, mais vulnerabilidade… No Brasil como um todo, não vou generalizar, mas a maioria dos governos estaduais e o próprio Governo Federal não cumpriram a missão que tinham que cumprir. A gente vê como faz falta ter bons gestores. E temos exemplos mundiais, mesmo em países subdesenvolvidos, que controlaram melhor a pandemia. Só que aqui faltou técnica, faltou sensibilidade, faltou responsabilidade, faltou colaboração. Governo Federal fala uma coisa, Governadores falando outra… Tudo isso prejudicou muito. A gente poderia estar em uma situação muito melhor. Com menos mortes, menos contaminações. E a corrupção paralela a isso tudo.
A CPI da Pandemia
Confira trecho da entrevista
Os deputados que estão se posicionando de maneira contrária alegam que não há necessidade da CPI ser instalada visto que o Ministério Público já está investigando as questões da Secretaria da Saúde, que seria o mesmo objetivo da CPI. Qual é a sua opinião em relação a isso?
Leandro Grass – Todas as Comissões de Inquérito, justamente o que elas tentam fazer é parceria com o Ministério Público. A CPI inclusive é importante para auxiliar o trabalho do Ministério Público porque ela tem a possibilidade de convocações, nós podemos chamar as pessoas lá para dar esclarecimentos imediatamente, podemos pedir informações rapidamente. Então na verdade esse argumento não faz nenhum sentido.
Porquê Ministério Público, Câmara e Tribunal de Contas são parceiros em processos como esse de aprofundamentos de eventuais desvios dos recursos públicos. É infundada essa questão. O que a gente busca é uma parceria com o Ministério Público e de forma alguma a CPI vai atrapalhar o trabalho do Ministério Público. Ao contrário, ela vai ajudar.
E além da questão dos testes que é o objeto da Falso Negativo, nós temos outros temas (de investigação). Temos a questão das UTIs, temos contratações suspeitas, temos compras de leitos em hospitais privados com valores no mínimo duvidosos, sendo que a Secretaria tinha leitos materno-infantis à disposição… tem uma série de coisas para serem explicadas. Como é que você explica você ter um médico do instituto de Gestão Estratégica de Saúde ter sido encontrado numa sala com respiradores que foram comprados pela Secretaria? Tem muita coisa ainda para ser explicada.
Então o que se vislumbra é cooperação com o Ministério Público, não competição. Não são organizações que caminham cada uma em um rumo diferente, elas caminham em um mesmo rumo. E nós vamos, obviamente, pedir o apoio do Ministério Público na CPI. Ele é parte fundante, estratégica, essencial nessa investigação.
Você acredita no envolvimento de outras partes do Executivo nas questões dos desvios?
A figura do Secretário de Saúde comprovadamente já está. Agora, se existe a influência do Governador, se existe a influência de outros Secretários, se existe a influência do pessoal da área da economia… não posso dizer que sim, mas também não posso dizer que não. Por isso a gente precisa investigar. Porque de fato, o Secretário da Saúde, como o Ministério Público apontou, chefiar uma investigação criminosa de desvio de dinheiro público sem que outros agentes do próprio governo soubessem é muito difícil. Pode acontecer, mas é difícil. E nós gostaríamos mesmo de saber. Porque até agora, o Governador não deu uma declaração sequer sobre este caso, não deu nenhuma explicação, não contrapôs as denúncias, não contrapôs os argumentos e as evidências levantadas pelo Ministério Público.
É importante. Se eu fosse o Governador eu seria o maior interessado em uma CPI. Porque está afrontando o meu Governo, está colocando o meu governo em dúvida, está colocando os meus Secretários em dúvida. Está, de alguma forma colocando em xeque a credibilidade do meu Governo, então eu quero ser o primeiro interessado. A não ser que eu esteja envolvido, aí eu não quero que investiguem mesmo. Então esse sinal do Governo de não apoiar a CPI, de não incentivar os deputados e de tentar desmobilizar a CPI, é mais uma prova de que precisamos investigar.
E como você avalia os escândalos que aconteceram nos outros estados?
Leandro Grass – São muito parecidos com o que a gente está investigando no DF, tem uma lógica muito semelhante. As Secretarias aproveitando a calamidade pública para fazer contratações combinadas. Para escolher agentes privados a bel-prazer, sem nenhum tipo de critério de competitividade de melhor preço, de economicidade para o Estado. E ocorre essa atuação dos chefes, os líderes no processo todo.
É muito parecido com o que está acontecendo em vários lugares. Rio de Janeiro, Amazonas, Pernambuco, Santa Catarina… Tudo é muito semelhante. Por isso inclusive o envolvimento da PF em algumas outras investigações, porque em alguns momentos parece até que é uma rede nacional, né? De corrupção.
Você acredita que ainda existe alguma possibilidade da CPI não ser instalada? Se sim, você acredita que o MPDFT sozinho é capaz de realizar este trabalho de investigação, ou não?
Leandro Grass – Não pode deixar de ser instalada. Porque já foi protocolada com as 8 assinaturas necessárias e alcançou as 13, então o Presidente vai ter que instalar. Se ela vai alcançar os seus objetivos, depende. Depende dos membros, eu não posso falar pelos outros quatro. A tendência é que eu seja membro porque eu sou o primeiro signatário, sou o requerente. Tem outros quatro deputados, tudo depende deles. Depende da sociedade controlar e fiscalizar o papel da CPI, depende do papel da imprensa dando visibilidade à CPI, depende do papel dos Órgãos de controle cooperando com CPI…
A CPI pode ter um excelente resultado. Se a gente tiver todos esses critérios correspondidos. Agora, ela pode também fracassar. E o fracasso não significa necessariamente não apontar responsáveis. Significa ter um relatório que não vai contribuir com a sociedade. Pode ser que a gente faça investigação e chegue à conclusão de que ninguém tem culpa, de que ninguém errou. A CPI não parte de um julgamento precipitado anterior, a gente não parte de condenações prévias, a gente parte do desejo de investigar. E é o que eu quero tentar fazer: Usar bem nossos instrumentos, usar nossas ferramentas.
E eu confio no trabalho do Ministério Público, ao mesmo tempo. Eu acho que a Câmara tem uma grande responsabilidade, assim como o Ministério Público. São instituições independentes e tem dado o seu resultado. Então uma coisa não vai necessariamente impactar a outra. Agora, de fato, a Câmara tem uma grande responsabilidade nas mãos e não pode ficar indiferente. Acho que a sociedade tem que cobrar os deputados agora. Essa CPI tem que ser instalada.
Você contou que vocês já vinham alegando algumas situações confirmadas pela Operação Falso Negativo desde o requerimento da CPI feito já em julho, então a prisão do Secretário funcionou como uma confirmação das suas suspeitas (de necessidade da instalação da CPI)?
Leandro Grass – Exatamente. E a gente vê algumas posições, inclusive de parlamentares, o que é lamentável, dizendo que a CPI é só para fazer palco político, como o próprio deputado Rodrigo Delmasso falou anteontem. Dizer que o parlamento quer fazer palco político com uma investigação é desacreditar do próprio parlamento. É criminalizar o parlamento, de alguma forma. […] Não estamos falando de qualquer situação, estamos falando de desvios de milhões de reais na saúde pública, em momento de calamidade pública, as pessoas estão morrendo…
Confira aqui o vídeo da resposta completa
O deputado também tratou da relevância da educação política e da necessidade de combater a descrença e levar as pautas políticas para ambientes educacionais. Em relação aos projetos daqui para frente para além da CPI da pandemia, o Deputado enfatizou a importância de formar novas lideranças, apoiar lideranças responsáveis e com elas construir um campo político melhor.
Ele ressalta que este campo não é partidário, mas geral. Na melhoria da cidade de maneira geral pensando em um desenvolvimento sustentável que vai desde questões de analfabetismo até questões econômicas e de saúde pública. Enfatizou também a importância do diálogo com a sociedade e se colocou à disposição para eventuais debates futuros sobre estes e outros assuntos.
Por Thayssa Vidal
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira