A 300 km de Belo Horizonte, as repórteres Naiana Andrade e e Elisangela Colodeti descobriram, na cidade de Várzea da Palma (de pouco mais de 30 mil habitantes), no ano passado, uma história de abusos sexuais em série, a partir de uma denúncia em rede social. A ação das jornalistas foi fundamental para que a investigação policial também andasse. O acusado pela Justiça é Dinamá Rezende, que encontrou diferentes caminhos para se aproximar de crianças e adolescentes, e cometer as violências.
Confira aqui a reportagem na Agência Pública sobre o tema
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As jornalistas revelam que as histórias tocaram profundamente cada uma delas, e essa situação foi um dos maiores aprendizados no caminho de investigação delas, tanto a distância, como na visita àquela cidade. As profissionais estiveram, nesta quarta-feira (26 de maio), na Semana de Comunicação do Centro Universitário de Brasília (CEUB), em conversa mediada pela professora Carolina Assunção e do professor Sérgio Euclides Braga. Confira aqui a programação do evento.
No evento, falaram sobre os desafios do jornalismo investigativo e independente, e também sobre questões de gênero e invisibilidade.
Confira abaixo a conversa com as jornalistas
Na investigação da série de abusos sexuais na cidade de Várzea da Palma (MG), as repórteres recordam que foram com o próprio carro e com os cuidados devidos diante do cenário de pandemia. Elas explicam que descobriram novos meios de criar vínculos com os entrevistados por meio da escuta ativa e questionamentos que compartilham da empatia, conhecido como estabelecimento de rapport, conceito do ramo da psicologia que estuda as relações interpessoais.
Apesar de não relatarem ameaças, sentiram que a cidade ficou receosa com a presença das duas jornalistas. Mas, por estarem preparadas, conseguiram manter uma rede de fontes e chegar até importantes personagens da narrativa. Elas ressaltam que precisaram quebrar barreiras de gênero no jornalismo investigativo, já que a área era predominantemente masculina.
“É um desafio muito grande para nós mulheres, principalmente dentro do jornalismo investigativo, termos espaços nesses ambientes. As pessoas dizem que não é assunto de mulher, são assuntos muito pesados, a mulher é muito sensível, ela vai chorar, ela vai sentir, ela não vai dar conta. Acho que a gente dá conta de tudo, homens e mulheres, então não tem que ter essa premissa de que o jornalista investigativo vai se ambientar melhor, circular nas delegacias ou conseguir falar com alguém que perdeu um parente sendo homem. Não tem essa questão do gênero pra gente, vencemos essa primeira barreira” afirma Naiana.
Elisangela e Naiana contam que o objetivo de suas reportagens é gerar o sentimento de reflexão no leitor. A partir dos textos, o espectador tira suas próprias conclusões sobre o caso e reflete sobre o papel do cidadão.
“Trata-se de uma questão cultural, machista e patriarcal. Enquanto tolerarmos comportamentos na sociedade, como o do caso retratado, teremos milhares de agressores. São valores invertidos que geram peso nas mulheres e crianças, se essa cultura não for reformulada, a cadeia cultural continuará a mesma, baseada em violência e agressão”, diz Elisângela
Adaptações
Elisângela Colodeti é também professora universitária de jornalismo e trabalhou durante 12 anos na rede Globo de Minas Gerais. Ela conta que, ao perceber a grande crise no mercado de trabalho do jornalismo, fez um mestrado para entender o que estava acontecendo e qual era a saída do problema.
Naiana Andrade também construiu sua carreira ligada ao jornalismo investigativo. Foi produtora e editora de jornais nacionais na Rede Globo por 13 anos, com reportagens e séries especiais sobre direitos humanos.
As colegas de profissão e amigas juntaram-se para elaborar um projeto de reportagens investigativas. “Temos construído a partir dos nossos estudos um método próprio”, diz Elisângela. Elas destacam que o jornalismo independente oferece possibilidades do distanciamento das demandas diárias dos assuntos da cobertura factual e faz com que se mergulhe em cenários menos abordados pela mídia e com a ocupação de espaços de invisibilidade.
Por Maria Eduarda Cardoso, Maria Eduarda Bacellar e Maria Paula Meira.
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira