Em meio a pandemia do novo coronavírus, o Poder Legislativo realiza uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar se houve omissão e irregularidades do governo federal no enfrentamento da crise sanitária no Brasil. Este modelo de investigação, no Brasil, tem 86 anos e tem se reinventado com o passar do tempo. Além disso, ganhou espaço nas constituições e se tornou fundamental para investigar casos notórios, como as CPIs do PC; dos Anões do Orçamento; dos Correios; e da Petrobras.
HISTÓRICO
O método de investigação foi originado na Grã-Bretanha, entre os séculos XVI e XVII. Com relação à primeira comissão brasileira, ela aconteceu em 1935, um ano após a promulgação da segunda constituição republicana e ficou conhecida como “Comissão de Inquérito para pesquisar as Condições de Vida dos Trabalhadores Urbanos e Agrícolas”, apurou a respeito.
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Antes disso, durante o século XIX, os parlamentares já faziam esse tipo de trabalho, porém ainda não era nomeada Comissão Parlamentar de Inquérito. O modo com que eles conduziam as investigações era arcaico e só veio a se institucionalizar no período republicano como afirma o historiador e doutor em Ciências Sociais, Frederico Tomé.
“Desde as novas constituições, já no período republicano, foram dadas novas ferramentas para que os parlamentares pudessem trabalhar melhor na forma investigatória. Ampliando assim os poderes investigativos do ministério público e das polícias, contendo também um peso político em relação às investigações.” Ao longo da história, a realização das comissões foi suspensa em dois períodos: Estado Novo (1937-1946) e Ditadura Militar (1964-1985). Com isso, a análise de denúncias era realizada pelas polícias e pelo Ministério Público.
PROCESSO
Atualmente, o processo de realização de uma CPI gira em torno do que está escrito no parágrafo 3 do artigo 58 da própria constituição de 1988. “As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
As Comissões Parlamentares de Inquérito são instrumentos legais do poder Legislativo formadas por parlamentares. Elas acontecem em todos os níveis da federação (Federal, Estadual, Municipal e Distrital) sempre sob a responsabilidade dos membros das Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa ou ainda nas duas casas do Congresso Nacional. Para André Luís de Moura, historiador, as CPIs são feitas como forma de ajudar e dar apoio aos órgãos de investigação do país. “Esse poder de fiscalização e de investigação parlamentar não compete com as atribuições do Ministério Público ou das polícias, ele atua sempre de maneira complementar”, disse.
Portanto, a função primordial dessas comissões é investigar e não punir. Os parlamentares interrogam diversos integrantes dos poderes públicos, colhem as informações necessárias e ao final é emitido um relatório com tudo o que foi apurado e posteriormente é entregue ao Ministério Público, que se necessário, entrará com ação civil ou criminal contra os investigados.
Para Frederico, o ponto chave das apurações é o cunho político que elas têm. “É importante se fazer uma CPI para se dar uma visibilidade e um peso político maior à investigação. Geralmente ela é instalada quando o assunto requer uma atenção especial”, afirmou.
CASOS NOTÓRIOS
Anões do Orçamento
A Comissão Parlamentar de Inquérito do ano de 1993, foi popularmente conhecida como Anões do Orçamento, investigando 37 parlamentares por suposta ligação com o esquema de fraudes e manipulação na Comissão do Orçamento do Congresso Nacional, envolvendo desvio de verba pública.
A investigação representou um marco histórico, pois foi a primeira vez no Brasil em que os parlamentares averiguaram as atividades realizadas pelos próprios colegas. O esquema de lavagem de dinheiro redistribuia recursos do Orçamento da União destinado a obras de respaldo social para associações fantasmas chefiadas pelos parlamentares.
O desdobramento final da CPI do Anões do Orçamento, que envolveu cerca de R$100 milhões dos cofres públicos. Decisões foram adotadas para assegurar maior transparência na tramitação da lei orçamentária. O relatório final pediu a cassação de 18 dos 37 parlamentares, apenas seis perderam o mandato. Dentre eles, o ex-deputado Ibsen Pinheiro, porém, em 2000, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou todo o processo em que o político foi acusado por sonegação fiscal, sendo vereador em 2004 e deputado federal em 2006.
Mensalão
O Mensalão foi um esquema de corrupção que aconteceu durante o período de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, onde houve desvio de dinheiro público para pagar deputados federais em troca de votos favoráveis aos projetos do governo. O esquema teve início em 2002 mas só foi descoberto em meados de 2005, quando Maurício Marinho, que era chefe do departamento de contratação dos correios foi filmado recebendo propina de Roberto Jefferson, do PTB. Foi então que Roberto decidiu abrir a boca e delatar as falcatruas do governo. Segundo Jefferson, alguns parlamentares recebiam por volta de 30 mil reais do Partido dos Trabalhadores (PT) para votarem de acordo com as convicções do partido em projetos do governo.
No mesmo ano, a Comissão Parlamentar de inquérito do Mensalão foi instaurada. Roberto Jefferson então contou que tinha recebido do PT uma quantia de quatro milhões de reais, que não foram declarados, o famoso caixa 2, e mencionou que Delúbio Soares, tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, era o responsável por distribuir o dinheiro. Nesse momento ele inocentou Lula, presidente na época, mas acusou o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Outro que depôs na CPI foi o responsável pelo marketing e publicidade da campanha de Lula, Duda Mendonça, famoso no ramo, declarou que recebia dinheiro do PT em uma conta no exterior e sem qualquer nota fiscal.
No decorrer das investigações parlamentares, Lula pediu desculpas pela corrupção dentro do seu partido, mas negou a existência do chamado mensalão, só no final do mandato que ele foi admitir que tinha conhecimento do esquema. Apesar de toda a apuração feita pelos deputados, essa foi mais uma CPI que não houve sucesso, pois ao final, na hora de votar o relatório final, apenas 148 deputados votaram a favor, sendo que o mínimo exigido é de 171, então a comissão não teve um desfecho. Foi necessário o STF agir pelas próprias forças para punir aqueles que estavam no esquema. Dentre os julgados pelo Supremo, apenas Roberto Jefferson do PTB, José Dirceu do PT e Pedro Corrêa do PP tiveram os mandatos cassados e se tornaram inelegíveis.
Por João Paulo de Brito, Luiz Fernando Santos e Mateus Arantes
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira