Perfil: a prosa e poesia de Aloísio Brandão

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Escolher uma personagem, imergir em sua essência, interpretar fragmentos de sua vida, construir um roteiro original e que emocione o leitor não é tarefa fácil. No entanto, quando nos deparamos com histórias interessantes, repletas de “substância” e nuances, não podemos deixá-las escapar. Boas histórias merecem ser compartilhadas. E no contexto de pandemia, elas fazem mais sentido ao promoverem alento e distração por meio de uma leitura leve, despretensiosa e, ao mesmo tempo, atrativa. 

 

          Aloísio Brandão                  (Foto: rede social)

Ao desvelar os traços relevantes de um perfilado buscamos também despertar reflexões sobre questões relacionadas à nossa própria existência, a partir da vivência do outro. Seguindo essa lógica, apresentamos a trajetória do jornalista, músico, compositor e escritor Aloísio Brandão. O artista é um sujeito ativo, criativo, culto, politizado e sensível. Ele carrega uma inquietude própria e um repertório de histórias surpreendentes que impressionam aqueles que têm oportunidade de conhecê-las.    Também atuou em diversos movimentos culturais em Brasília, entre eles destacam-se os promovidos pelo amigo Luiz Amorim, dono do açougue cultural T-Bone, na Asa Norte. Nas próximas linhas, o leitor irá conferir alguns fatos e feitos da vida deste nobre nordestino.

Primeiros passos

Nascido em Santana dos Brejos, no sertão da Bahia, o filho de Maria Abigail (Dona Nenzinha) e de Benedito (Seu Bené) acumulou vivências e percepções as quais moldaram o caráter e desenvolveram sua criatividade. Mesmo morando numa cidade pequena – à época com cerca de seis mil habitantes – e sem muitos recursos, Aloísio era um menino entusiasmado e sedento por conhecimento. O rádio era o único meio de conexão entre a pacata cidade e o mundo externo.

“Talvez por isto, eu fosse instigado a criar novidades dentro de mim e a observar as coisas sutis, simples, quase imperceptíveis, e descobrir nelas um quinhão qualquer de novidade. E, aí, a música que ouvia nas emissoras de rádio embalava a minha busca pelo desigual. Ouvíamos apenas emissoras AM de São Paulo e do Rio, que tinham maior penetração na cidade.”

Pop

Diariamente, às seis da tarde, ele ouvia a rádio carioca Mundial. Era o momento de interação com os amigos e de aquisição cultural, já que o veículo transmitia o melhor da música popular brasileira e estrangeira. “Eu e os amigos nos reuníamos, numa esquina perto de casa, para ouvir, na Mundial, o programa de Rock e música pop do lendário Big Boy. De dia, eu ouvia um programa de alto nível chamado “O poder da mensagem”, apresentado por Hélio Ribeiro, um radialista, jornalista e professor de Jornalismo da USP (Universidade de São Paulo)”.

Sobre as principais influências musicais, Aloísio lista grandes nomes do meio artístico. “Caetano, Gil, Chico, Egberto Gismonti, Nara, Gal, Bethânia, Sá, Rodrix & Guarabyra, Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Beatles, Creedence e outros eu ouvi pelo rádio. As emissoras AM tinham um enorme comprometimento com a arte e cultura. Não têm mais. Hoje, em sua mais ampla maioria, são áridas, pobres, vis. Ah! Quase não havia vitrolas nas casas”, afirma. 

Inspirações

Por volta dos oito anos de idade, novas percepções surgiam no garoto Aloísio. Os programas transmitidos em alto-falantes de Santana apuraram ainda mais a sua sensibilidade musical. Um dos que mais lhe marcaram foi o Coro dos Hebreus, da ópera Nabuco, de Giuseppe Verdi.

“Fiquei arrebatado, fora do chão. Era um fim de tarde, e eu andava sozinho, como gostava de fazer, naquelas horas, por ruazinhas da cidade, para ouvir, de lugares diferentes, o programa de alto-falante da igreja matriz. Eu passei a perceber que uma mesma música causava-me um tipo diferente de emoção, dependendo da hora e do lugar (certos becos e ruas) em que me encontrava. Então, fui ‘domesticando’ essas emoções e buscando-as, cada vez mais. Todo dia à tardinha, eu saía para fazer esse exercício de música e emoção”. 

O menino mal sabia, mas ali já se evidenciavam os primeiros sinais de aptidão musical e gosto pela literatura. “A poesia, igualmente, já se insinuava para mim desde que eu era criança. A cidadezinha não possuía uma biblioteca. Mas eu ouvia na feira, aos sábados, poetas de cordel e lia o que era possível”.

Ainda criança, Aloísio começou a recitar uns versos, de improviso, sem ao menos saber ler e escrever. Aprofundando a prosa, descobrimos que a tendência para as artes remonta a seus ancestrais. O avô, com quem conviveu intensa e afetivamente até os dezessete anos, era maestro e clarinetista. O bisavô e tataravó de Brandão também possuíam habilidade com o clarinete. A vocação musical parece estar determinada no código genético da família. 

Leia mais sobre literatura

Aloísio teve contato com o universo poético na infância. A mãe, o avô e os professores liam poesias para ele; o pai improvisava poemas. O estímulo precoce associado ao “surrealismo que vibrava na cabeça do povo de Santana dos Brejos” sedimentou a estima pela literatura, o que elevou Brandão a um “permanente estado de música e de poesia”. A inspiração poética não só despertou-lhe novos anseios como também aprimorou a imaginação. Muitas experimentações e memórias embasaram a escrita do livro Desacontecenças, lançado em 2016 pela editora Penalux. A obra, ancorada no gênero realismo fantástico, traz contos escritos por Aloísio Brandão nos quais narra acontecimentos na cidade de Santana dos Brejos e na rua em que morava, descritos sob diversos matizes, reais ou imaginários.

 A vida é feita de escolhas

Santana dos Brejos foi o cenário para diversas vivências de Aloísio. No entanto, ela tornou-se pequena para o espírito desbravador do escritor. Ele queria descobrir novos horizontes e qualificar-se. Na juventude, alimentou o desejo por estudar jornalismo. Para tanto, não havia outra opção senão sair da terra natal e tentar a vida em outro lugar. “Foi sofrido deixar a minha cidadezinha, a família, os amigos de infância, a namorada, as paisagens de todo dia. A escolha de Brasília foi inesperada. Eu estava num bar, com um amigo de Santana dos Brejos chamado David Renault que já era jornalista e morava aqui em Brasília. Lá, pela décima cerveja, o meu amigo pontificou: “Você tem que ir para Brasília, porque eu o conheço, desde pequeno, e sei que você só pensa em Jornalismo”. Ali, estava traçado o meu destino de jornalista e de futuro morador de Brasília”. E assim se passaram mais de quarenta anos…

“O jornalismo já estava em mim. Não sabia bem o que era, mas queria ser jornalista. Quando eu era menino, ficava encantado com uns números da revista O Cruzeiro que o meu pai assinava e que chegavam com atraso, às vezes, de mais de mês. Com catorze anos, criei um jornalzinho. Ou fazia aquilo, ou ficaria mal comigo mesmo”.

Ele se formou no Centro Universitário de Brasília, UniCEUB, em 1983. O jornalismo estava tão entrelaçado ao destino de Aloísio que ele compartilha uma situação inusitada que viveu. 

Quando o governador baiano Roberto Santos esteve em Santana dos Brejos para inaugurar o hospital e a agência do Banco do Estado da Bahia (Baneb), a população ficou em polvorosa. Na ocasião, ele ficou hospedado na casa do prefeito, próxima à residência de Aloísio. O adolescente e aprendiz de jornalista teve a brilhante ideia de entrevistar o governador, só não sabia como executar o plano. O jovem Aloísio tratou logo de arranjar um gravador que, de tão grande, mais parecia uma caixa de abelhas e não titubeou em conseguir a desejada entrevista. 

Aloísio conta que, ao chegar à casa do prefeito, a rua estava repleta de curiosos. Ele tentou, por diversas vezes, adentrar a casa, mas foi impedido pelos seguranças. No entanto, uma pessoa que estava próxima ao governador percebeu o “movimento”, falou com ele o qual consentiu que Aloísio se “achegasse”. Para surpresa de todos, o adolescente conseguiu entrevistar Roberto Santos e publicar a matéria no jornalzinho que ele mesmo produzia, imprimia no mimeógrafo e comercializava pela cidade. 

Dedo de prosa

Brandão ressalta que, após 35 anos,  e já atuando como jornalista, reencontrou Roberto Santos, agora como deputado federal. Ao final da entrevista, Aloísio trocou um “dedo de prosa” com o político e perguntou se lembrava de quando esteve em Santana dos Brejos. Depois de vaguear o olhar e recorrer à memória, Roberto respondeu positivamente.

Em seguida, o jornalista lançou outra pergunta. Dessa vez, questionou se o deputado lembrava-se do garoto que o entrevistara. Novamente, respondeu sim e ainda exclamou: “Menino atrevido aquele, não é? Você o conhece? Por onde ele anda?”. Eis que Aloísio respondeu: “Está aqui, na sua frente”. O deputado não conteve a emoção… 

Jornalismo

Na entrevista, o compositor refletiu sobre a evolução histórica e a atuação da imprensa. Perguntado se hoje manteria a escolha pelo jornalismo, Aloísio foi categórico.

“As mudanças são necessárias e fazem parte do processo evolutivo. Mas o jornalismo não pode fazer do próprio meio a sua essência, o seu conteúdo, o seu cerne. Nem o jornalista pode abdicar de sua natureza profissional. Acho que muitos novos colegas estão descuidados do texto, perdendo a ‘fome’ de investigação e se preparando pouco para a entrevista. Hoje, mesmo aposentado e ainda trabalhando, se tivesse que escolher uma profissão, eu escolheria o jornalismo, igual como fiz há 37 anos”.

Brandão chegou a cursar Letras, mas abandonou o curso antes de se formar. A vocação jornalística prevaleceu.

Conexões afetivas 

De todos os feitos e projetos realizados, sem dúvida o melhor deles foi a constituição da própria família. Aloísio teve dois filhos com a esposa Ana Prisce: a cantora Clara Telles e o tenista Thomaz Brandão. Falar sobre família é algo que o emociona, pois sempre teve uma relação afetuosa e de respeito para com os pais. O Seu Bené é a maior referência de bons valores.

“Fico pensando no quanto eu ando repetindo o meu pai em certos gestos das mãos, em algumas frases e na molecagem pura e necessária, coisa em que ele era um mestre. Bem, o meu pai é, sim, uma grande influência, principalmente, no ensinamento da fé, da caridade, da bondade, da busca da leveza e de estar sempre próximo da música e da poesia”.

O pai de Aloísio faleceu em 2012, aos 101 anos. Em sua homenagem, Aloísio compôs a letra da música “Plantio” cuja melodia ficou a cargo de Márcio Faraco.


“PLANTIO”

(Música de Márcio Faraco e letra de Aloísio Brandão)

Pai, meu pai,

O que tu vês, além-fronteira?

Não há janela e gelosia

O que ajuntaste vida afora

Pra hora da travessia?

Amor, alforjes de histórias

E um bom bocado de poesia

Beira de riacho com borboletas

Silêncio na hora da Ave-Maria.

Pai, meu pai,

Deixaste, aqui, tua alegria

E a flor plantada na mão

Ficaram teu olhar de anjo

E palavras do coração.

Eu vejo os teus afluentes

Levando tuas águas pro rio

E a lua que tanto amavas

Vem clarear o teu plantio.


Música e poesia

A cultura é algo tão presente na vida de Aloísio que acaba por  inspirar outras pessoas. Quando a filha Clara tinha um ano de idade já mostrava inclinação para a música. O escritor lembra que ela ficava extasiada ao ouvir certas melodias. Em consonância com a esposa, passou a estimulá-la por meio de músicas infantis e trilhas sonoras de musicais. Um hábito que a família mantém até hoje é o de reunir-se, durante as refeições, para conversarem sobre música e poesia. 

Outro momento mencionado por Aloísio foi quando Clara tinha sete anos e foi aprovada no teste para o coro infanto-juvenil do Teatro Nacional de Brasília. “Ela participou de óperas, como “Carmina Burana” (Carl Orff), “Carmen” (Georges Bizet) e “Nabuco” (Verdi), e de concertos, a exemplo da “Sinfonia nº 9” (Beethoven) e da “Sinfonia nº 4” (Gustav Mahler). Foi uma experiência marcante e definitiva para ela”. 

Cabeça prenha

Algo de que Aloísio se orgulha é ter influenciado a filha a seguir a carreira musical. Desde bebê, Clara o via compor, tocar e cantar. O pai, mais que um mestre e protetor, também é parceiro nos projetos. “Uma das músicas que ela me via cantar, quando criança, chama-se “Cabeça prenha” (música minha e letra do poeta Vicente Sá). Há cinco anos, Clara surpreendeu-me ao dizer que iria gravar um CD e que, nele, estaria a música “Cabeça prenha”. Não foi só isso. Anunciou que o disco iria chamar-se, também, “Cabeça prenha”. Já fizemos muitos shows juntos e compomos em parceria, de vez em quando. Eu sou, também, o seu assessor de imprensa e seu “carregador de piano” – o faz de tudo (risos)”.

Pandemia e a produção criativa 

Sobre o que tem feito durante a pandemia, Aloísio relata que tem trabalhado em regime de home office. As saídas só ocorrem em caso de necessidade e para exercitar-se, principalmente no horário em que há menos transeuntes nas quadras. Apesar de ter mais tempo disponível, Brandão lamenta não compor como gostaria.

“Em meio ao caos, tenho buscado o silêncio, tenho lido bons livros, inclusive místicos, tenho tirado um tempo para ficar dentro de mim. Aí, eu me entrego, também, à inspiração. Nem sempre ela vem, porque há interferência da dor e da tristeza surgidas na pandemia. Mas é preciso transcender a este momento e encontrar aquela centelha que acende a criação”. 

Mesmo em seu refúgio, Aloísio participa de eventos virtuais, como é o caso do projeto Almoço poético virtual, idealizado pelo espaço cultural Leão da Serra. Seja na música, na poesia ou no jornalismo, Brandão representa categorias que lutam, diariamente, por reconhecimento. Enquanto a pandemia durar e não permitir os encontros afetuosos e as manifestações culturais, fica o convite ao leitor para que mergulhe na imensidão desse ilustre artista…

Por Daniella Belchior Araújo 

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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