Idosos analfabetos revelam constrangimentos, mas muita vontade de aprender

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É bom, né? Conseguir ler estas frases sem nenhuma dificuldade, e na maioria das vezes, de forma automática, sem nenhum esforço. Você já parou para imaginar como seria sua vida se não tivesse garantido este grande privilégio, que é a educação? Como você iria trabalhar? Como iria deixar um bilhete, uma carta de amor, fazer as lições de casa, o ensino técnico ou até uma faculdade dos seus sonhos? 

 

 

                              Laiz está se esforçando para aprender a mexer no computador e acompanhar as aulas remotas.

 

É com essa mesma angústia que Laíz Maria Netto Marinho, 71, conviveu durante a maior parte de sua vida. Ela perdeu a mãe ainda criança, aos 9 anos de idade, e a partir daí, foi criada pelo pai. Cresceu junto com uma irmã e mais três irmãos, e conta que apenas os filhos homens foram enviados à escola e puderam terminar o ensino médio antes dos 20 anos. Entretanto, com as filhas mulheres, a situação foi completamente diferente. Sua irmã, até hoje, não teve nenhum acesso à educação.  Laíz começou a trabalhar aos 12 anos de idade como auxiliar, e como era menor de idade, quem recebia o seu salário era seu pai, e ela declarou que nunca viu nem um centavo desse dinheiro. 

Ela só foi ter a sua primeira experiência escolar aos 33 anos de idade, quando conheceu a EJA (Educação para Jovens e Adultos) do Distrito Federal por indicação de amigas quando estava procurando algum lugar para poder estudar e, nesta época, ela conseguiu concluir apenas o primeiro grau na instituição e parou, pois estava trabalhando muito e cuidando das filhas e com isso, acabou não tendo tempo para se dedicar com esforço aos estudos. Foi só recentemente que a vontade de estudar reacendeu, decidiu voltar e conta que foi muito bem recebida novamente na EJA. 

“As oportunidades que perdi na vida por não ter terminado os estudos na juventude foram muitas e, por exemplo, agora quando me perguntam o que eu estou estudando, eu fico com vergonha de falar que estou retomando o ensino fundamental, ainda mais na idade em que estou. Fico constrangida”, lamentou.

Laíz sempre enfrentou empecilhos na hora de se comunicar com os outros, e declarou que já se sentiu inferiorizada diversas vezes e que já sentiu vergonha de conversar até com as filhas e netos. “Por não ter aquele grau de instrução, eu me sentia reprimida, com medo de julgamento, de não saber me expressar como deveria ou da forma correta”. 

Ela disse que a EJA mudou a sua vida e que ainda sonha em cursar uma faculdade. As maiores dificuldades que enfrenta hoje, com relação à vida escolar, é no manuseio do computador, por conta das aulas remotas, o saber sobre aparelhos eletrônicos virou algo crucial, e é algo totalmente novo para Laíz, que nunca teve muito contato com as modernidades, mas que está se esforçando e contando com o auxílio dos netos, pois já está para se formar em 1 ano. 

Ela é casada há 53 anos, tem duas filhas e agora trabalha como consultora de vendas de produtos de beleza e diz que está tendo dificuldades, por não ter conseguido se aposentar, já que o INSS “recolheu e sumiu com o dinheiro que pagou durante anos”.


Exclusão

Essa realidade de exclusão dos processos de educação já foi uma realidade para Laíz, e ainda é para mais de cerca de 11 milhões de analfabetos brasileiros, segundo censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), onde mais da metade desse número são pessoas com 60 anos ou mais, correspondendo a uma média de seis milhões de idosos que não sabem ler e nem escrever, conseguindo viver, dia após dia, uma realidade inimaginável de se suportar para muitos, mas eles conseguiram.  Na Região Centro-Oeste, a taxa de pessoas analfabetas é de 4,9% em relação à população no geral, e de 16,6% na população com 60 anos ou mais, também de acordo com dados do IBGE.

Segundo a Constituição Federal de 1988, os artigos 205 e 206 defendem que a educação é direito de todos e é dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, e também impõe que o ensino precisa ser ministrado com base nos princípios da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Porém, na vida real, não é bem assim que funciona, com o Brasil apresentando elevados índices de desigualdade social e a precariedade do sistema educacional.

Roça 

Natalia Franco, 85 anos, é uma entre as milhões de vidas brasileiras que ainda não sabem ler nem escrever, e conta que nunca teve a oportunidade de frequentar a escola, pois começou a trabalhar na roça muito nova com 8 anos de idade, ajudando seu pai e sua mãe na lavoura: cultivava arroz, feijão e mandioca. Ela declarou que a sua família enfrentava muitas dificuldades financeiras, que já chegou a passar fome e que seus pais nunca a incentivaram a estudar, só a trabalhar, para ajudar com as despesas da casa e, assim como ela, nenhum de seus sete irmãos estudou. Para Natália, não existia escola, livros, viagens e nem faculdade. Só a roça: “O trabalho braçal é a saída para quem não tem estudo e nem oportunidades” disse. 

Ela já se sentiu inferior, insegura e perdida em muitas ocasiões e, às vezes, “finge” que está lendo perto de outras pessoas, passando os olhos pelas letras e mexendo levemente os lábios, para se sentir melhor e mais incluída no ambiente, com medo de julgamento. 

Quando tinha 65 anos, ela recebeu a ajuda de uma professora que, durante seis meses, a ajudou no processo de alfabetização, porém Natália precisou parar de frequentar a casa da professora por conta de problemas de saúde, e também porque o endereço, em Ceilândia, era muito longe da sua casa. “Eu gastava duas horas para chegar até a casa dela. Eu ia com uma amiga, andando, mas comecei a ter alguns problemas de saúde, sentia dores fortes nos braços e na bexiga, por isso decidi parar de ir”. Graças às aulas desta professora, Natália aprendeu a assinar o seu nome, que é a única coisa que sabe escrever e ler.

Leitura da oração 

A idosa foi casada por 58 anos e diz que sempre foi muito dependente de seu marido, Paulo Massanoli, que diferente dela teve a oportunidade de se alfabetizar, porém o companheiro faleceu em 2014, o que a fez contar totalmente com a ajuda dos filhos e netos. Muito religiosa, ela reza e faz suas orações todos os dias, e revela que sua maior vontade atualmente é conseguir ler a Bíblia e poder saber mais sobre a história de Jesus. Ela falou que não gosta de ficar parada, que limpa a casa e que pratica pintura, dança e crochê todos os dias.

Maria Yoshie Vaz, filha de Natália, disse que nunca tentou ensinar a mãe em casa pois tinha muitas dificuldades com a didática e diz que a mãe deve sempre estar acompanhada, até mesmo em situações simples do dia a dia: “Não deixamos ela fazer nada sozinha”.

A idosa Natalia Franco, que só sabe escrever seu nome, gosta de passar o tempo costurando e pintando.

                          

Paulo Freire no DF

Elias Silva Araújo, mais conhecido como professor Elias, comprometido com as causas populares e sociais, realiza um trabalho de alfabetização para adultos, desde 1996, na Casa de Paulo Freire, localizada em São Sebastião, que é definida por ele mesmo como “uma incubadora de projetos alternativos para a comunidade, especialmente para a alfabetização de jovens, adultos e idosos”.

Ele já foi membro da União da Juventude Socialista (UJS), do Partido dos Trabalhadores (PT) e da União Metropolitana dos Estudantes Secundarista de Brasília (UMESB), e na continuidade da sua atuação como alfabetizador popular, em 2003, ingressou no Grupo de Trabalho Pró Alfabetização do Distrito Federal e Entorno (GTPA), o qual objetivava constituir-se enquanto um espaço político organizado, em rede, com a sociedade civil na luta pela erradicação do analfabetismo no estado.

Elias revela que teve uma infância e juventude muito difíceis, passou muita fome e frio, já chegou a morar na rua, e só aos 12 anos teve a oportunidade de ir para a escola. Ele argumenta que agora pretende ajudar outras pessoas que sofrem ou já sofreram destes mesmos males a se reerguer, assim como ele se reergueu, para se alfabetizarem, terem a oportunidade de estudar e de ter um trabalho digno e uma vida mais confortável.

A Casa de Paulo Freire já alfabetizou quase quatro mil educandos trabalhadores, com a experiência pedagógica desenvolvida tornando a Casa objeto de pesquisa e campo de estágio para estudantes do DF, formando mais de 1.286 estagiários do curso de Pedagogia, com destaque para a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Católica de Brasília (UCB), além de outras diversas instituições de ensino superior e Escolas de Ensino Médio, além de já terem sido encaminhados para o mundo do trabalho, aproximadamente, 800 jovens que buscavam o primeiro emprego a partir da Casa de Paulo Freire. 

Atualmente, além da alfabetização de adultos, a casa também trabalha com crianças de 6 a 12 anos no projeto Educarte, o qual oferece oficinas de artesanato, desenho, pintura, literatura, contação de histórias, roda de música, brincadeiras tradicionais, dança e expressões corporais.

A Casa de Paulo Freire foi constituindo-se em uma referência na EJAI (Educação de Jovens, Adultos e Idosos) em São Sebastião, e em 2006 foi classificada em segundo lugar no projeto de Responsabilidade Social do Brasil. Durante o período de 2011 a 2015 o professor Elias foi eleito, por duas vezes, conselheiro do Conselho de Assistência Social do Distrito Federal (CAS) e defendeu, juntamente aos companheiros do conselho, várias políticas públicas para as camadas populares do Distrito Federal.

Elias garante que atualmente, por causa da pandemia de covid-19, as atividades da Casa de Paulo Freire estão suspensas, desde março de 2020, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde. Não há aulas remotas, pois a maioria dos alunos não têm acesso às mídias digitais, por se tratar de comunidades periféricas, mais vulneráveis e que enfrentam dificuldades financeiras, assim os alunos não têm condições de acompanhar aulas on-line.

“A democratização dos meios de comunicação ainda não aconteceu, então nessas comunidades, coisas como computador, impressora, celular, Wi-Fi e internet ainda não chegaram, e se chegaram, chegaram de forma muito precária”. Elias conta que irá dar continuidade aos trabalhos quando a pandemia melhorar, para disponibilizar um ambiente totalmente seguro, tanto para os funcionários como para os alunos.

A diarista Maria Dorli Rodrigues de Melo começou a frequentar a Casa de Paulo Freire aos 56 anos e foi alfabetizada por lá. Quando criança, ela morava na roça com a mãe e mais sete irmãos e conta que nunca conviveu com o seu pai e, aos 13 anos, se mudou para a cidade de Unaí. Ela chegou a iniciar os estudos naquela época, porém precisou interrompê-los para trabalhar como doméstica, mas posteriormente ela retomou a vida acadêmica, e começou a trabalhar de dia e estudar a noite. Aos 16 anos ela abandonou novamente a escola pois se casou, e do seu casamento nasceram 5 filhos. Nesse período, ela se dedicou totalmente à casa e às crianças e acabou se acomodando e se esquecendo da escola.

Dorli conheceu a Casa de Paulo Freire através de um cunhado que comentou com ela sobre o tal lugar “que dava aulas gratuitas em uma garagem”, ficou muito interessada e resolveu ir conhecer a Casa, e gostou tanto que começou a frequentar a instituição. Ela levou 2 anos para se alfabetizar e declarou que no início sentiu muitas dificuldades: “Quando eu cheguei lá na escola, tinham uns quadros na parede, e estavam escritos uns nomes, e eu não conseguia entender nada né? Aí depois eu aprendi a ler aqueles nomes dos quadros, tudinho”. 

A vida de Dorli ficou muito mais fácil e independente depois que aprendeu a ler, pois ela contou que era um sonho da sua vida: “Depois que eu fui alfabetizada, foi muito interessante, porque agora eu tenho WhatsApp, aí as pessoas mandam mensagem, aí eu sei ler e responder. Foi uma diferença muito grande, hoje sou mais feliz”. 

Dorli afirma que o professor Elias foi um anjo em sua vida: “Teve um tempo em que eu me separei do meu marido, aí eu falei que eu não ia mais para a escola, pois estava muito triste. Eu não faltava de jeito nenhum, então assim que eu sumi, o professor Elias veio aqui na minha casa para saber o porquê de eu não estar mais indo. Aí eu contei a ele a história e que eu não ia mais, e ele falou: Pois é agora que você vai mesmo. E aí ele me ligava, me deu o maior apoio”.

A diarista Maria Dorli aprendeu a ler aos 58 anos de idade.

                                                              

Paulo de Sousa, 57, também foi alfabetizado na Casa de Paulo Freire e conheceu a instituição quando o professor Elias, em uma de suas expedições por São Sebastião nas quadras procurando por pessoas que queriam estudar, apresentou a ele a Casa. Paulo sempre trabalhou como pedreiro e ajudou fazendo bancos e uma lousa na parede da escola: “Quando comecei a estudar lá, eu não sabia ler nada, não dava conta nem de pegar ônibus”.

Paulo diz que a rotina de conciliar o trabalho com os estudos estava muito pesada, mas que o professor Elias sempre lhe deu muita força e sempre insistiu muito para que ele continuasse e não desistisse de estudar. O aluno contou que começou a frequentar o CAIC, e que está enfrentando dificuldades com as aulas virtuais por conta da pandemia, por não saber mexer com internet e nem com computador. 

Paulo ainda está cursando o ensino fundamental, e declarou que tem certeza absoluta que se não tivesse ido para a Casa de Paulo Freire, ele não estaria onde está hoje, ele declarou que não conseguia ler nada e agora já consegue se virar sozinho e que o jeito como o Elias ensina é diferente. 

Pau a pique 

Quando criança, Paulo morava em uma casa de pau a pique e começou a trabalhar como ajudante de pedreiro, aos 13 anos. Foi com esta idade que perdeu a mãe e ficou apenas com a companhia do irmão, pois seu pai o abandonou quando ainda nem tinha nascido.  Contou que muitas vezes, comia só uma vez no dia, e que tinha dias em que não tinha comida, então ingeria só um café com farinha.

Paulo conta que lutou muito para criar os 3 filhos com um pequeno salário, mas que sempre os incentivou a estudar. “Dois já são formados, um em radiologia e o outro em TI, e a outra já vai se formar. Assim, eu não tenho bens materiais, dinheiro, carro, essas coisas, mas eu me sinto um cara realizado, porque ajudei meus filhos, mesmo eu sendo analfabeto. Se eu tivesse tido um pai que cuidasse de mim, que me orientasse para ir ao colégio, que tivesse ajudado a minha mãe a me sustentar, talvez eu não teria ficado analfabeto tanto tempo da minha vida”. 

EJA

Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade da Educação Básica do Distrito Federal que tem a função de assegurar a escolarização dos cidadãos que, historicamente, foram excluídos do direito à educação. Assim, deve-se cuidar para não reproduzir na escola as práticas excludentes da sociedade, pois seu papel é a formação de sujeitos capazes de intervir, de forma reflexiva, crítica, problematizadora, democrática e emancipatória, com voz, vez e decisão, na solução e superação dos problemas e desafios impostos à sua sobrevivência e existência na sociedade.

Os alunos da EJA são jovens, adultos e idosos de camadas populares periféricas que, ao não terem acesso ou interromperem sua trajetória escolar, repetem histórias, muitas vezes coletivas e familiares, de negação de direitos. Com o perfil etário bem abrangente, os estudantes da EJA têm de 15 a 88 anos de idade, o que exige dos professores um trabalho diversificado com o uso de diferentes metodologias e estratégias de ensino e avaliação que abordem as especificidades em cada uma das idades de forma que abarque as peculiaridades de todos os estudantes.

Segundo o Censo Escolar de 2019, a EJA já atendeu a um total de 45.259 estudantes, onde 905, cerca de 2% do número total, tinham mais de 60 anos. A maior porcentagem presente na EJA foi a da faixa etária de 18 a 23 anos, com 45%, cerca de 20.400 alunos. 

No Distrito Federal, a EJA compreende os três segmentos: o primeiro segmento equivale aos anos iniciais do ensino fundamental, o segundo segmento, aos anos finais do ensino fundamental e o terceiro segmento, ao ensino médio. A maior parte do grupo de alunos idosos encontra-se no primeiro segmento, em especial, nas turmas de primeira e segunda etapas, que correspondem ao processo inicial de alfabetização. Assim são tomados alguns cuidados nas metodologias de ensino adotadas para atendimento remoto, de modo a contemplar a trajetória de vida, os pensamentos, as necessidades materiais e a inserção no mundo do trabalho, com o objetivo de diminuir o abandono escolar.

Além disso, também existe a EJA Interventiva, que é uma junção da Educação de Jovens e Adultos com a Educação Especial, objetivando atender, exclusivamente, aos estudantes com Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD)/Transtorno do Espectro Autista (TEA) e/ou Deficiência Intelectual (DI), com ou sem associação de outras deficiências. A organização ocorre de acordo com o currículo da modalidade, adequações, foco no mundo do trabalho e uma perspectiva inclusiva.

Casou aos 14 

A aposentada Francisca Lucia, 64, é aluna da EJA há 5 anos e conheceu a instituição pois estava procurando algum lugar para realizar supletivo. Aos dois anos de idade, Francisca contraiu sarampo e acabou perdendo a audição, como uma sequela da doença, e esta questão atrapalhou muito no seu  processo de alfabetização, pois ela necessitava de um ensino diferenciado, voltado para a sua deficiência. 

Ela conseguiu aprender a ler e escrever no colégio público, só aos 11 anos de idade, mas se casou, quando tinha apenas 14 anos. Ao retomar os estudos na EJA, com 59 anos de idade, ela aprendeu a mexer no computador e recebeu um ensino direcionado para sua condição, e diz que tem muita vontade de cursar a faculdade de pedagogia. 

Pandemia

Atualmente, com a chegada da pandemia, a educação precisou ser organizada de diferentes formas. O projeto “Acolher, amar e educar na EJA”, organizado pela Secretaria de Educação do DF, tem por objetivo trabalhar na expectativa de que essa tríade deva compor o retorno do estudante em tempos de pandemia e, inclusive, de pós-pandemia. Os estudantes têm sido afetados economicamente e, para muitos, a prioridade passa a ser sobreviver ao vírus e às condições adversas provocadas pelo impacto financeiro. Evidencia-se, assim, a importância do acolhimento e da amorosidade no retorno e percurso educacional dessas pessoas.

Acolher – O acolher parte de uma escuta cuidadosa e sensível. Nesse sentido, torna-se imprescindível que haja nos espaços da plataforma e dos materiais impressos um espaço de escrita livre. As narrativas dos estudantes sobre suas dores, incertezas, trabalho, conquistas, família, doença e tantas outras temáticas precisam acontecer. Nessa partilha, a necessidade individual pode ser comum à turma, ao professor, à comunidade escolar ou, até mesmo, à comunidade local. Das narrativas podem surgir as palavras geradoras para alfabetização no 1o segmento, bem como temáticas que possam ser construídas em uma plataforma, em um pedaço de papel que compõe o material impresso e que, mesmo a distância, aquilo integre o cotidiano e dialogue com a realidade desses estudantes.

Amar – Em um momento de distanciamento social, de isolamento de quem amamos, o amor e a solidariedade com o outro são essenciais. Vivemos um momento em que todos necessitamos de amorosidade e cuidado. Estudante, professor, gestor… Nesse sentido, é possível criar, na plataforma e no papel do material impresso, o momento solidário. Um espaço para nos alimentarmos com uma poesia, com uma música, com uma frase, com uma imagem, com um vídeo, um desenho ou uma foto. Uma relação de amor que dialoga com o ser acolhido e o acolher.

Educar – Nesse exercício, é proposto educar com acolhimento, amorosidade e respeitando as realidades e saberes que se apresentarão nas narrativas dos estudantes. Ao abordarem a dor, é possível trabalhar textos que trazem a dor, mas também a cura, o crescimento, a superação e a resiliência. 

O “Escola em Casa” é outro projeto da EJA que oferece a oportunidade de um ensino mediado a distância, para os estudantes não perderem o ano letivo, até que as condições impostas pela pandemia permitam a retomada das aulas presenciais. No DF há um esforço coletivo para ofertar ensino mediado.

Ao se tratar da oferta de Educação de Jovens e Adultos nas unidades escolares do campo, faz-se necessário o conhecimento acerca do Plano Pedagógico de Atividades Híbridas para o Retorno das Escolas do Campo da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal, construído de forma conjunta entre a Subsecretaria de Educação Básica/Diretoria de Educação do Campo, Direitos Humanos e Diversidade/Gerência de Educação do Campo e as respectivas CREs e unidades escolares que ofertam a modalidade de Educação do Campo.

Ritmo

A pedagoga Jaqueline Silva Calaça explica que o processo de aprendizagem em idosos se dá em um ritmo mais lento do que em jovens, porém os idosos são capazes de aprender assim como qualquer outra pessoa, isso tudo depende da adaptação do conteúdo, assim o professor precisa criar estratégias de ensino que facilite este exercício de aprender.

Com o passar da idade, a coordenação motora vai sendo abalada, e as pessoas vão se tornando menos ágeis em exercícios e o entendimento com o conteúdo se torna mais desafiante. O corpo e a mente vão enfraquecendo, sendo assim entre ensinar um idoso e ensinar um jovem, o idoso acaba se tornando mais difícil, mas nunca impossível, pois o ser humano pode aprender cada vez mais, independente da idade.

A pedagoga defende que é necessário ter mais foco, saber conversar com o idoso e usar as palavras certas na hora de ensiná-los, não brigar ou insistir, pois isso pode deixar a pessoa desmotivada. Ela reitera que é interessante aplicar atividades como jogos da memória, forca, caça-palavras e palavras cruzadas como uma alternativa para sair do tradicional e do tedioso.

Impacto psicológico 

O fato de não saber ler pode levar a muitos pré-julgamentos por parte dos outros, assim o analfabetismo pode afetar o psicológico, acarretando em uma baixa auto estima, visto que a pessoa pode se sentir inferior a outra que saiba ler, e que tem a predisposição de sentir mais insegurança, medo e exclusão na sociedade.

A psicóloga Maria Juciene Cavalcante de Freitas explica que a forma como as pessoas se sentem acerca delas mesmas é algo que afeta crucialmente todos os aspectos da vida, com as reações aos acontecimentos do cotidiano sendo determinadas pelos pensamentos individuais e coletivos, principalmente sobre as opiniões que cada um tem de outra pessoa. 

A psicóloga declarou que o analfabetismo pode sim ajudar no desenvolvimento de doenças psicológicas, como a depressão e a ansiedade, e que a terceira idade possui mais tendência a sentir solidão e angústia, principalmente nos tempos de hoje, onde tanto se fala em tecnologia. Essas pessoas, muitas vezes, acabam sendo dependentes de outras e não vão tirar proveito de jornais, livros, revistas e até mesmo das redes sociais para conseguir informações, garantir direitos, pois não conseguem discernir conteúdos. Diante de tudo isso, o analfabeto se sente à margem da sociedade, se sente excluído e deslocado e tendo que lidar com a tristeza, com a sensação de solidão, por não conseguir manter um certo contato e capacidade de discernimento.

A especialista explica que idosos analfabetos têm de duas a três vezes mais chances de desenvolver demência e outras doenças neurológicas, em comparação com aqueles que sabem ler e escrever. Está cada vez mais evidente, com o passar do tempo e estudos realizados por diversos setores ligados à área neurológica, que a leitura e a escrita são atividades e fatores importantes para ajudar a manter um cérebro saudável, e que pessoas que exercem essas atividades de leitura e escrita conservam os neurônios mais afiados. Um levantamento batizado de PURE (Population Urban and Rural Epidemiology), realizado pela Universidade McMaster e Hamilton Health Sciences, nos Estados Unidos, e que tem a participação de médicos brasileiros, indica que baixos níveis educacionais são a principal causa de morte no mundo, superando questões como pressão alta e poluição.

Jennifer Manly, neuropsicóloga da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, fez um estudo, divulgado em 2020 pela universidade, com 983 idosos. Todos passaram menos de quatro anos na escola, mas, entre eles, 237 nem conseguiam formar palavras e frases no papel. A conclusão foi de que 48% dos indivíduos analfabetos sem uma demência no início da pesquisa manifestaram algum problema depois de quatro anos. O número caía para 27% (ou quase metade) naqueles que sabiam ler e escrever. 

A baixa alfabetização deixa tarefas “simples” mais difíceis, podendo gerar resultados preocupantes e desastrosos, como por exemplo, a ingestão de um remédio errado, se perder ao sair sozinho e não conseguir ler e assinar contratos.

Aprender a ler e escrever ou até mesmo retomar os estudos na terceira idade requer muita força de vontade e apoio familiar. A sociedade brasileira apresenta elevados índices de desigualdades sociais e educacionais, e idosos que não receberam o privilégio do mínimo, gozar de boa educação quando jovens, acabam sendo ignorados e se tornando vítimas deste sistema vergonhoso. Cada caso é um caso, porém a grande maioria das histórias de idosos que não tiveram o devido acesso à educação na juventude são bastante similares: pessoas pobres, humildes, que começaram a trabalhar muito cedo,  que vêm de grandes famílias sem instrução e que nunca tiveram fácil acesso à informação. Até quando estas pessoas continuarão sendo injustiçadas, nesse mundo tão desigual?

Por Larissa Kurita
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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