Gisele Rodrigues Monteiro, de 30 anos de idade, acostumou-se a carregar palavras. Primeiro com panfletos. Depois, com uma faixa da loja. Agora, as palavras estão em um papelão pedindo a chance de ter uma atividade remunerada. “Eu não estou pedindo dinheiro. Quero um emprego”.
Terminou a escola, mas as palavras e sonhos ainda estavam carregados para si. Seu sonho é ser técnica de enfermagem, mas as dificuldades de criar o casal de filhos Wendel, 5 anos e Emilly, 8 anos, que frequentam respectivamente, creche e escola, o cessou. Tem o sonho de conhecer o mar, mas as “barreiras invisíveis” que são impostas a ela, não permitem.

A panfletagem
Enquanto entregava panfletos para a loja “Ômega Pneus”, pela 507 Norte, perto do ponto de ônibus virado para W3, tinha medo de ser atropelada por algum motorista imprudente, ou da chuva acabar com seu dia de trabalho.
Esta era a rotina diária de Gisele Rodrigues Monteiro, ex-diarista, 30 anos e mãe de um casal de filhos que moram junto dela no Novo Gama. Ela sempre lidou com seus problemas e mágoas de uma forma altruísta e alegre, guardando os problemas para si.
Trabalhadora informal há três anos, atuava com a panfletagem de uma loja de pneus na Asa Norte. Recebia R$ 70 por dia, independente da quantidade deles entregue. Não tinha nenhum outro tipo de direito ou auxílio. Acordava às 6h, para pegar o ônibus e chegar para trabalhar das 9h às 17h. Só de passagem, gastava R$ 14 por dia. Levava comida de casa para economizar seu salário.
O chefe chegou a lhe pedir para segurar uma faixa de publicidade para a loja, ao invés de distribuir panfletos, com mais outro colega, Alan Douglas. Naquele momento, ela não podia sair para se hidratar, ir ao banheiro, ou ao menos ficar sentada em uma cadeira, se isso ocorresse, seu chefe ficava bravo e a tratava com desprezo.
A Epifania
Por causa dessas condições de trabalho precárias, Gisele pediu demissão, ainda carregando as palavras que leva consigo. A renda da família, agora, ficou sob encargo do ex-companheiro, Wemerson, que é coletor, e tem 32 anos. Mesmo separados, ajuda financeiramente e na criação das crianças. Ainda recebeu em outubro sua última parte do auxílio emergencial. Agora está na 508 Norte, ao lado de um supermercado, com uma placa e palavras de pedido de socorro..
Do outro lado da rua
Alan, Douglas, de 28 anos, é amigo de Gisele e também mora no Novo Gama. Ele não guarda as palavras para si. Ex-vendedor de pacotes de internet, mora com a irmã e a filha de seis anos de idade. Ele também trabalhava com Gisele na loja de pneus e foi submetido às mesmas condições de trabalho que ela.
Abalado, repetia sempre a mesma fala na conversa“Tem palavras que doem mais que um tapa na cara, era melhor apanhar do que escutar isso.”. O sonho é ser policial civil e terminar a escola, mas teve que parar na 7°série para trabalhar e ajudar a família.
Junto à Gisele, se demitiu da loja e foi para o sinal da 508 Norte, pedir dinheiro e ajuda com uma placa de papelão para os motoristas que lá passavam, os mesmos que o tratavam com desprezo quando entregava panfletos. Alan conseguiu um emprego de pintor, e agora pôde se “aposentar” das ruas.
Dados desses trabalhadores
Os panfleteiros são um nicho de trabalhadores que sofrem com a falta de direitos trabalhistas, pois a panfletagem não se configura um trabalho formal. Há uma dificuldade em achar qualquer tipo de dados relacionados a esse tipo de trabalho, mas uma pesquisa realizada pelo Ministério do Trabalho em 2013, mostra que 39.597 panfleteiros, ou seja, 1,3% do total destes trabalhadores, foram formalizados naquele ano no Brasil.
Por Marco Antônio Feitoza
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira