Feira da Ceilândia: “está com dor?” Saberes populares estão expostos em cascas e raízes 

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

– Tempero, senhora? Arnica, barbatimão ?  


Em meio ao falatório intenso dos corredores na Feira Central de Ceilândia, região administrativa na periferia da capital do Brasil, pode-se ouvir uma voz destoando das muitas pessoas que passam pelos corredores, cheios de mercadorias de todos os tipos. A voz masculina convida quem procura produtos da natureza a visitar um estande carregado de verde. 

– Garrafadas ? Folhagem seca? Temos de tudo!

A banca, localizada no box 319, é repleta de folhas, recipientes com temperos, cheia da cor vibrante das ervas e em destaque na prateleira mais alta estão as garrafadas que prometem curar a dor mais dolorida. A pequena loja carrega um cheiro peculiar da mistura de um mundo de natureza em meio a barracas da feira, assim como a placa anuncia: “Mundo das ervas: Chás, temperos e produtos naturais”. 

Leia outras reportagens sobre a Feira de Ceilândia

Confira abaixo galeria de fotos dos temperos da feira

A voz que chama a freguesia é de Marcos Alves Barreto, 35 anos, vendedor de ervas e temperos desde 2010.  Vindo da Bahia para Brasília, ele diz já ter recebido o conhecimento dos produtos naturais de sua criação, mas só começou a colocar a mão nos temperos depois de chegar à capital. Trabalhou por quatro anos no shopping em cima do trânsito corrido do Planalto, o Conjunto Nacional, lá ele colocou em prática a teoria que recebeu da sua linhagem.

Depois da experiência com público de shopping, resolveu abrir uma loja para ser o próprio chefe. Era o primeiro de três empreendimentos. Foi a Taguatinga, onde ficou por dois anos, depois na W3 Norte, por mais três anos e na Feira Central de Ceilândia encontrou seu “ponto” de virada na vida. 

 

“Aqui eu tenho uma grande variedade de produtos, chás para emagrecer, para diabetes e para colesterol. Pílulas naturais para malhar e cascas de árvores para fazer chá”. 

 

Medicina da “pele” de árvores

 

As cascas de árvores medicinais ficam bem visíveis. Quem passa pelo corredor consegue enxergar o laço de fitilho que separa ,essas cascas, em espécies. As plantas expostas sem embalagem servem para tratar as mais diversas doenças. A que chama atenção é a casca de Barbatimão, encontrada em abundância no cerrado, por ser toda pigmentada em vermelho e por suas propriedades medicinais,  segundo a sabedoria popular, são cicatrizantes e anti-inflamatórias, antibacterianas e podem ajudar no tratamento de infecções na pele. 

 

Além disso, a casca dessa árvore pode ajudar no tratamento da saúde feminina – como hemorragias vaginais e infecções-  de forma natural e prática, basta colocar as cascas em uma panela com uma quantidade razoável de água e esperar ferver. Está pronto o chá.  

 

Lá existem outras variedades de cascas: Jatobá, Jurema Preta, Quixaba e Aroeira, cada uma traz uma solução para enfermidades. 

 

“A casca da Aroeira serve para tratar azia,gastrite, artrite, bronquite e infecção urinária… Basta tomar o chá ou fazer banhos de assentos para o caso das infecções. Além disso, a aroeira pode ajudar a diminuir a febre e a tosse”, destaca Marcos.

 

A casca de aroeira foi muito procurada durante o ano mais recluso da pandemia, em 2020, segundo Marcos. Como somente o lado dos serviços de alimentação e o lado medicinal ficaram abertos durante o lockdown, Marcos continuou trabalhando e contou que apesar de perder 60% dos lucros, as ervas eram procuradas pelos mais velhos. 

 

“As pessoas com mais idade vinham aqui atrás de chá para aumentar a imunidade, até tempero eles levavam para misturar no chá, como açafrão da terra mais conhecido como cúrcuma, que além de anti inflamatório aumenta a imunidade”. 

 

Atchim!!!

 

A procura do público mais velho também é direcionada às tradições antigas. 

“Eles procuram muito por rapé”, garante Marcos.

 

O rapé é feito de tabaco misturado com cascas de árvores, ervas e outras plantas. É um pó que se inala pelo nariz, possui efeitos curativos e provoca o espirro. O rapé é originário da Medicina Sagrada indígena, uma tradição cultural e espiritual. 

Segundo o Centro de Estudos Xamânicos, Serpente Sagrada, o rapé tem o poder de ativar o sistema límbico do cérebro, responsável pelas emoções e comportamentos. Ele é usado para caça dos índios, sendo estimulante, para tirar a “panema” (preguiça) e na hora da cerimônia do Nixi Pae (ayahuasca), as duas energias se unem e a Força vem com mais luz e mais profunda.

 

Garrafas que curam

 

A freguesia com história de vida – com mais idade- e o “pessoal da academia” como diz Marcos, são os que mais frequentam a banca, por tentar seguir a vida de forma natural sem os inúmeros industrializados que cercam a vida moderna. 

As garrafas que prometem “curar tudo” são o cargo chefe da casa, 40% dos produtos vendidos são elas, que curam as diversas dores. 

– Aqui as garrafadas fazem sucesso! São plantas medicinais geralmente misturadas com vinho ou com alguma bebida alcoólica, mas também podem ser misturadas com mel, vinagre, cachaça ou água. Elas ajudam a curar o intestino e doenças estomacais, depende da mistura.

Lá na prateleira de cima, os fregueses pode ler os diversos rótulos nas garrafas que prometem o alívio : Quebra Pedra, que ajuda a eliminar cálculos renais; Levanta o Velho, um composto sexual; Saúde do Útero, ajuda na saúde da mulher e a Garrafada Cura tudo, que quase cumpre o que o nome promete. Ela auxiliaria contra a gastrite, úlcera, pedra nos rins e no fígado.

Ajudaria ainda no tratamento da hepatite, na circulação, na contenção da pressão alta.  Diminuiria varizes, e até ajudaria contra a prisão de ventre e no controle de diabetes. Tratamentos naturais ou crenças sem bula, seja como for, melhor consultar profissionais de saúde antes de se perder por entre as cores e cheiros da feira da Ceilândia.

Por Ana Paula Marques
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress