No clássico conto “O pequeno polegar”, dos Irmãos Grimm, um menino muito esperto, com o tamanho de um polegar convence seu pai a vendê-lo na intenção de conseguir uma vida melhor. Polegarzinho promete ao pai que voltará logo, confiando em sua astúcia. No caminho, o menino passa por muitas adversidades, mas no fim de tudo, consegue voltar para junto de seus pais.
É justamente essa esperança em voltar para casa, apesar da situação, que serviu de inspiração para o nome do projeto europeu Pollicino- Fugge Dalla Guerra (Polegarzinho- Escape da Guerra), coordenado por Giovanni Calabrese, arquiteto, artista e ativista italiano. A iniciativa, que faz parte da missão europeia do Consórcio Sal da Terra, na Polônia, surgiu em 2017 e está atuando no contexto de guerra entre Rússia e Ucrânia.
Acolhida aos ucranianos
Em meio às invasões russas, a população ucraniana procura refúgio em países próximos, sendo a Polônia um dos principais destinos temporários. Com o objetivo de dar suporte rápido aos refugiados, o projeto Pollicino acolhe famílias que estão fugindo da guerra, recebendo principalmente mulheres, crianças e idosos.
De acordo com o coordenador, o trabalho se baseia no “Welcome” (Acolhida). Giovanni Calabrese diz que há uma cadeia humana de reconfiguração e resgate, que busca proporcionar às famílias refugiadas um lar estável e de qualidade rapidamente.
“Garantimos uma boa recepção de emergência na Polônia, identificamos as necessidades das pessoas e realocamos em bons sistemas de acolhimento, personalizando a integração e comprometendo-nos a não desenraizar os refugiados de suas terras”, explicou.
Em pequenos povoados na Europa, geralmente com menos de cinco mil pessoas, os imigrantes são introduzidos à comunidade local. Giovanni declara que, hoje, há cerca de 45 municípios parceiros do modelo de investimento social do Welcome e se tornaram acolhedores para estrangeiros e requerentes de asilo pelo Sistema de Acolhimento Integração (SAI).
Giovanni ressalta a importância de preservar a cultura de origem e a conexão com o país natal. “Hoje, como resultado da minha experiência viajando e morando pelo mundo, posso ajudar as pessoas a redesenharem um caminho que possa reduzir seu desconforto fora da terra natal.”
“A criança não deveria ver a guerra”
No dia 27 de março, Giovanni resgatou nove pessoas, sendo quatro mulheres e cinco crianças, em uma tenda a poucos metros da fronteira entre a Polônia e a Ucrânia. Elas enfrentaram três longos dias de viagem. No trem de evacuação, elas dormiam sentadas, com bebês nos braços. As crianças choravam, não entendiam para onde estavam sendo levadas. Apesar do frio e do volume de roupas necessário, cada pessoa não poderia levar mais de uma mochila como bagagem.
Dentre as mães, uma delas que estava com seu filho, gostaria de ir para a Inglaterra, um lugar que ela já sonhava em morar mesmo antes da guerra. As demais não tinham nenhum desejo, apenas o de escapar e encontrar um lugar seguro.
“No final, tudo é melhor que a guerra”, afirmou uma mãe de uma bebê de 7 meses para ele. Hoje, o marido dela está atuando na guerra pela Ucrânia. “Ela me disse que de manhã, quando acordavam com uma explosão, já esperavam o pior, que uma bomba atingisse a janela do quarto de seus filhos”, contou Giovanni.
Após uma operação militar, os sons dos aviões e explosões fizeram com que ela pegasse o primeiro trem de evacuação com suas duas filhas e sua mãe. “A criança não deveria ver a guerra”.
Compartilhando do mesmo sentimento, uma outra jovem que também fugiu do país com os dois filhos explicou que perdeu a avó na guerra e com toda a dor, não sabia mais para onde levar seus filhos para ficar segura. Ela não queria deixar o marido e seus pais, mas tinha que sair.
“Hoje, estão todos bem, posso dizer que após a fuga delas e das crianças, elas foram acolhidas por nossa rede até chegarem aqui na Itália”. A partir da fronteira com a Polônia, o projeto direciona os imigrantes a um município da rede.
Máquina de solidariedade
Giovanni Calabrese relata que o que mais o impressiona no projeto é a cooperação, caracterizando a rede como “máquina de solidariedade”. Ele diz que nunca havia visto uma Europa tão unida e caridosa, pois nos locais há muita esperança, com enormes montanhas de alimentos, medicamentos e roupas.
O ativista afirma que já teve contato direto com mais de 40 pessoas na fronteira, algumas somente no percurso inicial e outras sendo acompanhadas por ele até o local de destino. Ele diz que se sente responsável por cuidar dos imigrantes de alguma forma, mesmo tendo uma rede que garante tudo o que eles precisam.
“Quando você está lá e acolhe essas pessoas, você se torna um ponto de referência, eles confiam completamente em você, você vira alguém muito importante para eles.”
O “artevista”
Seja na fronteira entre a Polônia e a Ucrânia, ou na linha que separaria arte, arquitetura e ativismo, Giovanni Calabrese se vê sempre em cima do muro, entre dois fatores. Ele acredita que assim, amplifica seu campo de visão e aumenta suas oportunidades.
Foi na América Latina que Giovanni teve contato com novas formas de arte e mudou sua visão. Ele diz que começou a entender que seu papel era de redesenhar a relação entre as coisas, pois antes era como se suas atividades estivessem em campos separados.
Por isso, Giovanni está constantemente redefinindo seu esforço profissional, se colocando na categoria dos “artevistas”, uma forma de arte política que questiona as emergências contemporâneas. Ele afirma que sempre sente a necessidade em intervir quando testemunha desordem social, trabalhando nas áreas marginais em situação de emergência, como a América do Sul e a África Central, em especial no Quênia, onde estudou inovação e o processo participativo para a mudança social.
“A arte é frequentemente uma ferramenta para mudar as relações e construir novos laços com a população. Minha forma de intervir não é uma questão de conteúdo e forma, mas acima de tudo minha forma artística civil sempre foi uma questão de responsabilidade.”
Por Maria Tereza Castro
Fotos: Arquivo pessoal
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira