Está sob ameaça de desativação o Núcleo de Saúde Mental (Nusam) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), criado em julho de 2016, no Distrito Federal. O alerta é feito por profissionais e especialistas no tema. O serviço foi criado para atender exclusivamente os casos de transtornos psicológicos, como depressão, crises de ansiedade e ataques de pânico.
A equipe de reportagem ouviu profissionais ligados à rede pública e que concordaram em conceder entrevista na condição de anonimato. Uma fonte alerta sobre os riscos de desmobilização dos serviços diante de casos e comportamentos suicidas. “A perda de uma vida impacta diretamente, no mínimo, 5 a 6 pessoas diretamente. Esse impacto pode ser devastador a ponto dessas pessoas também terem esses pensamentos suicidas.”
Um dos entrevistados chamou atenção para que o Nusam surgiu em função de uma necessidade que a população tem de atender a urgências, principalmente as tentativas de suicídio.
Por outro lado, em nota, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal garantiu que o serviço ofertado na estrutura do Samu continuará a ser realizado de forma reorganizada. O que, segundo o governo, vai ocorrer a partir de agora é uma reestruturação interna administrativa “para que os serviços estejam subordinados às Gerências adequadas, que tratam especifica e adequadamente de cada caso abordado.” A secretaria destaca que a reorganização visa o fortalecimento dos serviços e valorização dos servidores.
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“Destruição”
De acordo com uma fonte que preferiu não ser identificada, essa organização, na verdade, é uma destruição do serviço. “O que está sendo proposto é que o serviço seja fatiado em três pedaços que ficarão sobre a gerência de três chefias que nada tem a ver com saúde mental, que não tem o menor entendimento sobre o assunto e já algumas vezes ouvimos falas bastante negativas, contrárias à existência desse serviço”.
Conforme essa fonte, essa “reestruturação” irá apenas enfraquecer o serviço. “O serviço ficará ainda pior.” Ele também alertou que houve uma mudança na estrutura de trabalho seis meses antes da pandemia (agosto de 2019) e se percebeu que ambulâncias que eram para ser usadas para o atendimento de casos de saúde mental estavam sendo usadas para outros serviços.
Segundo esse profissional, apesar do aumento “absurdo” do número de casos, o número mensal de atendimentos em saúde mental vem caindo progressivamente e assustadoramente. “Isso é bastante preocupante a maneira como o serviço vem sendo usado, de maneira bastante inadequada”.
Para ele, é necessário um cuidado ainda maior com os casos em situação de crise, pois sem a intervenção adequada, há possibilidade de 30% de cronificação dos sintomas.
De acordo com outro profissional, dividir uma equipe também não é valorizar os servidores como informaram. Essa fonte alerta que isso significa perder uma vaga nos colegiados gestores de saúde mental na SES. “Ser absorvidos por gerências que não compreendem saúde mental e estão já sobrecarregados com outras demandas do Samu, não é fortalecer um serviço, como estão informando.” Segundo esse profissional ligado à rede pública, um serviço como o NUSAM precisa crescer, ser planejado em conjunto com a rede de urgência e a rede de atenção psicossocial.
Segundo outra fonte, sem o correto amparo, orientação e tratamento os quadros de transtornos mentais podem agravar e aumentar. “É o que tem sido preocupação e alerta por parte das organizações internacionais de saúde”.
Consequências
Segundo um dos profissionais ouvidos, já existe, atualmente, uma descaracterização do serviço. “Não ter um núcleo planejado e pensado em como melhor atender as demandas de saúde mental, pode aumentar o adoecimento e agravamentos das situações de crise.” Ela também disse que haverá um aumento de filas de atendimentos nas unidades de saúde, pessoas sem orientações sobre onde receber atendimento adequado e famílias inteiras também adoecendo com a situação de crise.
Segundo a fonte C, ela entende que a existência e correta gestão de um serviço começa pela sua autonomia e reconhecimento nos níveis organizacionais, e a remoção pode afetar no sistema organizacional, “o núcleo de saúde mental que faz parte de uma Gerência deixará de existir e passará a integrar outras Gerências perdendo autonomia, suporte técnico e possibilidade de fortalecimento e melhoria”.
“Sem o correto amparo, orientação e tratamento os quadros de transtornos mentais podem agravar e aumentar. É o que tem sido preocupação e alerta por parte das organizações internacionais de saúde”, explica ela reforçando a importância de se manter um núcleo de saúde mental, que ampare a população, principalmente em tempos de pandemia.
Uma outra fonte vê a reestruturação citada pela secretaria de saúde como um retrocesso. “É o enfraquecimento da rede de atenção psicossocial, dos serviços de saúde mental e consequentemente desassistência à população, além de um aumento significativo das taxas de depressão, ansiedade, consumo de álcool e outras drogas.”
Ela ainda reforça que o trabalho da equipe do NUSAM é diferente dos outros setores. “Na maioria, entre 80% e 90% das intervenções que são realizadas por equipe especializada as ocorrências são iniciadas e finalizadas no local”.
Essa fonte entende que diferentes setores do SAMU fazem o transporte de pacientes para outros hospitais, enquanto que no NUSAM os profissionais tratam dos pacientes no próprio núcleo. “Ao contrário, nos atendimentos realizados pelas demais equipes, mais de oitenta por cento dos pacientes são removidos para unidade hospitalar.”
Por Lara Vitória e Maria Clara Britto
Supervisão: Luiz Claudio Ferreira
