Nova animação da Disney aborda sobre puberdade e representatividade

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Red: Crescer é uma Fera, lançado pela Pixar em março diretamente no serviço de streaming Disney+, gerou debates e polêmicas com o lançamento. O filme se passa em 2002 e conta a história da protagonista MeiMei (Meilin), uma garota de 13 anos, filha de imigrantes chineses nos Estados Unidos, que lida com a mãe superprotetora, Ming, e, ao mesmo tempo, enfrenta mudanças corporais típicas da pré-adolescência, se tornando um panda vermelho quando tem emoções intensas.

 

O filme tem como enredo principal as mudanças corporais que MeiMei sofre de acordo com seu humor, uma metáfora clara sobre as mudanças corporais e comportamentais que os pré-adolescentes enfrentam na puberdade. O tópico, que foi tabu por um longo período, foi o tema central do filme, além de abordar as dificuldades parentais enfrentadas na adolescência pela superproteção da mãe.

 

A diretora do filme, Domee Shi, vencedora de um Oscar pelo curta-metragem “Bao”, declarou que o filme era uma metáfora direta para a primeira menstruação e puberdade feminina, representadas pela transformação da personagem em um panda vermelho. 

 

Além da polêmica gerada pelo tópico, a animação também chamou atenção do público por contar com personagens que utilizam o libre (aparelho de medir a glicemia em pessoas com diabetes) e o hijab (uma vestimenta religiosa utilizada por mulheres muçulmanas). Apesar de não estarem na trama principal do filme, por diversas vezes ao longo do filme, aparecem personagens cadeirantes, vestindo peças de roupa características de alguma religião ou crianças usando libre. 

Visto no filme

O jovem estudante Eris Nunes, 21, relata avidamente sobre o impacto positivo que o filme teve para si. Ele é diagnosticado com diabetes e é usuário do libre, um aparelho que é sensor de glicemia e é necessário para o controle do açúcar no corpo. O aparelho fica colado na pele do usuário e, muitas vezes, machuca o local onde é aplicado e causa dor à pessoa que o utiliza.

“Eu fiquei muito surpreso, porque aparecem duas personagens que usam aparelho para medir a glicemia no sangue, similar ao que eu uso no dia a dia. Quando eu assisti, me senti visto pela primeira vez na minha vida. Era algo que nunca havia sido abordado e representado em filmes ou desenhos. Eu cresci sem referências similares a mim e ver isso no filme foi indescritível”, relata Eris.

Eris convive com o diagnóstico de diabetes há sete anos e comenta as dificuldades que enfrenta com a doença. “A diabetes é uma doença crônica, eu tenho que conviver com ela pelo resto da vida, porque não tem cura. Eu vou ter que usar o libre todos os dias, e é difícil ter que lidar com algo assim já que não se fala sobre no cotidiano”.

Eris explica que orienta os amigos mais próximos sobre como o ajudar caso ele tenha uma crise glicêmica. “Vendo as personagens eu não me senti sozinho, não senti vergonha da minha doença, porque pude enxergar, de fato, que há mais pessoas como eu. Pode parecer besteira para quem não é do grupo representado, mas para mim, foi indescritível”, declara o jovem.

Escola

O neuropsicopedagogo Mário Castro explica que as questões de representatividade infantil possuem impacto direto no ambiente escolar, principalmente com o retorno gradativo da rotina presencial.

“A escola da atual e pós pandemia, muitas vezes, representa o primeiro grande contato de uma criança com a sociedade. É na escola que ela vai encontrar pessoas diferentes, expandir sua visão de mundo e começar agir como parte de uma comunidade. Portanto, é essencial que a unidade de ensino saiba como trabalhar a representatividade, no qual os estudantes se sintam realmente representados e acolhidos”, diz Mário.

Mário trabalha atualmente na rede de ensino público do Distrito Federal e reitera que há questões de desigualdade social quando se trata da importância da representatividade. Ele explica que a escola é o único local que muitas crianças têm como fonte de conhecimento, uma vez que são de famílias de baixa renda, que não possuem celulares ou computadores para que eles possam pesquisar e ter acesso a informações.

A neuropsicopedagoga Eliane Castro, explica sobre as diferentes formas que a representatividade pode chegar até uma criança, e também a forma que elas lidam com isso. Ela diz que as crianças aprendem a partir do que elas recebem de ensinamento na escola e dentro de casa. “As crianças reproduzem o que vêem e o que ouvem, quando essa representatividade é apresentada cedo, o respeito acompanha. Quando o conteúdo é direcionado para esse público, isso afeta de forma positiva pois serão multiplicadores da maneira correta de como devemos ser”.

Ela acrescenta que as crianças são frutos da criação e do ambiente em que elas crescem e são criadas, e assim, da mesma forma que aprendem a respeitar o próximo, elas também podem aprender a ser preconceituosas. Eliane reitera que o que é representado no filme, por mais que seja uma ficção, ainda retrata a realidade, e que aquelas pessoas existem e uma criança pode se deparar com elas no cotidiano a qualquer momento.

Representatividade

Mário Castro reforça que a escola é um ambiente fundamental para ajudar crianças e adolescentes a se sentirem acolhidos e encorajados a debates sobre. Ele exemplifica a existência de coletivos de ensino médio e projetos escolares que debatem sobre feminismo, racismo, e questões LGBTQIA+. 

“É importante que eles sintam que a escola é um ambiente propício para essas discussões e recebam um incentivo da gestão escolar. Coletivos são focados em dar voz aos estudantes e garantir que eles possam realmente atuar em sociedade dentro da escola, não reprimi-los, com gritos e castigos.

Mário exemplifica algumas formas no qual a escola pode ajudar a promover as questões de diversidade e forma de acolhimento com os estudantes, como discutir personalidades brasileiras e internacionais que lutaram e lutam por representatividade social e que podem servir de inspiração para os estudantes e aproveitar datas comemorativas na escola, como o Dia da Consciência Negra e o Dia da Mulher, por exemplo, para abordar mais diretamente as questões sociais e impulsionar a conscientização dos estudantes.

Eliane complementa e diz que essas abordagens necessitam ser feitas com naturalidade e sem romantização do diferente, como se fossem pessoas inferiores ou incapazes. “ Os personagens normalmente eram sempre vistos brancos, isso transparecia para uma criança negra que ela não poderia ‘ser importante’, ou as princesas da Disney retratadas também brancas aparentava que negras não podiam ser princesa também. Isso foi mudando com o Pantera Negra, Lanterna Verde, Super Choque, temos a princesa da Disney, Tiana, todos mostram que é possível sim, e isso impacta diretamente na auto estima das crianças, que consequentemente interfere na aprendizagem”.

Impacto Social

A socióloga e professora Kamila Figueira explica que as imagens e os discursos presentes em uma produção cultural, ainda mais quando feita por empresas grandes como são Disney e Pixar, podem trazer ideologias, de forma que acabam criando novos padrões de pensamento e acabam repercutindo na dinâmica das relações sociais.

Ela ainda comenta que, por mais que as questões da representatividade estejam cada vez mais presentes nas animações e nos filmes, ainda é um aspecto que pode gerar desconforto em algumas famílias.

“Quando se fala de sexualidade tem toda uma questão moral por trás, as famílias querendo controlar e discutir apenas dentro da bolha familiar essas questões. E agora você tem um desenho que está querendo falar sobre isso, você tem uma animação que impacta e que pode impactar de maneira negativa por causa do controle que a família quer ter sobre aquele assunto”, completa a socióloga.

Quanto à representatividade de realidades que fogem do padrão antes visto nos filmes, como pessoas usando burca ou libre, a professora salienta a importância desses grupos aparecerem como protagonistas das histórias já que, antes, pessoas com deficiência ou costumes que fogem do padrão norte-americano eram colocadas num lugar de passividade, limitação ou pouco protagonismo.

“A representatividade não é só apresentar essas pessoas, mas apresentar em uma perspectiva de potência. Mostrando que essas pessoas dão conta, elas fazem, elas vivem, elas podem ter uma vida com suas deficiências, com suas questões e agirem no mundo, criarem, produzirem, serem referências.”.

De acordo com Kamila, o impacto gerado por apresentar essas pessoas em posições de menor ou nenhuma vulnerabilidade seria diretamente na autoestima daqueles que consomem o conteúdo e se enxergam naqueles personagens.

“O impacto seria então na autoestima, em como essa criança se vê, porque esse conteúdo trabalha para desconstruir a vergonha, os rótulos sociais. É importante para construção de novas identidades em que esses indivíduos são sujeitos da sua história, da sua ação, do protagonismo desconstruindo e trazendo novas perspectivas de identificação, de possibilidades para esses jovens”, completa a professora.

https://youtu.be/YeQoQNZq7wg

Por Mayariane Castro e Adryel Oliveira

 

 

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