Alunos explicam que volta ao presencial exige readaptação

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A estudante de Letras Sarana Sousa, de 27 anos, trancou quase todas as disciplinas neste semestre devido à dificuldade de se adaptar ao retorno das aulas presenciais na Universidade de Brasília (UnB). 

“O carro aqui de casa deu problema. Por esse motivo, eu teria que ficar muitas horas em transportes públicos para conseguir estudar presencialmente na UnB, o que seria totalmente inviável para mim neste momento, já que meus filhos pequenos precisam ficar na casa da minha sogra enquanto saio”, relatou Sarana. 

A estudante também diz que a volta às aulas presenciais prejudicou seus planos de se formar neste ano, desencadeando algumas crises de ansiedade.

“Fiquei bastante frustrada porque já estou no final do curso. Quero me formar logo. Depois de algum tempo, me acalmei e entendi que faz parte da vida, mas, no início, foi muito difícil para mim”, complementou Sarana. 

A frustração da jovem representa a realidade de vários estudantes da graduação que enfrentam dificuldades para se acostumarem com o retorno das aulas presenciais. As reclamações mais comuns são relacionadas à falta de tempo por conta da locomoção e ao custo financeiro de passar o dia fora de casa.

“Durante o processo de transição do formato on-line para o presencial, tive algumas crises de ansiedade e de choro, que foram engatilhadas devido ao cansaço e estresse, principalmente, nos primeiros meses deste ano. A maior dificuldade que senti durante esse período foi a questão da locomoção. É exaustivo e caro ter que me deslocar para a universidade e, em seguida, ir direto para o trabalho. Passo o dia, a tarde e a noite fora de casa”, desabafou Raquel Gaia, de 21 anos, estudante de Ciência Política na UnB. 

Para Raquel, o apoio de uma psicóloga foi fundamental para conseguir se acostumar à nova realidade e minimizar os efeitos da transição no formato das aulas. “A terapia foi essencial para que eu conseguisse identificar e entender a origem das minhas dificuldades. A partir dessa compreensão, consegui me acalmar e melhorar um pouco”, complementou. 

Assim como Raquel e Sarana, a estudante de Química Anelisa Granato, de 25 anos, também reclamou da dificuldade de locomoção e apontou que o modelo de ensino anterior era mais prático. “As aulas no formato on-line economizam tempo e dinheiro, o que é importante, principalmente, para quem mora longe da universidade. Foi um processo meio complicado de adaptação porque tudo mudou”, afirmou. 

Novidade

Por outro lado, Anelisa reitera que sua concentração melhorou com o retorno do ensino presencial. De acordo com ela, as aulas presenciais trouxeram esse aspecto positivo porque não é mais interrompida por familiares durante a explicação dos professores. “De qualquer forma, eu prefiro o ensino presencial porque o contato com o professor e com outros alunos faz total diferença no processo de aprendizagem”, alegou. 

O estudante de jornalismo Felipe Gonçalves, de 21 anos, também considera que a volta às aulas presenciais trouxe benefícios no processo de aprendizagem. “Não conseguia entender o conteúdo muito bem nas aulas on-line porque ficava disperso facilmente. Além disso, meu curso é muito mais prático do que teórico. Então, sim, senti muita diferença. Nesse sentido foi bastante positivo”, destacou. 

Felipe ressalta, no entanto, que sentiu dificuldade para organizar a rotina após a mudança no modelo das aulas. “Estava acostumado com a praticidade do ensino on-line. Por isso, me matriculei em muitas disciplinas e comecei a fazer vários trabalhos. Quando as aulas eram virtuais, conseguia fazer diversas atividades simultaneamente. Não ter mais esse tempo me causou algumas crises de ansiedade e cansaço excessivo”, complementou. 

Gatilhos

Já o estudante de Relações Internacionais João Veigas, de 27 anos, afirma que as aulas presenciais despertam gatilhos devido ao medo de ser contaminado pela covid-19. “Estar cercado de pessoas em um ônibus lotado ou em um anfiteatro cheio de cadeiras ocupadas, mesmo com todos usando máscaras, causa medo, ansiedade e insegurança. Essa preocupação marcou minhas primeiras semanas de aula. Contudo, agora, sinto que me adaptei à situação e tudo está sob controle na medida do possível”, disse.

O psicólogo e professor Áderson Costa Júnior afirma que o retorno ao ensino presencial pode ter levado alguns estudantes a enfrentar condições adversas que ficaram, por meses, ausentes, como encarar transporte urbano precário e cheio, enfrentar congestionamentos de trânsito, se alimentar de forma inadequada e ter que se deslocar por longas distâncias em tempo reduzido. 

Outro aspecto apontado pelo psicólogo é que alguns estudantes tiveram dificuldades com o ensino remoto, podendo ter a percepção de falta de aprendizagem durante esse período e, consequentemente, enfrentam maiores dificuldades para acompanhar conteúdos curriculares em ensino presencial. Essas adversidades, de acordo com ele, podem afetar a saúde mental dos estudantes da graduação. 

Para ele, o processo de readaptação às aulas presenciais deveria ter sido planejado sob uma perspectiva promocional. “Por exemplo, deveria começar de forma gradativa, do ensino remoto para um modo híbrido, e depois para o presencial exclusivo. Algumas disciplinas teóricas, por exemplo, poderiam ser mantidas em sistema remoto (ou, pelo menos, poderiam ocorrer de modo que o aluno pudesse escolher sua preferência). Os professores com maiores habilidades de comunicação, que sabem e gostam de usar ferramentas tecnológicas, e que sabem utilizar a didática com maior eficiência, poderiam manter aulas remotas, ou, pelo menos, disponibilizá-las como uma opção”, afirmou Áderson Costa Júnior. 

O psicólogo salientou, ainda, que procedimentos de acolhimento e exercícios de empatia deveriam ser adotados em todos os níveis de ensino. “Os professores deveriam ser treinados para essas estratégias. Além de aulas e atendimento às necessidades curriculares, as instituições de ensino deveriam disponibilizar atividades complementares: atividades sociais e culturais para fortalecimento de vínculos, desenvolvimento de habilidades artísticas, oficinas das mais diversas. Essas atividades poderiam minimizar a percepção de desajustamento ou de dificuldade de adaptação”, disse. 

Áderson Costa Júnior, no entanto, também apresenta algumas ressalvas. Segundo ele, crises de ansiedade e cansaço excessivo também foram referidos durante o período de ensino remoto.

“Ouvimos reclamações sobre o excesso de horas em frente ao computador, falta de  interação face-a face, falta de contatos pessoais, professores sem didática e sem conhecimentos tecnológicos para aulas remotas, estudantes que não se adaptaram às ferramentas e aos ambientes virtuais de aprendizagem, queixas corporais devido a falta de ambientes ergonômicos, redes de internet de baixa qualidade, entre outros. Por outro lado, muitos alunos referiram excelente adaptação ao ensino remoto e gostariam que esse modo de ensino fosse mantido (mesmo que parcialmente)”, complementou. 

Adoecimento mental dos estudantes da graduação é um problema antigo

Foto: Rodrigo Lima

Não é de hoje que a pressão causada pelo ambiente acadêmico adoece a saúde mental dos alunos. Segundo dados divulgados em 2016 pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários Estudantis (FORNAPRACE),  79,8%  dos estudantes da graduação enfrentam dificuldades emocionais que afetam a vida acadêmica. A pesquisa foi realizada no ano de 2014. 

A ansiedade (58,36%), o desânimo (44,72%), a insônia ou alterações significativas de sono (32,57%) e a sensação de desamparo/desespero/desesperança foram as principais dificuldades apontadas pelos estudantes que participaram da pesquisa da FORNAPRACE. 

Preocupação antiga

O psicólogo Felipe Diniz Marques afirma que a saúde mental dos estudantes da graduação já é uma preocupação antiga na área da psicologia. “Conseguimos resgatar pesquisas de trinta anos atrás que falam sobre esse assunto. A pandemia, no entanto, intensificou o sofrimento dos alunos. E os motivos para isso são, na verdade, diversos. Dificuldade financeiras, intensificação de quadros de humor que já existiam, instalação de transtornos de humor novos. Cada pessoa reage de um jeito, a pandemia é uma tragédia de dimensão global e bastante inesperada pela população. Tudo isso impacta cada sujeito e leva as pessoas a desenvolverem sofrimentos novos ou até mesmo piorarem quadros já existentes”, apontou. 

Para Felipe Diniz Marques, múltiplos fatores podem impactar na saúde mental dos estudantes de graduação. “Muitos universitários não apenas estudam. Eles têm trabalho e famílias. Além disso, tanto em universidade pública como privada, muitas dessas pessoas moram longe e precisam se organizar para conseguir estar em sala de aula e cumprir com o que é passado. As pesquisas mostram que parte do adoecimento dos alunos é a grande carga de estudo que é passada pelos professores com a baixa disponibilidade para realizar as tarefas. O ambiente acadêmico pode ser marcado, então, por uma pressão de fato muito maior do que a humanamente possível, podendo gerar frustração, medo e ansiedade nos estudantes”, disse.

O psicólogo também afirma que a pandemia e o sistema on-line fizeram com que os estudantes precisassem se reinventar. “Mudanças nunca são fáceis e costumam demandar um tempo para que a gente se adapte. Mudanças, porém, bruscas, podem ter um efeito diverso e nocivo do ponto de vista psicológico. Além disso, o próprio caráter de incerteza da pandemia diante de tanta morte, também contribuiu para levar as pessoas a um lugar de muita angústia”, complementou Felipe Diniz Marques. 

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Dicas práticas para instituições de ensino

O psicólogo Áderson Costa Júnior apresenta cinco atitudes que podem ser tomadas pelas instituições de ensino para ajudar a diminuir o adoecimento mental dos estudantes da graduação e, consequentemente, melhorar os resultados de aprendizagem, principalmente, no momento atual de readaptação ao ensino presencial. Veja a seguir: 

Dica 1) Utilizar algum critério de hierarquia para organizar as atividades do dia a dia. Por exemplo, o que você consegue fazer sozinho? O que precisa de ajuda? E que tipo de ajuda precisa? A partir desse levantamento, a instituição de ensino poderia anotar as dificuldades mais frequentes e organizar um sistema de ajuda. 

Dica 2) Gravar as aulas presenciais e disponibilizar em plataformas virtuais para os alunos que faltarem por algum motivo, principalmente, devido às dificuldades de locomoção. Além disso, seria interessante que os estudantes pudessem rever as aulas quando quisessem. 

Dica 3) Disponibilizar monitores (muitas vezes, os próprios estudantes mais avançados) para resolução de dúvidas e incentivar seu uso (até como critério a ser considerado na avaliação de desempenho).

Dica 4) Flexibilizar os prazos e individualizar o processo de avaliação para atender necessidades específicas de cada estudante.

Dica 5) Adotar estratégias criativas que instiguem a curiosidade e a capacidade de aprendizagem. 

Por Claudio Py
Fotos cedidas por Rodrigo Lima
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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