Ex-presidente do Inpe diz que situação da Amazônia pode ficar irreversível

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Exonerado em 2019 da presidência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o físico Ricardo Galvão crê que o “negacionismo” ambiental do presidente Jair Bolsonaro pode ser decisivo para deterioração dos biomas brasileiros. Ele entende que a principal preocupação, nesse momento, deve ser a Amazônia. 

“Do ponto de vista de influência nas mudanças climáticas e de regeneração, a maior preocupação é com a Amazônia. Isto porque é uma floresta úmida que, se for desmatada mais que cerca de 30%, pode atingir um ponto de irreversibilidade se convertendo em uma savana”, afirmou em entrevista à Agência Ceub.

Negacionismo

O professor explica que os satélites do INPE utilizam imagens de satélites de radar de abertura sintética e, apesar de não ser possível diferenciar incêndios de queimadas intencionais e controladas sem inspeção local, os dados têm 95% de acerto e são considerados entre os mais respeitados internacionalmente sobre florestas tropicais. Ele criticou a postura de Bolsonaro ao desacreditar os dados do instituto.

 

“Discurso diversionista e negacionista do governo, para desqualificar os dados do INPE. Os dados do sistema PRODES do INPE têm 95% de acerto e são considerados entre os mais respeitados internacionalmente sobre florestas tropicais”.

Foto: Agência PT

Galvão desmentiu ainda a afirmação que consta no Plano de Governo de Bolsonaro, que alega haver disparidade nos dados sobre queimadas e desmatamento. “São rotineiramente confrontados com os da NASA e da Agência Espacial Européia, pelos próprios pesquisadores que os produzem”. 

Ele deu razão à preocupação internacional em relação às queimadas na Amazônia, incluindo também reações nacionais de grupos fora da influência do governo.

“Amazônia, para que a floresta seja recuperada, é necessário zerar mediatamente o desmatamento e iniciar uma política agressiva de reflorestamento”, afirmou. 

 

Abaixo, confira trecho de entrevista do ex-presidente do Inpe

 

Agência Ceub – O senhor pode explicar como o país monitora as queimadas na Amazônia e nos outros biomas? De quem é essa missão?

Ricardo Galvão – O monitoramento do desmatamento e queimadas da Amazônia e outros biomas foi iniciado pelo INPE em 1988, utilizando imagens de satélites de observação da terra. No princípio eram utilizadas somente imagens ópticas, mas, posteriormente, começaram a ser utilizadas também imagens de satélites de radar de abertura sintética. Atualmente outras instituições, como a Embrapa, e ONGs, como o Mapbiomas, também fazem esse monitoramento, embora não de forma oficial.

Agência Ceub – Qual a diferença entre focos de calor, incêndio e queimadas? Os satélites podem se confundir em relação ao três?

Ricardo Galvão – Os satélites detectam emissão intensa de radiação infravermelha, provocada por focos de calor intenso, correspondente a queimadas ou incêndios. Não é possível diferenciar entre incêndios e queimadas intencionais e controladas sem inspeção local

Agência Ceub  – O mundo tem chamado atenção para as queimadas no Brasil. E o atual governo tem repudiado as críticas. Na sua avaliação, quem está com a razão?

Ricardo Galvão – Certamente as reações internacional, e também a nacional, fora dos grupos de influência do governo.

Agência Ceub  – Na sua avaliação,qual o nosso bioma mais ameaçado? O mundo fala sobre a amazônia.  Mas o cerrado não é a caixa d’água do Brasil? E a destruição do Pantanal? Estamos vivendo uma pane ambiental?

Ricardo Galvão – Do ponto de vista de influência nas mudanças climáticas e de regeneração, a maior preocupação é com a Amazônia. Isto porque é uma floresta úmida que, se for desmatada mais que cerca de 30%, pode atingir um ponto de irreversibilidade se convertendo em uma savana

Agência Ceub – O que o senhor acha das diversas falas já feitas pelo Bolsonaro, em que ele afirma que a Amazônia não queima por ser úmida? 

Ricardo Galvão – É difícil que incêndios acidentais, como os provocados por raios,  ocorram na Amazônia. Mas não há incêndios intencionais, porque eles são provocados sempre após o desmatamento e secagem parcial das árvores cortadas.

Agência Ceub – Professor, de quem é a culpa de todas essas queimadas? 

Ricardo Galvão – Muitos vilões, mas, na Amazônia o desmatamento e as queimadas de limpeza da terra são feitas principalmente para grilagem de terras não destinadas. Depois vem a ocupação para criação de gado, etc.

Agência Ceub – O Plano de Governo também fala de que uma base de dados é fundamental para que esse assunto tenha a necessária transparência. O senhor acha que o presidente queira dizer que os dados disponíveis são mentirosos? 

Ricardo Galvão  – Discurso diversionista e negacionista do governo, para desqualificar os dados do INPE. Os dados do sistema PRODES do INPE têm 95% de acerto e são considerados entre os mais respeitados internacionalmente sobre florestas tropicais.

Agência Ceub – O Plano de Governo do presidente diz que os resultados do monitoramento podem ser “extremamente díspares”, dependendo de como a leitura dos dados é feita, entre outros fatores. Isso realmente pode acontecer?

Ricardo Galvão   – Em ciência, sempre pode haver alguma divergência de resultados, isto é parte intrínseca do método científico. Mas não são resultados díspares. Os dados do INPE são rotineiramente confrontados com os da NASA e da Agência Espacial Européia, pelos próprios pesquisadores que os produzem. 

Agência Ceub – Ex-ministro Ricardo Sales falou em reunião no ano passado que era necessário “passar a boiada” no regramento ambiental enquanto só se falava sobre covid. Isso ocorreu? As normas foram enfraquecidas no Brasil nos últimos anos?

Ricardo Galvão – Não só foram fortemente enfraquecidas, como procurou-se legalizar o que antes era ilegal, por meio de novas leis e decretos.

Agência Ceub – Há algo irreversível em relação ao desmatamento via queimadas no Brasil?  As mudanças climáticas são irreversíveis?

Ricardo Galvão – Primeiramente, corrijo esta afirmação comum na imprensa de colocar o desmatamento após a queimada. Na Amazônia é exatamente o inverso.

Primeiro é desmatada e, depois de um período de secagem parcial do material, vem a queimada para limpeza da terra. Isso é o oposto do que se faz nas propriedades rurais no Brasil. Na Amazônia, para que a floresta seja recuperada, é necessário zerar imediatamente o desmatamento e iniciar uma política agressiva de reflorestamento. A evolução do aquecimento global depende fundamentalmente das medidas de redução da emissão de gases do efeito estufa. Se conseguirmos alcançar a chamada condição de carbono zero, o aquecimento ainda continuará por décadas antes de se notar uma reversão.

Por Rebeca Kemilly

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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