A Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), estava lotada. Uma cacofonia de sotaques, mas com clara predileção por aquele do interior do Centro-Oeste, ecoava pelo ar seco e quente do cerrado. O barulho era abundante: vuvuzelas, buzinas a gás ou mesmo a dos caminhões dos bombeiros, policiais ou militares, parecendo pouco preocupados com a imagem corporativa em meio ao mar verde e amarelo.
No desfile em si, manifestantes carregaram faixas com dizeres antidemocráticos, cobrando intervenção militar e ruptura democrática. Ali, na manifestação, o ambiente se mostrava outro, muito mais familiar, mas ainda com os mesmos cartazes. Tranquilo, apesar da desarmonia sonora e dos pedidos por intervenção militar. Pais e filhos, casais jovens e de meia-idade e grandes grupos de amigos davam uma impressão de início de carnaval, com crianças brincando perto de carrinhos de bebidas e outros vendedores.
O comércio informal, de fato, parecia uma das grandes forças motrizes do evento. Dezenas de quiosques e barracas que vendiam água ou bandeiras do Brasil se faziam presentes em frente à oportunidade de lucro fácil. “Estou aqui pela venda”, responde uma comerciante de camisetas, que preferiu não se identificar, à frente do Museu da República. Seus produtos variam, com diversas peças de vestuário destacando a bandeira brasileira. Contudo, ela afirma que a procura tem sido maior por peças que deixam claro o apoio ao presidente da República e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
O dia não apresentou muitos problemas de segurança. Com a expectativa de 500 mil pessoas, e porta-vozes dos trios elétricos afirmando um comparecimento bem mais alto que este, a Polícia Militar do Distrito Federal registrou poucas confusões até às 15h, horário em que a maioria dos manifestantes foi dispersada. Ao meio dia, porém, o clima já era de fim de festa, com multidões se encaminhando de volta aos seus carros ou hotéis. Nenhuma briga ou rompimento de barreiras policiais foram identificadas pela corporação. Contudo, após o término do desfile cívico-militar, jornalistas se queixaram de que teriam sido xingados e hostilizados por apoiadores de Bolsonaro em frente ao Palácio do Planalto.
Houveram furtos, porém. Segundo a PMDF, duas mulheres foram apreendidas em um ônibus no Setor Bancário Sul com 12 celulares furtados, que teriam vindo de participantes das manifestações e do Desfile Cívico Militar. Também foram registradas, pelo Corpo de Bombeiros Militar do DF, 35 atendimentos, entre mal súbito e queda da própria altura. Nenhuma das vítimas precisou ser encaminhada ao hospital.
Palanque político
Em meio às manifestações, o Ministério Público Federal instaurou um inquérito para fiscalizar o possível uso político do desfile militar, durante a realização do evento. Segundo o órgão, essa decisão de fiscalizar o desfile foi motivada por conta das manifestações previstas após o fim do desfile, entre apoiadores pró e contra o governo.
Essa medida foi tomada ainda na terça-feira (6), no mesmo dia em que Bolsonaro tentou costurar um acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal para permitir que alguns caminhoneiros participassem das comemorações do 7 de setembro na Esplanada dos Ministérios.
No ano passado, mesmo com determinações similares, o resultado foi diferente. Na ocasião, manifestantes com e sem caminhões desrespeitaram os limites impostos na esplanada e tomaram a região na noite anterior ao desfile.
Ao chegar no evento, Bolsonaro quebrou o protocolo e desembarcou do carro presidencial para cumprimentar apoiadores ao longo de todo o circuito do desfile. Logo antes do desfile, ele participou da Cerimônia de Hasteamento da Bandeira no Palácio da Alvorada, e afirmou que o povo brasileiro estava festejando, além da independência, a liberdade em si. “O que está em jogo é a nossa liberdade, o nosso futuro, e a população sabe que ela é aquela que nos dá o norte para as nossas decisões.”
Com a instauração do inquérito, o presidente da República não se pronunciou de maneira política durante o desfile, mas fez palanque após o evento, ainda na Esplanada dos Ministérios, em cima de um trio elétrico, antes de partir para o Rio de Janeiro.
Ainda no Distrito Federal, uma sessão solene em comemoração ao bicentenário da independência deve ocorrer nesta quinta-feira (8), no Senado Federal. São aguardadas as presenças dos chefes dos três poderes, já que os membros do Judiciário e do Legislativo não estiveram no desfile que ocorreu na Esplanada dos Ministérios.
Outras capitais
O bicentenário da independência também foi comemorado no Rio de Janeiro, no famoso cartão postal, o calçadão de Copacabana. A programação incluiu exercícios militares, “motociata” e manifestação a favor do governo dde Jair Bolsonaro. As comemorações começaram por volta das 8 horas, com um grupo de artilharia que realizou uma salva de tiros do Forte de Copacabana, uma hora depois, a Marinha exibiu seus navios na Baía de Guanabara.
Os apoiadores de Bolsonaro escolheram o Posto 5 como “marco zero” dos atos. Os organizadores da manifestação levaram trios elétricos e carros de som para a via. Bolsonaro chegou na antiga capital federal por volta das 14 horas, onde foi recebido no Aterro do Flamengo, e participou de uma motociata com apoiadores.
Já em discurso, Bolsonaro, em tom eleitoral, atacou o adversário do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, que tenta voltar à presidência da República, refutou suspeitas de corrupção e atacou o STF. Diante dos apoiadores gritou: “Não sou muito bem educado, falo palavrões, mas não sou ladrão”. Antes do discurso, o ex-assessor Fabricio Queiroz, hoje candidato a deputado estadual pelo PTB-RJ, estava presente. Queiroz é acusado de ser o operador financeiro do esquema de “rachadinha” no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL), filho do presidente, na Assembleia Legislativa do Rio.
Em São Paulo, os manifestantes se concentraram em frente ao Museu da Arte de São Paulo (Masp), a maioria dos participantes estava vestida de verde e amarelo e levavam cartazes com escritos em inglês, espanhol e francês, pedindo o voto impresso e críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro não compareceu ao ato em SP, a expectativa do público é que ele aparecesse por vídeo, mas o presidente do movimento Nas Ruas, Tomé Abduch, por volta das 17 horas, afirmou que por problemas técnicos não haveria discurso. Por volta das 17h30 os manifestantes se dispersaram devido à chuva, ao som de axé e ritmos de carnaval.
De outro lado, integrantes de movimentos sociais e entidades ligadas a governos de esquerda participaram do Grito dos Excluídos, na Praça da Sé, onde serviram um café da manhã a pessoas em situação de rua.
Por André Viana e Helena Mandarino
Supervisão de Vivaldo Sousa