Uma rotina sacrificante. Recenseadores contratados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dizem que recebem desacatos, demonstrações de desconfiança, planejamentos difíceis de serem cumpridos e promessas. Por outro lado, garantem que não recebem salário em dia nem um sistema adequado de coleta. Mais de 150 mil profissionais foram contratados em processos seletivos. A assessoria do IBGE, em comunicação com a reportagem, garantiu que os eventuais problemas já foram resolvidos.
Porém, um funcionário que atua no Distrito Federal, que preferiu não se identificar, explicou que o sistema é muito falho e lento, e isso atrasa o trabalho dos recenseadores. De acordo com ele, o equipamento disponibilizado para a realização da coleta de dados é antigo e “cheio de bugs” e que, por conta disso, já houve situações em que os questionários já coletados durante o dia simplesmente desapareciam.
“Teve recenseador que perdeu mais de 30 questionários. Nem com backup recuperava”, reclama. Ademais, ele relata que, no DF, os equipamentos sofreram um ‘recall’ (solicitação de devolução), o que fez com que os recenseadores ficassem pelo menos duas semanas sem poder trabalhar. Os funcionários só recebem o que foi acordado mediante a produção.
Produtividade
” Os recenseadores tiveram acesso a um simulador do IBGE, que dizia que por 25 horas de trabalho, ganhariam R$ 1,9 mil, porém, não é isso que tem acontecido”. O recenseador explica que, até o fim do primeiro mês de trabalho (agosto), mais de 90% dos recenseadores ganharam menos de um salário mínimo, onde alguns destes ganharam menos de R$ 100, além dos atrasos nos pagamentos, que não são realizados desde o dia 31 de agosto.
“Sem cobertura”
Como só ganham por produção, qualquer gasto com possíveis acidentes de trabalho ou problemas de saúde, não são cobertos pelo IBGE. Para um recenseador entrevistado , não há qualquer suporte psicológico ou de saúde em geral para os recenseadores. “É um sentimento generalizado de ter sido enganado, pois não ganhamos dinheiro nem para nos alimentar”, lamentou.
Afora esse problema, profissionais entrevistados dizem que estão sendo desacatados. “Só com boletins de ocorrência feitos, já foram mais de cinco apenas em sua área”.
A dificuldade de entrada dos recenseadores em prédios ou condomínios tem também atrasado o trabalho porque eles convivem com ausências ou recusas.
Mais reclamações
Uma outra trabalhadora lamenta que apenas na segunda metade do mês de agosto, teve acesso, por meio de um colega, a um documento que continha o fluxo de pagamento dos recenseadores. “Os recenseadores não tinham ciência dos processos de pagamento, nem durante o treino nem no início da coleta”.
Ela explica que os ACS (agentes censitários supervisores), não disponibilizaram os documentos em momento algum. “Só soubemos que a condição para receber o salário era o cumprimento de 95% do total de pesquisas requisitadas a cada recenseador quando soubemos do documento. Isso nos deixou completamente no escuro”, disse.
Ela revela que também teve problemas com o seu aparelho de coleta de dados, o DMC. “Ele estava com 31% de bateria, e aí, desligou, sem motivo”.
“Já perdi um questionário de amostra (o questionário mais complexo) feito em uma determinada residência por conta do travamento do aparelho”. Além disso, lamenta falta de condições com os recebimentos. “No meu setor, eu recebo R$ 300 reais de ajuda, e é insuficiente. Eu não consigo usar o dinheiro para a gasolina da minha moto e para a alimentação”.
“Vejo muitos recenseadores desistindo, principalmente nas áreas rurais, por não terem uma alternativa para se locomover, e por conta dos ônibus não chegarem ali”. Na opinião dela, daqui para frente, a coleta de dados vai ficar cada vez mais difícil, na medida em que as áreas urbanas forem sendo concluídas, e somente as rurais forem sobrando. “Creio eu que o Censo vai demorar mais para ser concluído do que foi previsto”, opina a funcionária.

Equipamentos novos
Segundo a assessoria de comunicação do IBGE, em relação aos equipamentos para a coleta de informações, os aparelhos foram adquiridos para o censo deste ano. “São todos novos e adquiridos para esse censo”, argumenta a assessoria.
De acordo com o coordenador de Informática do Censo, José Magno de Avila Junior, a afirmação de que os aparelhos são velhos é uma mentira. “Foram adquiridos no segundo trimestre de 2021, e só foram utilizados pelo IBGE no Censo 2022, a partir de 1º de agosto”.
“Não há registros de duas semanas sem equipamentos para trabalhar. Os equipamentos com defeito foram substituídos ao Recenseador por outro em funcionamento numa média de cinco dias corridos”, relata José Magno.
O coordenador explica que, dos mais de 2.600 aparelhos, cerca de 110 apresentaram defeito no funcionamento na preparação uma semana antes do início da coleta. “Então, para que o recenseador não ficasse semanas sem trabalhar, foram entregues outros equipamentos para substituir os com defeito”.
Pagamentos foram reprocessados
Acerca das questões que envolvem os problemas de pagamento, a analista Michella Cechinel explicou que os pagamentos atrasados foram ordens bancárias canceladas. “Por conta de algum motivo o pagamento retornou para o IBGE e o reprocessamento leva um tempo”, respondeu a equipe de RH em mensagem, encaminhada para a equipe de reportagem por meio da própria Michella, que ainda completa a informação dizendo que são apenas alguns pagamentos que se encontram assim, e que a grande maioria “está ocorrendo normalmente”.
Para a realização do Censo de 2022, foram reservados pela União R$ 2,5 bilhões. As chances de o levantamento estatístico demográfico não acontecer eram reais. “As coisas só tomaram um rumo positivo por conta do STF, que obrigou o governo a liberar os recursos necessários para ele acontecer”, confessa a analista do IBGE.
por Gabriel Botelho
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira