“Bolsonaro cuspiu na estátua do meu pai”, recorda o escritor Marcelo Rubens Paiva

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O escritor Marcelo Rubens Paiva recordou, em palestra, em Brasília, que o então deputado federal Jair Bolsonaro cuspiu, em 2014, no busto na Câmara dos Deputados, em homenagem ao pai dele, o deputado Rubens Paiva (1929 – 1971), que morreu vítima das torturas no Rio de Janeiro.

“Ele xingou a minha família e disse que tínhamos ajudado na fuga de Carlos Lamarca. Meu pai não era comunista, era um trabalhista. A minha família tinha uma fazenda a 80 km de um campo onde o Lamarca treinava, e na sua fuga, ele cruzou a sede dessa fazenda. Mas meu pai não tinha nada a ver com aquilo, morava no Rio de Janeiro e ia muito pouco para lá”, explicou. 

No livro “És tu Brasil”, ele conta essa história. “Eles (militares) dominaram o país e acabaram com a democracia por 26 anos. O meu papel como escritor era de registrar aquele tempo para futuros leitores entenderem como era o Brasil”, complementou Paiva sobre a obra.

Já em Ainda estou aqui”, o paulistano confessa serem os mesmos acontecimentos do livro “Feliz Ano Velho” só que do ponto de vista de sua mãe. “Não consigo me desvencilhar das minhas memórias”.

A cassação e morte do pai dele, o deputado Rubens Paiva, é motor para a sua produção literária. “O que aconteceu com a minha família me moveu a escrever”, disse em palestra no projeto “Diálogos Contemporâneos”. “A memória é o grande seredo da escrita”

Foto: Catharina Braga

Para o escritor, a memória coletiva é o que livra a sociedade do esquecimento social. “Nos dá a identidade e o sentimento de pertencimento. É a possibilidade de exercício da cidadania”.

Memória do pai

O escritor contextualizou que o ex-deputado do PTB Rubens Paiva, seu pai, foi vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) responsável por investigar as ligações do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) com grandes banqueiros americanos que supostamente estariam financiando os membros do Ibad a aplicar um golpe de estado.

Por esse motivo, Rubens Paiva foi cassado e obrigado a se exilar por quase três meses com a família na embaixada da Iugoslávia. “Quando voltou para o Brasil, o meu pai não participou da luta armada. Ele não era de nenhuma organização clandestina, mas ele ajudava pessoas a fugirem do país e, na tortura, acabou morrendo”.

Brasília

Marcelo revelou também ter estado em Brasília em vários períodos importantes da história: no ano do golpe militar, no movimento das “Diretas Já” e quando Fernando Henrique Cardoso assinou a Lei dos Desaparecidos Políticos na Ditadura, momento marcante para a sua família.

“Em 1996, a gente não tinha um atestado de óbito do meu pai, e ele havia morrido em 71. Havia cheques dele que a gente não podia descontar, dinheiro do seguro de vida e ações de empresa que já tinham até falido. Estava tudo parado”, desabafou.

A mãe heroína

O escritor mencionou ainda que, após a assinatura da lei, a sua mãe (Eunice Paiva) abraçou FHC e um general que estava ao seu lado, cena que foi capa de jornais ao redor do mundo.

Ele expôs com orgulho: “Minha mãe era uma figura fantástica. Apesar de ter ficado 13 dias presa em uma cela no DOI-Codi, sem tomar banho e sem comer por mais de 10 dias, esse gesto de tamanha beleza me fez repensar toda a história da minha família e ver que a verdadeira heroína é a minha mãe”.

 Ele ainda afirmou que a participação dela foi importante na redemocratização. De acordo com ele, depois que foi solta, ela deu entrevista para correspondentes estrangeiros, esteve com o líder democrata que denunciava as torturas militares no Brasil, participou das “Diretas Já” e esteve na foto que registrou manifestantes de amarelo no aeroporto de São Paulo se levantando contra a ditadura.

Além disso, a advogada Eunice Paiva fez parte da constituinte dos Direitos Humanos dos desaparecidos e foi ativista na demarcação de terras indígenas.

“Tempo perdido”

Marcelo também disse na palestra ter sido convidado para passar o carnaval na capital em 1983 com o Legião Urbana, que eram seus amigos em São Paulo.

Pensando que passaria o feriado tranquilo, o autor desabafou ter ficado incomodado com os ensaios bem cedo pela manhã da banda, já que estava trabalhando no álbum “Dois”.

Segundo ele, um dia Renato Russo pediu ajuda para ele na composição da música “Tempo Perdido”, mas, já irritado, Marcelo respondeu “depois, temos todo o tempo do mundo”, que acabou entrando na letra da canção.

Apesar dos problemas, o jornalista assegurou que o tempo que passou com o Legião Urbana foi agradável, pois ele conheceu o “lado B” de Brasília.

Por Catharina Braga
Foto de capa – Divulgação

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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