Bienal do Livro: autor de literatura de cordel condena preconceitos; “é uma estupidez”, diz

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“O preconceito com o nordestino é estupidez”. O cordelista Gustavo Dourado, que é baiano e apresenta os pequenos livros na Bienal do Livro de Brasília, considera que têm sido recorrentes manifestações de agressividades contra nordestinos.

“Aqui temos a oportunidade de romper com o Apartheid cultural que existe contra a periferia e contra o nordeste, o que é feito por meio do livro, da leitura e da consciência crítica”, sintetiza. Além de cordelista, ele é poeta, romancista e pesquisador. O autor chegou à capital aos 15 anos de idade. Ele morava em Irecê, na Chapada Diamantina, onde começou o seu amor pela literatura. “Aprendi a ler e a escrever aos três anos de idade, e, desde essa época, já rabiscava algumas coisas”. 

Por ter nascido no Nordeste, e por possuir, de fato, um vínculo permanente com a região através de suas obras, Gustavo Dourado também foi questionado pela reportagem acerca dos recentes episódios de preconceito com o povo nordestino, resultantes dos nervosos tempos vividos por conta das eleições presidenciais. Para o autor, o descaso com os habitantes da região é uma estupidez. 

“Nós temos de ter orgulho do nordestino, pela sua capacidade, sua criatividade”, se revolta. De acordo com ele, o preconceito com o nordeste de outras regiões do Brasil é indignante, pois, além do aspecto cultural, foi o próprio povo nordestino que saiu de sua região para apoiar as construções das maiores cidades do país, como Brasília e São Paulo, por exemplo, e que, infelizmente, o preconceito se trata de algo mais econômico. 

“É uma burrice, uma estupidez, nós temos o mesmo sangue, só gente boba, fanática faz isso, que não tem capacidade de discernimento. Isso tem que acabar.  É o ovo da serpente do fascismo”.

Testemunha de conflito

O autor explica que, por ter vindo de um ambiente que foi palco de muitos conflitos de terra, desenvolveu, ainda menino, uma paixão pela arte do improviso, do repente e, sobretudo, pelo cordel. 

“Com toda essa riqueza linguística na Chapada Diamantina, eu aprendi a absorver o mundo mágico dos cantadores e romancistas da literatura de cordel”.

À medida em que envelhecia, Gustavo conta que foi, cada vez mais, se aprofundando em outras linguagens, estudando outros autores, como Jorge Amado, Gabriel Garcia Márquez e Guimarães Rosa, e que, por conta disso, começou a enxergar a necessidade de encontrar um horizonte maior. 

“O acesso que eu tinha era, ao máximo, a uma Bíblia, a um dicionário antigo e aos folhetos de cordel, além da própria literatura oral. Aquela região já não me oferecia mais a amplitude que eu necessitava”.

Gustavo Dourado recitando um de seus cordéis durante a Bienal do Livro; Foto: Marcello Hendricks

Novidades

E então, aos quinze anos, Gustavo foi enviado pelos pais para Brasília para “conhecer e desbravar o mundo”, onde recebeu, também, a chance de ter, pela primeira vez, contato com a realidade do concreto, da modernidade e da contemporaneidade. 

Após três anos morando e estudando no Colégio Agrícola de Brasília, o então aspirante a cordelista foi aprovado na UnB, onde estudou até se tornar professor.

Lá, desenvolveu vários projetos culturais, na década de 70 e 80, onde fazia shows, eventos, palestras, levava poetas e vários artistas para que mostrassem um pouco da sua arte. 

“Acho que era o destino (sobre ter vindo para Brasília). Porque eu tenho a verve do nordestino do sangue, o sangue dos bandeirantes”, se orgulha. 

Premiado

Ao longo dos seus 36 anos inserido entre todas as tantas vertentes da literatura nordestina, Gustavo Dourado acumula títulos e conquistas.

O autor é o único acadêmico titular da Academia Brasileira de Literatura de Cordel da região do Distrito Federal, posição a qual lhe foi concedida após ter sido reconhecido pela própria entidade como o detentor do recorde de cordelista com maior número de cordéis escritos no mundo, com mais de 2 mil. 

Além disso, Gustavo é membro-presidente da Academia Taguatinguense de Letras, foi reconhecido como mestre da cultura-popular, e possui várias publicações, como cordelista, como poeta, como jornalista, professor e pesquisador. “Me orgulho muito”, sorri. 

Variedade de cordéis escritos pelo autor Gustavo Dourado; Foto: Marcelo Hendricks

Inspirações

Em cima da mesa a qual estava sentado na Bienal do livro, durante a exposição do espaço da Academia Taguatinguense de Letras, estavam várias de suas obras, entre livros de diversos temas e tamanhos e cordéis dispostos em uma caixa de madeira, todos de autoria própria. Mas, entre todos eles, alguns mais especiais do que outros. 

“Aqui está a minha antologia, onde eu conto a história de setenta autores da literatura brasileira em cordéis, e também falo de autores como Cora Coralina e Cecília Meireles, além de autores nordestinos como um todo. Também estou com esse novo livro aqui, que se trata de palavras que crio, no logismo”.

A cereja do bolo, no entanto, é um dos outros tantos livros que já publicou. Trata-se de sua obra “O Cordel e a Literatura na Comunidade”, livro que lhe concedeu, em 2018, o Prêmio Culturas Populares do Ministério da Cultura, com nota 9.8, conquista essa que lhe trouxe justamente o reconhecimento como mestre da cultura-popular.

Na premiação, liderou no Distrito Federal e figurou entre os três mais bem colocados da região Centro-Oeste, além de ter tido a sua obra indicada pela UNESCO. 

Dourado trata de explicar, também, que a sua presença na Bienal do Livro não se trata de uma novidade ou aleatoriedade. Participante da primeira feira do livro, em 1980, o baiano é um dos fundadores do evento. De lá para cá, em 2012, participou da primeira reunião da Bienal, onde também fez parte, inclusive, de todas as outras seguintes.  

Por presidir a Academia Taguatinguense de Letras, e por já fazer a inclusão e a inserção de artistas para participar e fazer os seus lançamentos no evento há algum tempo, tanto para promover uma inclusão cultural, quanto social, Gustavo considera que tem o gene da feira do livro e da Bienal.  

Obra de Gustavo Dourado ‘Cordelos’, exposta na Bienal do Livro; Foto: Marcello Hendricks

Por Gabriel Botelho
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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