Observar Flavia Portela e não identificá-la com o Conic requer um considerável esforço. A arquiteta (que no Conic foi indicada como Prefeita), de 52 anos, mantém a classe e a pompa apenas na caminhada, com o olhar fixo para a frente. Nele, ela nem sequer bisbilhota o chão, tal como surgiu o próprio Conic, sem se importar com o primeiro shopping center da cidade sendo construído ao lado. A bolsa, segura com o braço arqueado, de punhos para cima, estilo madame, o que lembra as poses de alguma exposição fotográfica que é mostrada ali, enquanto por vezes mimifica o discurso que tanto gosta de entoar, lembrando, de leve, um dos pastores que há poucos anos faziam parte da maioria do Setor de Diversões Sul.
Segundo a Prefeita, o lugar “é um dos espaços mais democráticos da cidade”. Se você é morador de Brasília, basta um esforço para lembrar do retângulo apertado, porém caprichado, que era o Café Eldorado, por exemplo, cujo aroma chegava até os vizinhos que permanecem ali até hoje. A loja de skate, a todos os dias recebe skatistas à sua frente e observa a combinação entre o giro das pranchas em rodas no ar e o pouso seguro, demonstração da destreza dos pés que calçam o tênis folgado, quase que escapando, do habilidoso rapaz de cabelo longo e roupas largas. Outro, porém, vê seus dias tenebrosos. A Faculdade Dulcina, que divide com a UnB o cargo de únicas duas faculdades de Artes Cênicas da Capital já está fechando seu teatro, chamego da maioria dos alunos. Ali eles mesmos elaboravam das mais histéricas tragédias à remontagem de musicais e, por vezes, depois da descida da escada ao lado esquerdo da bilheteria, haviam exposições fotográficas ou de quadros na parede oposta à entrada da sala do teatro.
Aliás, que trabalhador não ficaria intrigado e criança envergonhada ao se deparar, logo depois da primeira entrada do Setor de Diversões Sul, com a sexshop que havia ali? O vermelho que passava o ar de provocação era brilhante, e fazia o mínimo para ser discreto aos transeuntes, como devia de ser. Não só isso, dando meia volta e olhando para a esquerda, você poderia ver uma loja de sucos de guaraná, açaí, que a cada bons minutos liberava uma fornada de pão de queijo à cesta. Do lado, uma barbearia clássica, com direito à transmissão dos jogos da série B aos sábados e papos não muito aprofundados que vão da bunda da fulana coelhinha do mês ao artilheiro X, que chegou mais uma vez atrasado no treino. E, claro, o clássico bar, que de segunda a sábado, sem distinção de raça, cor, credo, ou gênero, posta suas mesas e cadeiras amarelas de marca de cerveja para receber os copos “pé-sujo” para os sedentos que passam por ali. Alguns, aliás, são responsáveis pelo aumento de decibéis no local com conversas catárticas.
Há uma década, quando assumiu a prefeitura, Flávia conta que, em reuniões ou eventos era recebida com um tom debochado por alguns – inclusive amigos. “Lá vem a prefeita do Conic!”. A Prefeita do Conic, espirituosa, respondia: “você já recebeu seu sex card hoje?” Tal qual Gay Talese define que Hugh Hefner (dono da Playboy) foi o grande personagem do século por virar as mesas sobre o tabu da sexualidade norte-americana, a relevância do Conic não pode deixar de ser notada.
Pelo menos para os mais… assíduos, que ali podiam aproveitar as casas de massagem, boates de strip-tease e cinemas pornôs. Como o Cine Hits, um dos maiores cinemas-pornô da cidade, que fechou, e deu lugar para uma igreja. “Era um templo, agora é outro”, brinca. Quando assumiu, a Prefeita relembra que o sujeito “já saía do cinema pornô para ir rezar”, tamanha era a variedade do Setor de Diversões Sul, que há 10 anos abrigava uma sede da Igreja Universal. Agora, com o crescimento, a instituição passou a ter templos, não de Salomão, em outras regiões da cidade.
Com semblante um pouco mais sério, sem nunca deixar de sorrir para indicar um pensamento espirituoso, que aliás usa para soltar pérolas como “prefeitura é quase um sacerdócio”, Flávia se lembra das promessas do governo atual, que não foram cumpridas. Ela se lembra da ocasião quando estava acontecendo uma cerimônia do projeto “Cara e Cultura”, em 2009, e o governador Agnelo, surpreendentemente, apareceu no evento. “Tivemos quase que expulsar”, brinca. É um local hostil para políticos, não para política.
Antes de assumir “o sacerdócio”, a Prefeita acompanhou o último prefeito por dois anos. O erro do predecessor, para ela, foi ter tentado “transformar o Conic num Conjunto Nacional”. Nesse tempo, ela ficou responsável pelo projeto urbanístico e arquitetônico do SDS, e acabou sendo autora de projetos como o da praça do Conic, por exemplo. Hoje, vê na gastronomia uma possibilidade para aumentar o uso do lugar, que chega a receber 400 mil pessoas num dia.
A dificuldade de tratar de cultura negra é evidente. “Vou parar de falar de cultura negra e começar a falar de coisa de boiadeiro (para conseguir mais atenção)”,ironiza a Prefeita. Mas o projeto vem se mostrando cada vez mais importante. A última edição trouxe um livro com fotografias em regiões africanas, que merece atenção. Apreço que, segundo Portela, deve também ser dado para alguns dos nomes de artistas negros na Capital como Julio Ramos e o maestro Xaxará de Prata.
Em toda a entrevista, a Prefeita dá seu ar mais sério ao comentar um aviso que sempre passa a estudantes que vão fazer reportagens sobre o Conic com ela. “Já no início pergunto: você tem a mente aberta ou não? Caso não, falo para não entrar”
Mas o ar sério logo se esvai com as comparações metafóricas e gráficas da Prefeita quando, por exemplo, desmente a comparação com o Conjunto Nacional, no discurso que mais gosta de usar: “[…] não é o primo feio […]” ou o “patinho feio”. Oras, “O Conic já foi o point da cidade!”. Ao por os óculos de sol, cujas lentes quase alcançam as sobrancelhas, a Prefeita se despede. E caminha, com o punho para cima, mão arqueada segurando a bolsa, e a classe que tenta acrescentar ao Conic.
Por Álvaro Viana