Aos 65 anos de idade, Marineide de Souza precisa se deslocar de onde mora, no Setor de Chácaras de Santa Luzia, na Estrutural, para viver com menos de dois salários mínimos (R$ 2,4 mil) por mês.
Ela sai de casa às 5h20 para trabalhar como diarista, na Asa Sul, e durante a tarde como catadora de latinhas, na Asa Norte.

De acordo com o mais recente Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) realizado no Distrito Federal, em 2021, o Scia/Estrutural (0,72) encabeça o ranking geral como a região mais vulnerável. A menos de 20km, o Plano Piloto (0,15) a situação é bem diferente. Quanto maior o IVS, mais vulnerável é a região.

(Resultado geral do Índice de Vulnerabilidade Social (IVS). Fonte: Codeplan)
Nascida em Alagoa Grande (PB), a catadora e diarista é também técnica de enfermagem aposentada, mas se mudou para Brasília em 2007 para garantir renda extra diante do baixo salário recebido.
“Continuo trabalhando em outras áreas, porque o salário (aposentadoria) da gente é muito defasado e as coisas subiram um absurdo de preço. Então, tenho que fazer alguma coisa para completar a renda do dia a dia”, lamenta.
Por invalidez oriunda de problemas de saúde, ela precisou se aposentar aos 42 anos e hoje recebe apenas R$ 572 de aposentadoria líquida pelo INSS. O desconto no valor se dá por conta de empréstimos consignados que fez ao longo dos anos para poder visitar e cuidar da mãe na cidade natal.
Mãe de seis filhos, dois falecidos, outros três casados que moram na Paraíba e a filha caçula é quem ela consegue ver com maior frequência, pela proximidade. Ela mora no barraco ao lado, mas só conseguem se ver de 8 em 8 dias, devido a diferença na rotina de trabalho.
A solidão de não conseguir tempo para a família é amenizada pela relação de irmandade com os moradores locais. “Aqui na comunidade, se nós sentimos uma dor, o vizinho da direita, da esquerda, o mais próximo, o mais distante, já está sabendo que estamos com aquela dor, na intenção de ajudar e de comunicar”, revela.
Do outro lado da cidade, ela aponta que a situação não é a mesma. “Você entra naquela mansão, naquela casa granfina, mas o que a gente precisa no dia a dia, que é um olhar, um sorriso, um carinho, um abraço… a gente lá não tem”, pontua a diarista.
O contraste vivenciado por ela não é um caso isolado. Segundo dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios divulgada em 2021, pela Codeplan, mais da metade da população de Santa Luzia recebe até um salário mínimo (R$ 1,2 mil) de renda bruta. Em contrapartida, o rendimento médio mensal em regiões como o Lago Sul ultrapassa o valor de R$ 8 mil.
Para a professora de sociologia Christiane Machado, a desigualdade territorial no DF se mostra parte de um processo estrutural.
“A implementação do projeto, desde o início, foi marcada por muita desigualdade social. Os acampamentos originários que foram provisoriamente instalados para a construção de Brasília já eram marcados por diferenças sociais no território”, explica.
Mais do que favelas, o entorno do eixo central passou a ser ocupado por grandes invasões. “As cidades-satélite, hoje consideradas Regiões Administrativas, foram construídas às pressas e com menor planejamento para alojar os trabalhadores da construção civil que vieram construir a nova capital nacional”, aponta a socióloga.
A pesquisadora explica que a distribuição de lotes foi uma “moeda política” que contribuiu com a formação de espaços sem infra-estruturas a fim de isolar a parcela mais pobre da população.
Contraste econômico
Diante do mesmo cenário, o professor de Economia da UnB Newton Marques alinha um ciclo entre mercado produtor e consumidor para explicar a manutenção da desigualdade no DF.
“As oportunidades de trabalho são maiores nas regiões mais ricas do que nas mais pobres no DF. O mercado consumidor, que garante as ocupações da população, está nas regiões mais ricas”, ressalta.
O fenômeno ajuda a compreender a posição do DF no ranking do Índice de Gini, coeficiente que mede a desigualdade econômica a partir da concentração de renda. Quanto ao rendimento bruto entre capitais, Brasília está em 2°, atrás de Sergipe.
Para o economista, os altos salários provenientes do setor público na capital ajudam a explicar essa discrepância entre quem mais recebe e quem menos recebe. “Muitos ganham pouco e poucos ganham muito, e aí a renda média fica alta”, avalia.
Soluções?
Segundo o advogado Ravan Leão, especialista em políticas públicas, toda a precariedade das RA’s em vulnerabilidade só diminuirá por meio de ações permanentes do Estado, e não de políticas transitórias de governo.
“Integrar tais ações em programas de educação, a fim de preparar as gerações futuras frente às políticas públicas”.
A curto prazo, todavia, é preciso haver uma mobilização social que faça a população fiscalizar o governo com mais destreza, a partir do que Ravan chama de “controle social”. Ou seja, “partições nos conselhos de políticas públicas, reuniões, conferências e sites de fiscalização para controlar as ações do poder público”.
Por Andrés de Brito Ruiz
Supervisão de Vivaldo de Sousa e Luiz Claudio Ferreira