Apito final. Arthur, de 16 anos, não cabe em si. “É campeão. É campeão. É campeão”, grita o rapaz com o uniforme vermelho, com o distintivo do Águas Lindas. Arthur jogou a final como lateral esquerdo (improvisado).
Aliás, improvisar é uma rotina do rapaz, campeão da Taça das Favelas e tendo que se dividir entre o sonho dos campos e a dificuldade de estudar ao mesmo tempo. Se não for jogador, o campeão quer seguir na área militar.

A vida de Arthur Daniel Bezerra Almeida é capaz de contar a jornada de quem quer viver do esporte e da grandeza do futebol no Brasil. O garoto fez parte do elenco campeão da Taça das Favelas do Distrito Federal em 2022. De forma inédita, o Águas Lindas, clube em que atuou, deixou para trás adversários como Valparaíso, Estrutural, Paranoá e Riacho Fundo, até a conquista da Taça pela primeira vez em jogo contra o Varjão.
Porém, antes de fazer história junto ao elenco vitorioso, Arthur começou a praticar o desporto em escolinhas como Centro Oeste Futebol Clube, Pimenta Esporte Clube, Escolinha Roma, Escolinha União, Escolinha Estrela, SEAL e, por fim, Escolinha do América, onde estava atuando antes de ser convocado para a equipe de Águas Lindas, todas em sua cidade local.
Com tamanha bagagem desde cedo, o jovem fez questão de destacar o papel da Taça em sua jornada como jogador de futebol. “A Taça das Favelas me trouxe um incentivo muito grande para continuar minha jornada. porque quando eu estava parado e desanimado com o futebol, fui chamado para jogar e isso me animou novamente a ser competitivo e assim realizar o que eu almejo, que é ser jogador profissional de futebol”.
Vivendo pelos campos do Distrito Federal, o meio-campista também destacou o espírito de família do elenco, que inclusive pode-se dizer que são velhos conhecidos do atleta.
“A maioria do time da Taça fez escolinha comigo e jogamos juntos em alguns times, então conheço eles faz muito tempo. Foi um prazer imenso atuar ao lado deles novamente. São jogadores com qualidade diferenciada e são como uma família para mim”.
O jovem morador do bairro de Morada da Serra, localizado em Águas Lindas de Goiás (GO), recorda que duas reprovações na escola o tiraram do eixo. A primeira foi quando ainda estava no terceiro ano, e parou de estudar devido a problemas em casa (que ele prefere não detalhar). A segunda ocorreu no sétimo, quando reprovou por falta pois priorizava os treinamentos do futebol.
Atualmente, Arthur está focado em terminar a escola e destacou a importância do estudo na vida das pessoas. No entanto, revelou que ainda falta algumas aulas para continuar treinando em busca do sonho de ser profissional.
“Meu foco agora é estudar e jogar, mas tem dias que falto para treinar. Eu aviso o povo da escola e eles tentam entender meu lado, mas não dá para fazer muita coisa. A escola é muito importante, porque hoje em dia até quem tem faculdade e ensino médio completo não consegue arrumar emprego, imagina quem não tem”.
O jogador, que atua como meio-campista e atacante pelas pontas do campo, abriu o coração ao falar do papel do futebol em sua vida. “O futebol é muito importante, porque ele me mostra que eu posso conseguir várias coisas que eu pretendo, que eu posso dar uma condição financeira para a minha família e posso conseguir as coisas que sonho”.
Para continuar seguindo seu sonho, Arthur fez questão de falar sobre o papel de sua família nesta caminhada, destacando o apoio, que para ele é o maior motivo por almejar grandes objetivos na vida, e as ajudas, tanto sentimental quanto financeira.
“Eles fazem o possível e o impossível para dar um jeito de me ajudarem, seja com dinheiro para os treinos e jogos, seja com palavras para me ajudarem a continuar. São muito importantes para mim”.
Família na luta
Em casa, o jovem destaca que a família se sacrifica para ele poder manter o sonho do futebol vivo. Sua avó, Dona Maria Leny, de 73 anos, que trabalhou como doméstica e hoje está aposentada, seu irmão Alexandre David, de 23 anos, atualmente trabalhando como repositor em um mercado de Águas Lindas, e seu tio Charliete, que trabalha como auxiliar de limpeza no DF, são pessoas importantes no dia a dia do garoto e das despesas de casa.
“Quem ajuda aqui em questão de comida e contas são eles. Meu irmão quando pode ajuda e meu tio entrega o cartão de alimentação para minha avó comprar as coisas. Ela usa a aposentadoria para pagar conta de água e comprar coisas que faltam aqui”.
Sobre seus pais, Chesma Silva e Raimundo, Arthur contou que tem uma boa relação com os familiares, mas que prefere morar com sua avó por opção própria.
Arthur também falou da dificuldade da vida dentro do meio futebolístico, dando ênfase na competição na vida de outros garotos. “Eu vejo a Taça das Favelas como uma porta de várias oportunidades para a molecada que vem crescendo e pretendendo ser jogador. Meu ponto de vista é esse. A Taça é uma grande competição que junta vários garotos fera de bola que podem ter a oportunidade de crescer no futebol. É uma sensação indescritível”.
Com isso, podemos começar a entender o papel do esporte na sociedade. Nos dias de hoje, a modalidade no Brasil pode ser entendida como essencial também para dar sentido à vida dos garotos, principalmente para tirar jovens do mundo do crime.
Mesmo com o futebol sendo entendido como mais que um esporte, o sonho também pode se tornar cruel. Por isso, Arthur teme a falta de oportunidades no futuro.
“A estrutura do DF é muito boa. São muitos campeonatos feras que me deram a oportunidade e a experiência de jogar e sentir a pressão. Porém, tenho a opinião de que poderia ter mais oportunidades para os jogadores de fora, como de Águas Lindas. Para fazer peneira é bastante difícil, ninguém abre as portas para nós”.
Arthur cita a situação precária dos campos de sua cidade como ponto negativo que afasta os olheiros da região em que reside e a falta de tecnologia necessária em alguns momentos.
“Aqui em Águas Lindas, até o início desse ano, tínhamos só campo barrão. Até para treinar precisa se deslocar para outros lugares mais distantes para ter um gramado com condições”.
Além disso, a “importância” de ser um atleta federado também pode ser uma pedra no caminho. Um atleta federado é entendido como um profissional com registro na federação da modalidade em que pratica.
Quando o jogador atinge este patamar, consequentemente ele começa a participar de mais competições, se especializando, acumulando experiências e com um leque de oportunidade podendo se abrir cada vez mais.
“Em algumas peneiras precisam ser federado para jogar. Não é o meu caso. Ainda não sou federado”, explica o jovem.
Esse fator também faz com que Arthur tenha um segundo plano: a carreira na área militar. “Gosto muito dessa área, até jogo e assisto a vídeos policiais”.
Além de exaltar o papel dos familiares, o garoto de 16 anos também revelou a importância dos profissionais por trás da equipe campeã da Taça das Favelas.
“Queria agradecer muito a nossa comissão técnica e todos que ajudaram a nossa equipe. O professor Manoel (técnico), o professor Lúcio (preparador de goleiros), o Bla que ajudou na parte motivacional, foi muito importante, o Juarez que ajudou com a comida e todos que estavam com eles. Todos foram muito importantes para a nossa equipe se consagrar campeã”, conclui.
Por Gabriel Aurelio
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira