Educadora autista diz que acesso ao ensino formal pode ser “violento”; psicóloga vê “exclusão”

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A educadora Jéssica Borges, que está no espectro autista e atua com inclusão na Associação Brasileira pelos Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), avalia que o cenário atual sobre a inclusão de alunos autistas nas instituições de ensino é marcado pelo capacitismo. 


Ela entende que políticas públicas já existentes não são o suficiente. “O autista já entra na universidade de forma violenta. Existe a exigência do laudo, e muitos alunos são considerados ‘não autistas o suficiente’ para o uso das cotas”, alegou a educadora.


Ela leva em consideração que, tanto na gestão de escolas e universidades, há falta de incentivo do governo para formar profissionais especializados.

O último censo realizado pelos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2016, apontou que a média de idade dos estudantes autistas matriculados no ensino superior é de 27 anos. O levantamento ainda mostrou que a falta de auxílio resulta em entrada tardia comparado aos demais. 


Mais exclusão

A psicóloga Yvanna Aires critica a exclusão de autistas em escolas ou universidades.  “Abre a possibilidade de criar mais exclusão. Não vejo a deficiência como algo a ser segregado. Elas existem pois neurotípicos não conseguem aceitar plenamente pessoas que são diferentes. No modelo social, a deficiência é algo a ser acolhido, ao contrário do modelo médico que é algo a ser abolido.”

A educadora lamenta a falta de flexibilização nas escolas. “Sofri dificuldades na escola e universidade, problemas que poderiam ter sido prevenidos com maior adaptação de tempo de trabalho, prazos para entrega de projetos e auxílio de monitores.” 

Hoje, ela luta para que seu filho, também autista, tenha acesso a um plano de ensino individualizado.

Capacitismo e inclusão

A psicóloga Yvanna Aires, que é especialista em autismo e uma das organizadoras do Núcleo Autismo e Neurodiversidade da UnB, destaca os problemas que a falta de informação sobre o autismo traz. 

É comum a resistência dos professores quanto à mudanças para adequar alunos autistas e o bullying é normalizado. Alunos se recusam a fazer trabalhos em grupo com pessoas no espectro.

“Há uma barreira atitudinal dos professores que impede uma adaptação do processo pedagógico, e uma barreira de atitude dos próprios estudantes. Rotinas sociais dificultam a permanência. Ambas poderiam ser abordadas com uma capacitação e maior acesso à informação”, disse Yvanna.

As dificuldades para criar um espaço mais inclusivo no meio acadêmico não vem apenas dos professores em si, mas também da forma como lhes foram ensinados. Há um grande déficit de informação sobre o autismo no meio acadêmico. 

Não existem disciplinas na faculdade para ensinar futuros professores a lecionar alunos autistas. São poucos os que demonstram interesse na área, esclareceu a psicóloga.

Segregação e adequações necessárias 

Dia 17 de março de 2023, o senador Izalci Lucas propôs uma audiência pública para rediscutir o decreto 10.502, também conhecido como “decreto da exclusão”. Mas ele já foi revogado pelo presidente Lula e considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Decreto permitia que escolas recusassem matrículas de alunos autistas.

A educadora Jéssica Borges pontua que o decreto dá brechas para mais violência contra autistas pela segregação. Isolar os alunos em escolas especiais promove a alienação e dá poder às escolas para se negarem a proporcionar as adaptações necessárias para estudantes. 

No entanto, a educadora também declara que não é a favor da eliminação das escolas especiais já que escolas atuais não possuem porte e verba o suficiente para adequar a todos. Melhorias nas escolas especializadas também são necessárias.

Como organizadora do núcleo, Yvanna reforça a importância da inclusão em salas de aula comuns e defende a criação de espaços em escolas e universidades para que as vozes de alunos autistas e neurodiversos sejam ouvidas.

“Existe um modelo de produção chamado Socially Based Knowledge cujo princípio é perguntar para as pessoas quais são suas necessidades e então criar uma adaptação. Estamos tentando levantar essas necessidades para elas. Que toda universidade, que toda instituição de ensino superior crie um espaço para ouvir.”

Por Mel Abrantes Fernandes
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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