Um estilo que está na raiz e que nutre a grande árvore da música brasileira. Esta é a descrição do violonista brasiliense Henrique Neto sobre o choro, gênero musical que é parte latente dos fundamentos da identidade cultural brasileira.
Representar a alma do país por uma perspectiva sentimental e melancólica, “meio chorosa”, é a missão compartilhada entre os amantes deste estilo.

Neste 23 de abril, comemora-se o Dia Nacional do Choro. A data foi escolhida para homenagear o nascimento do maestro e compositor Pixinguinha (1897-1973), uma das maiores figuras da música brasileira e precursor do popularmente – e carinhosamente – chamado chorinho.
História
Mais do que um gênero musical centenário, que remonta do século XIX, o choro é fruto de miscigenação. Das danças de salão europeias e das influências da música africana, elementos culturais trazidos por colonizadores, escravos e imigrantes ao território do Rio de Janeiro, nasceu um novo estilo instrumental que é uma verdadeira manifestação de diferentes culturas e modos de expressão.
“Enquanto os ritmos europeus eram um pouco mais saltitantes, aqui no Brasil foi feita uma releitura mais sensualizada pela influência das danças africanas e da interpretação diferenciada do povo mestiço”, explica Neto.
Seguindo um processo inicial de interpretar melodias e danças originárias de diversos lugares do mundo, o choro deixou de ser apenas uma “forma de tocar” e consolidou-se como gênero musical genuinamente brasileiro a partir de Pixinguinha. Contudo, várias cabeças contribuíram para enriquecer e moldar o estilo em sua essência, linguagem, forma e técnicas.
A musicista brasiliense Iza do Cavaco relembra Joaquim Antônio Callado como importante nome da primeira geração do choro no Brasil.
“A canção Flor Amorosa é um marco do choro e uma das primeiras de que se tem registro dentro desse gênero”. O ritmo predominante nesta obra de Callado é a polca, mas Iza também destaca outras matrizes que ajudaram a criar a “cara do chorinho”, como a valsa, lundu, schottisch e mazurca.
Instrumentos e técnicas
São três os pilares que estruturam a base do choro: ritmo, melodia e harmonia. A agrupação musical básica, chamada de regional, é geralmente composta por violão, pandeiro para dar conta do ritmo, cavaquinho e um instrumento de solo para reger a melodia, geralmente o bandolim ou flauta transversal.
“O instrumento solista é usado para tocar a melodia principal e o restante é de acompanhamento. Esta é a formação básica, mas podem haver variações”, aponta Iza.
Leia mais sobre o choro
Com o passar do tempo, o leque de possibilidades de instrumentalização do choro aumentou consideravelmente, dando espaço até para piano, clarinete, saxofone, trompete, tuba e reco-reco.
Parte da grande magia do choro, segundo músicos e musicistas que tem afinidade com este gênero, é a “pegada instrumental” e a melancolia que preenchem o lugar da letra, elemento que geralmente costuma chamar mais atenção e distrair o ouvinte do restante da composição.
“Por ser instrumental, esse estilo tem a capacidade de nos transportar para diferentes lugares, sensações, memórias e direções”, avalia Jéssica Carvalho Santos, que é professora de pandeiro no Clube do Choro de Brasília.
“Sem a letra, é possível viajar nas melodias. O choro me leva para para um campo mais sensorial e emotivo, lá no interior de mim mesma”.
Jéssica Santos, professora de pandeiro
Outro aspecto que também agrada tanto os que tocam a música quanto os que assistem a uma apresentação é a interação possível entre os músicos e musicistas. O diálogo musical que é promovido pelo choro é único e destaca o estilo dos demais: o que ocorre não é o protagonismo de um instrumento ou artista em detrimento dos restantes, e sim a conotação de conversa harmoniosa entre todos os membros do agrupamento.
“O choro tem um formato de roda, que é muito mais democrático e onde todos se olham. Quando viajo para tocar no exterior, essa interação entre os músicos é uma das coisas que as pessoas mais notam, além da beleza da música”, salienta Neto.
O choro em Brasília
Na capital, o chorinho está bem representado por meio de duas instituições referência, O Clube do Choro de Brasília e a Escola de Choro Raphael Rabello.
Enquanto a primeira é responsável pela promoção de eventos e apresentações musicais, a segunda faz o papel de espaço de educação, com aulas de instrumentos variados e teoria musical.
Henrique Neto é diretor da escola fundada pelo pai, o bandolinista Reco do Bandolim, que também é presidente do Clube. Não é à toa que a paixão pela música e a afinidade com o choro vieram de casa, quando Neto era ainda criança.
No próximo dia 29 de abril, a Escola de Choro Raphael Rabello completa 25 anos de existência, sendo a primeira desse tipo no Brasil.
Na missão de difundir o estilo para um público de todas as idades e de engajar a juventude, que ainda pouco o conhece, a instituição anda lado a lado com o Clube que, desde 1997, realiza projetos para homenagear um compositor brasileiro diferente a cada ano.
Mas as formas de entrar em contato com o estilo não param por aí. O próprio departamento de música da UnB, ou até os diversos festivais musicais que acontecem na cidade, servem como atrativos para que o público conheça e se apaixone pela sonoridade e ritmo contagiante do choro, como é o caso de Jéssica e Iza.
“Acho que Brasília é um grande palco do choro”, comenta Iza do Cavaco. “Na mudança da capital para cá, Juscelino Kubitschek trouxe muitos músicos do Rio de Janeiro, que era considerado o berço desse gênero musical. Eles vieram para cá e fizeram a cena cultural acontecer na cidade.”
Rodas e grupos de choro e de outros estilos, como forró e samba, também buscam ocupar espaços públicos da capital todos os dias. Iza faz parte do regional Segura Elas; Jéssica é membro das Fulô do Cerrado; movimentos como Choro no Eixo, Samba Urgente, grupo Menos é Mais, dentre outros, também buscam levar a tradição da música popular brasileira para as ruas, a fim de convidar os brasilienses a sentir o clima de descontração, acolhimento e leveza que somente uma boa melodia e ritmo proporcionam.
Dos últimos 10 anos para cá, Iza percebe que as mulheres têm conquistado uma maior visibilidade e representação na cena do choro, antes dominado majoritariamente por homens. Vale salientar, contudo, que a luta dos “chorões e choronas” por espaço é constante.
“Um problema que vejo é que o choro ainda é algo elitizado”, explica a musicista. “Eu moro em Arniqueiras, mas sempre tocamos no Plano Piloto. A maioria dos eventos acontecem no centro, você não vê uma roda de choro em Taguatinga, Ceilândia, Samambaia e outras regiões administrativas, por exemplo”.
Sendo assim, os regionais buscam expandir os horizontes de alcance deste estilo que é a cara de um povo culturalmente diversificado, e a Escola de Choro Raphael Rabello também visa exportar talentos para fora da cidade e até do país. Afinal, o choro é livre para ir a qualquer lugar.
Por Giovanna dos Santos
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira