Perfil de Mulher: a história de uma professora no interior goiano

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Professora, diretora, poetisa, mãe, esposa e avó. A mulher que trabalhou durante 24 anos mudando a cultura da educação de uma cidade.

– Hoje eu estou aliviada, cumpri a minha missão – disse Jacira Rocha Reis após passar a chave pela última vez na porta do colégio que havia comandado pelos últimos 24 anos. 

Entre 1970 e 1994, o Centro Educacional Independência (CEI, como era chamado), formou mais de mil professores. Começou como um curso de supletivo, quando Jacira e o marido, Clóvis, se mudaram com seus cinco filhos para a cidade de Formosa (GO), cerca de uma hora e meia da capital do país, em fevereiro de 1969.

Dona Jacira e seu marido / Foto: arquivo pessoal

No ano seguinte, eles ampliaram a rede de ensino. Começaram a escola alugando algumas salas em outro colégio. Foi ali que o sexto filho de Jacira nasceu. Em 1971, ele ganhou sede própria, lá na rua Trajano Balduino, 192. No centro da cidade. 

Nessa época, o CEI oferecia, além do curso de magistério, ensino fundamental e médio. O colégio sempre foi pequeno e pobre. Os professores eram da própria família: os pais e os irmãos.

Com o passar dos anos, os filhos mais velhos migraram do magistério para o direito e foram trabalhar em escritórios de advocacia na capital. Em 1994, Jacira se aposentou e o filho caçula fechou as portas. Hoje o lugar é um terreno abandonado.

– Ela não influenciou apenas os alunos, era admirada pela cidade toda – contou Maria Lúcia, em uma conversa sobre a “professora Jacira”, como gosta de chamar. Jacira nunca deu aula para Maria Lúcia, era professora da Zézé, sua irmã mais velha. Mas como ela mesma lembra, era um referência para toda a cidade.

Se fosse viva, Jacira teria hoje 90 anos. Nasceu em 3 de outubro de 1932, em Baliza (GO). Era a terceira de 10 irmãos, fruto do quarto casamento de seu pai. Chamava a madrasta, a quinta esposa, a Eunice, de mãe. 

Aos 17 anos, já era professora formada e morava com a família em Aragarças (GO). Uma cidade à beira do rio Araguaia. Conseguiu um emprego em uma escola na cidade vizinha, na outra margem do rio. Fazia o trajeto todo dia de canoa.

Casou aos 20 anos e deu à luz a cinco filhos. Formosa era pequena e pouco simpática com quem vinha de fora. Mas foi ali, em meio às dificuldades, que ela e sua família fundaram seu sexto filho, mudando a cultura da cidade.

Os cinco filhos de Dona Jacira, da esquerda para a direita: Cláudio, Ruth, Clovis, Lauro e Miryam / Foto: arquivo pessoal

Jacira faleceu aos 86 anos, em julho de 2019. Vítima de complicações causadas pelo mal de Alzheimer. Trata-se de uma doença que faz a pessoa perder conexões. A pessoa com essa doença não perde as memórias, mas sim a capacidade de acessá-las.

A neta. Ludmila, que também é enfermeira, diz que essa doença costuma se manifestar depois de um “gatilho” e chega de uma maneira quase imperceptível.

– O Alzheimer é uma doença progressiva, pode ser lenta ou rápida, mas geralmente vemos o paciente tendo dificuldade para andar, depois para se alimentar. No geral, vemos no quadro final o paciente acamado, usando fraldas e dependente de oxigênio. O final do Alzheimer é isso – conta ela, que assistiu de perto a doença levar a avó aos poucos.

Em um apartamento localizado na 403 Norte, o filho mais novo de Jacira, Lauro, lembra dos feitos da mãe em vida, enquanto serve a mesa do lanche para a família.

A mãe, que já era professora formada, graduou-se em letras no Centro Universitário de Brasília (CEUB), em 1975. Era poetisa, com uma coletânea de poemas publicada, intitulada “Perfil de mulher”. Em 2015, já com a saúde debilitada, foi homenageada pela Academia de Letras de Formosa, na Câmara dos Vereadores da cidade e agraciada com o prêmio Cora Coralina. 

Uma das poesias de sua coletânea, “Mulher”, diz assim: “Tu nasceste marcada pela fragilidade/ grilhões penosamente arrastados por séculos infindos/ A princípio a força do homem te protegeu dos dinossauros da vida/ a mesma força que dominou teus sonhos de liberdade/ Também foste oprimida/ Pelas religiões, pela sociedade/ Moldavam-te para servir/ Amar, honrar e respeitar, mas jamais ser servida/ Apesar de por tua graça e beleza ser muito amada”

Dona Jacira e seu filho Lauro / Foto: arquivo pessoal

Emocionado, Lauro se lembra de uma conversa que teve com dona Jacira, quando os sinais da demência começaram a se agravar.

– Quando ela já estava doente, teve um dia que ela virou pra mim e disse: “eu queria ainda ter saúde para continuar preparando as pessoas”. Eu respondi: “mas a senhora não parou. Formou mais de mil professores, que formaram outros professores. A senhora continua trabalhando na pessoa de outras pessoas”.

Por: Maria Paula Meira

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