Itamar dos Santos, de 56 anos, trabalha como analista de sistemas. Ele, contudo, exerce outra atividade das 19h até às 23h em uma escola pública da Estrutural. Itamar complementa a rotina de trabalho como um alfabetizador de jovens e adultos. O analista é um professor que há 19 anos transforma a vida dos alunos por fornecer independência aos estudantes. “Você devolve para o aluno aquela chance de ele se sentir capaz.”
O analfabetismo atinge 13 milhões de brasileiros, segundo informações do ano passado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) . De acordo com o professor, a maioria dos alunos chega às escolas desmotivada. Itamar disse que há alunos que em casa ou no trabalho sofrem preconceito por voltarem a estudar tardiamente e que essa falta de apoio tem que ser contornada pelo incentivo do professor nas aulas. “Esse aluno que chega já rotulado dessa forma. O marido não incentiva ou ele recebe uma crítica dos familiares “Ah, você está muito velho para aprender isso”.
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Segundo o professor, ainda pode haver casos de bullying entre os alunos. Ele disse que é comum os alunos rirem do colega quando tem dificuldade para ler uma palavra mais complicada. Itamar explica que esse tipo de atitude inibe quem está começando. Porém, para o analista, o pior momento é quando o estudante pega o dicionário. “Porque ele é criticado? Por que eles tem noção de que o dicionário é o pai dos burros.”
O aluno Gildésio Leite tem 69 anos e há dois anos resolveu participar do grupo de Educação para Jovens e Adultos. Gildésio foi abandonado quando bebê, criado em uma casa até os dez anos, fugiu percorrendo várias cidades brasileiras até chegar em Brasília aos 15 anos. Ele é casado com uma professora e tem duas filhas, mas reclama da falta de incentivo dentro de casa. “Aí eu voltei a estudar. Ter um pouco mais de conhecimento, mais que a vida me ensinou. Agora eu quero aprender de outra forma, pelo livro.”
O aposentado, contudo, disse que há preconceito em casa e na família. Ele, que desde cedo teve que trabalhar, depois casou e teve filhos, confessa que faltou tempo para se dedicar aos estudos. “Eu comecei a estudar velho, em casa tenho aquela barreira de o que você vai aprender agora. ‘Você já tá velho, vai aprender o que? Você já tá velho, fica em casa, o que você vai querer fazer com isso’. Eu digo não, eu vou lá porque posso surpreender vocês ainda.”
Gildésio, com lágrimas nos olhos, mostrou a primeira prova que fez na vida. E se emocionou com a nota nove marcada no canto da página. Ele afirmou nunca ter mostrado o documento para ninguém. “Lá em casa eu sou só um analfabeto.”
O aposentado revelou o sonho que espera um dia realizar: ser um engenheiro elétrico. Ele acrescentou que já trabalhou como eletricista e declara uma verdadeira paixão pelo antigo ofício. Gildésio reforçou o quanto a educação foi transformadora para sua vida. “Antes tinham que segurar minha mão e me ajudar a escrever o meu nome nos documentos. Ou então, eu tinha que colocar meu polegar. Era ruim demais”.
Além de Gildésio, a diarista Lindalva Alencar da Silva, de 40 anos, também sofreu preconceito em casa ao começar a aprender. Ela não gosta de tirar dúvidas com o marido para evitar brincadeiras. “Ele às vezes fala, mas fala brincando, sabe? ‘Ah você é burra demais, se eu fosse seu professor já tinha perdido a paciência.”
Lindalva aos 22 anos já tinha dois filhos, a mãe morreu e ela cuidou dos três irmãos, depois adotou mais uma criança. Ela reforça que sempre incentivou os estudos dentro de casa e que ficou no “pé” dos filhos para que se dedicassem à escola. Para Lindalva, as aulas da alfabetização permitiram independência para o dia-a-dia da estudante.
“E também o que me incomodava muito é que quando a gente não sabe ler parece que a gente é cego. Então eu ficava em uma parada queria pegar meu ônibus, isso aí era o pior lugar, pior coisa era ficar esperando o ônibus […] Às vezes eu chegava na pessoa e perguntava ‘você vai pegar qual ônibus? quando ele passar você me avisa, o Estrutural?’ Aí eu ficava: ai meu Deus do céu ajude que aquele ônibus dela não venha antes (risos).”
A diarista disse que, depois de passar pelas aulas de alfabetização, ficou mais fácil de compreender a direção dos transportes públicos. Ela afirmou que, quando alguém pede a ela informações dos lugares, Lindalva espera que o ônibus da pessoa chegue para poder ajudar, mesmo que ela perca a primeira condução e pegue apenas uma mais tarde para casa.
Hoje, Lindalva se orgulha de conseguir ler as placas, as indicações dos ônibus, o cardápio dos restaurantes. Ela e Gildésio enfrentam dificuldades dentro e fora de casa por terem começado tardiamente os estudos, mas não desistem. E a cada nova aprendizagem, um obstáculo é vencido pela educação. O Distrito Federal recebeu este ano o selo Território Livre do Analfabetismo, em que apenas 4% da população não sabe ler ou escrever.
Por Jade Abreu