Paulo Freire em um canteiro de leitura. Trabalhadores respeitados e livres para protestar com punhos cerrados e até para demonstrar afeto por quem quer que seja. Uma viagem por uma construção da Capital Federal imaginada.
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A proposta do artista, professor e pesquisador Christus Nóbrega foi utilizar a inteligência artificial para chegar a cenários invisibilizados.
A mostra “Brasília, enfim” está em espaços na Praça dos Três Poderes com acesso livre até o dia 18 de junho (confira serviço no final da página).
Confira trechos da entrevista com o artista
Agência Ceub – Qual foi a inspiração para a exposição “Brasília, Enfim”?
Christus Nóbrega – “Brasília Enfim” tem um caráter de homenagem a Brasília. É a cidade que me recebeu tão bem há 18 anos, quando eu vim de Campina Grande (PB) para cá.
Ao mesmo tempo, a exposição também faz além da homenagem, mas também uma referência a duas outras mulheres que foram fundamentais nessa minha vinda para cá, a minha mãe e a minha irmã. Minha mãe cozinhava muito quando eu era criança. Eu devia ter meus 5 ou 6 anos de idade.
Quando voltava dessas viagens, descrevia muito sobre o que era Brasília. Era uma cidade muito inusitada e ainda continua sendo uma cidade muito única no mundo inteiro.
Minha mãe adorava Brasília e descrevia muito apaixonadamente essa cidade. Ela era pedagoga e professora da Universidade Federal da Paraíba.
Eu cresci escutando essas maravilhas do que seria Brasília. Ainda nos anos 2000, quando ela finalizava um doutorado em inteligência artificial na França e aí ela veio dar aula aqui na Universidade de Brasília em inteligência artificial. Então, eu comecei a ter contato com a inteligência artificial ali na década de 1990. Quando ela se mudou para cá, eu vim na sequência fazer um mestrado em arte e tecnologia
Agência Ceub – A inteligência artificial entrou num debate muito grande sobre qual o seu papel dentro da sociedade. Sobre esse contato entre o artístico, a inteligência artificial e o tecnológico, como se dá essa relação e como a gente pode, de fato, dizer que essa produção se caracteriza como arte?
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Christus Nóbrega – Eu acho que a arte, das formas de conhecimento humano, é a mais escorregadia. Eu costumo dizer que a arte é “o que sobra”. Se existe uma produção humana que não consegue nomear, se é produto da engenharia, da medicina, da religião, da filosofia… Se você não consegue encaixá-lo em nenhum desses campos, provavelmente você está diante de arte.
Eu gosto muito da entender a arte também como uma outra metáfora do sabão molhado. Está sempre escorregando por entre as nossas mãos. A arte tem pouco padrão. Escapa de qualquer classificação, de categorias… E nesses escapes é que a arte vai ajudando a empurrar a sociedade para pensar sobre outras bordas, sobre outros limites. Quando me perguntam sobre o que é a arte, a primeira coisa que eu geralmente digo é arte é todo o produto feito por um artista.
Uma pergunta que ajuda a pensar e a responder por que é arte a inteligência artificial poderia ser perguntar por que não seria arte?
A gente tem alguns parâmetros para pensar socialmente. Alguns deles estão muito vinculados à ideia de maestria, da artesania.
Eu acho que, com o avanço da modernidade e da contemporaneidade, a gente se abre para técnicas, materiais e linguagem do campo artístico.
Eu acho que, em relação a isso, uma discussão que se coloca muito é sobre a autoria nas questões de inteligência artificial, que planta algumas habilidades técnicas que outrora era entendidas como necessária.
Em algum momento, a gente fica com esse impasse.
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Agência Ceub – O público fica impactado porque ali não está a verdade, certo? A sua exposição traz à luz o que foi invisibilizado na construção de Brasília. Essa foi a proposta fundamental?
Christus Nóbrega – Eu costumo dizer que a arte é um é um espaço da mentira, um espaço social em que a gente tem talvez autorização de mentir. Aí quando eu falo da mentira, claro que eu estou pensando no
aspecto ampliado do campo está ficção. Criar outras realidades. Quando a arte para de mentir, eu acho que é quando ela talvez começa a parar de ser arte.
Eu acho que, quando eu comecei a pensar exposição, foi para exatamente dar visibilidade a aspectos da história de Brasília que não existiram. Ou então aspectos que eu gostaria que tivessem acontecido. Ou também colocar essa provocação para o público que vê pense… ‘imagine se Brasília tivesse tido essa imagem’, né’.
Por exemplo, tem uma das imagens que eu acho que são mais emblemáticas na exposição pelo retorno do público é uma singela imagem de um beijo entre dois (homens) candangos.
Essa imagem é uma imagem que aconteceu, né? Na história inteira da humanidade aconteceu. Na história da constituição de Brasília, também, mas não foi registrada. Mas isso não quer dizer que ela não aconteceu. Então essa foto dá chance de eh registrar um momento que aconteceu que naquela oportunidade não tinha sido documentado.
A exposição é cheia dessas pequenas ficções. Todas nascem de uma coisa que é verdade. A passagem do Paulo Freire também. Ele teve uma rápida passagem por Brasília, mas na exposição ela ganha uma dimensão muito maior.
Paulo Freire constrói, na exposição, esses canteiros de leitura. E e as imagens são esses grandes amontoados de livros que são de alturas de prédios. Essa ideia da construção civil e da leitura.
O curioso é que todo mundo se assusta com a inteligência artificial, mas o único fato verídico, que nunca é encontrado, o fato mais perverso da história inteira é que o único fato perverso da exposição é gerado pelo humano.
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Talvez a gente não tivesse tivesse que ter medo da inteligência artificial, mas da da ignorância natural.
Agência Ceub – O senhor acha que a inteligência artificial marca uma nova etapa das artes?
Christus Nóbrega – Ainda existe uma falta de compreensão sobre como ela se adequaria e que ela vai de fato tomar lugar assim. Quando se trata de arte, eu uso pouco a palavra novo e eu prefiro usar a palavra “outro”.
“Novo” pressupõe uma substituição e traz uma ideia de linha de tempo em que o que surge deve substituir o que o estava antes.
Eu não acredito necessariamente que a inteligência artificial vai aniquilar outros procedimentos, mas sim vai gerar impactos fundamentais.
A televisão não aniquilou o rádio, mas ela causou transformações profundas naquela linguagem.
Agência Ceub – O senhor falou da perversidade da perversidade da realidade. Queríamos ouvi-lo a respeito se haveria necessidade de uma regulamentação a respeito da inteligência artificial. Será possível reescrever histórias com imagens, como do Holocausto ou da ditadura militar. O senhor não teme que a inteligência artificial abale a história?
Christus Nóbrega -Eu acho que a gente tem que aprender com o passado.
Acho sim, que deve ser regulamentada como qualquer outra ferramenta, já que é extremamente poderosa.
Nenhuma ferramenta anterior era capaz de fazer tantas coisas juntas. Ela tem muita autonomia para a transformação. Então ela precisa sim ser regulamentada.
Porém, o que eu tenho acompanhado inicialmente das discussões inclusive legais sobre regulamentação da IA, me parece que entram por uma porta muito equivocada. Uma delas é a autoria e pressupõe como sistema de resguardar o autor.
A gente não pode se esquecer também que a ideia de autoria está muito vinculada com a ideia de também de punição e não só de de ganho capital.
Devíamos entender autoria das coisas como uma ordem coletiva. A gente teria muito mais chance de avançar enquanto criação coletiva humana.
Acho que é um debate extremamente necessário e deveria avançar no sentido de ter uma humanidade crítica.
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Serviço:
Serviço: a mostra está em cartaz em quatro espaços na Praça dos Três Poderes até 18 de junho, de terça a sexta-feira das 9h às 18h . Sábado, domingo e feriados das 9h às 17h.
Por Juliana Weizel e Luiz Claudio Ferreira
Fotos: Marcelo Hendricks