Ativista indígena defende feminismo comunitário para protagonismo nas discussões sociais

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Tamikuã Txihi, 30, é uma mulher indígena do povo Pataxó e Guarani Mbya. Além de artista e ativista, ela também é uma das lideranças jovens do território do Jaraguá, em São Paulo.

Feminismo Comunitário de Abya Ayala é o nome dado a um movimento social, nascido em meio ao processo da assembleia constituinte do Estado Plurinacional da Bolívia, em 2006. Foi fundado por Julieta Paredes; mulher indígena, 56, escritora e ativista do povo Aymara. 

Apesar de ter recebido a nomenclatura recentemente, a luta das mulheres indígenas é muito antiga; Bartolina Sisa, mulher indígena e também Aymara, já lutava pelo seu povo e território em 1781. 

Tamikuã Txihi, 30, é uma mulher indígena do povo Pataxó e Guarani Mbya. Além de artista e ativista, ela também é uma das lideranças jovens do território do Jaraguá, em São Paulo.

Membro do Feminismo Comunitário, Tamikuã fala sobre a importância desse movimento para a comunidade indígena.

“O Feminismo Comunitário está presente no fortalecimento das propostas dos povos, incentivando a formação política e chamando atenção para a urgência da descolonização”.

Foto de Fernanda Ghazali

Confira abaixo trechos da entrevista

Agência Ceub: Qual é a maior diferença entre o Feminismo Comunitário e o feminismo eurocêntrico? 

Tamikuã: A maior diferença é o território; o feminismo nasceu na Europa, em 1789, pelas mulheres burguesas na luta pelos direitos iguais.

Aqui, em Abya Ayala, mais conhecida como América, nós já estávamos lutando antes.

Nossas ancestrais não lutam a partir da Revolução Francesa, mas desde a invasão colonial em 1492. O movimento nasceu na Bolívia; em 1781, Bartolina Sisa, mulher indigena Aymara, já lutava no seu território para libertá-lo das mãos do colonizador espanhol. 

Por que não nos chamamos de feministas e sim de feministas comunitárias?

Porque, estrategicamente, como o nome “feminismo” está globalizado e os nossos corpos, memórias e falas foram colonizados, nós usamos com outro conteúdo para nos fortalecer.

Queremos falar de igual para igual; falar sobre economia, saúde. Usamos esse nome estratégico para também ocuparmos esses espaços dialogando como mulheres originárias desse território.

Respeitamos a luta dessas mulheres, mas aqui temos nosso jeito de pensar, de agir, de se organizar e de lutar. 

Agência Ceub: Como você conheceu o movimento?

Tamikuã Txihi: Antes já ouvíamos falar sobre, mas não tão profundamente. Em 2018, encontrei o Feminismo Comunitário na Marcha Pela Água e a Julieta Paredes estava palestrando.

Naquele momento, o movimento começa a chamar a atenção de mulheres e homens para aprendermos e compartilharmos. Desde então, estou nesse movimento que só tem a me fortalecer e fortalecer a luta dos povos; é um caminho de esperança.

Agência Ceub: Como se deu a chegada do Feminismo Comunitário no Brasil?

Tamikuã Txihi: Nossa comunidade é como um corpo; o feminismo comunitário está presente em toda Abya Ayala, que é constituída pelas Américas, funcionando como 1 só.

Usamos o nome Abya Ayala no nosso processo de descolonização; é o nome que o povo Kuna, no Panamá, dá para esse território, que significa terra madura em plena renovação.

O feminismo comunitário, nesse caminho de construção, chega ao território de Pindorama- Brasil através da luta pela mãe Terra e irmã Natureza.

Também lutamos pela irmã Água. Assim como nós mulheres temos a dádiva de amamentar nossos filhos, a nossa mãe Terra tem o leite materno que é a água que nos alimenta, cura e fortalece.

Agência Ceub: Como funciona a luta do Feminismo Comunitário na prática?

Tamikuã Txihi: O Feminismo Comunitário está presente no cotidiano das comunidades, nos movimentos sociais, no fortalecimento das propostas dos povos, incentivando a formação política e chamando atenção para a urgência da descolonização.

Também se faz presente na luta contra o machismo e o patriarcado. Buscamos o equilíbrio do corpo, onde uma parte representa as mulheres, outra parte representa os homens e no meio as pessoas intersexuais.

Queremos estar presentes nas discussões políticas sobre saúde e educação de nossa comunidade.

Quando falamos que somos parte de cada povo, nós não estamos falando de um número, mas sim da importância da mulher; podem haver 100 homens e somente uma mulher em uma sala, ela continuará sendo a metade desse povo.

Agência Ceub: O feminismo comunitário tem conquistas?

Tamikuã Txihi: Primeiro, tecer uma organização dentro do território de toda Abya Ayala.

Cada tecido tem sua luta e memória, mas, paralelamente, conseguimos implantar políticas públicas, por exemplo a Bolívia, onde há a despatriarcalização dentro do Ministério da Cultura.

No México, no município de Ayutla, foi conquistado o direito de eleger seus governantes dentro de sua cultura, sem a necessidade de estar filiado a algum partido. No Chile, temos a proposta de políticas públicas para moradias dignas e territórios. É uma grande caminhada.

Agência Ceub: Ao analisar suas obras de arte, notamos que a onça é um animal que possui grande importância para você. Poderia falar mais sobre isso?

Tamikuã Txihi: A onça, para mim, é uma guia espiritual; vem das memórias da minha avó e minha mãe. Temos ela aqui como uma pajé das florestas.

Também temos ela como um símbolo de luta e proteção; ela nos fortalece, faz com que nossos passos sejam firmes.

Assim, dialoga com o Feminismo Comunitário que fortalece a luta das mulheres e das comunidades.

A ativista, ao lado de suas companheiras, continua a luta de seus ancestrais pelos seus direitos e contra o colonialismo, que serviu como forma de opressão ao seu povo.

Julieta Paredes, 56, é uma mulher indígena, escritora e ativista do povo Aymara, no território da Bolívia. Ela também é uma das desenvolvedoras do Feminismo Comunitário, movimento que desenvolve a caminhada das mulheres desde a memória ancestral em toda Abya Yala (América). Foto: Foto de Fernanda Ghazali

“Não foram os  colonizadores que nos ensinaram a comer, a vestir, andar,a ter dignidade, ter cultura e ter uma organização social, nós já tínhamos isso aqui.

Mas isso é esquecido, apagado pela colonização. Porque foram impostos seus pensamentos e sua forma de preparar o futuro, nós existimos, estamos aqui e não desaparecemos.”

Nessa visão, Julieta também incorpora ao seu movimento a união do povo como fator essencial para a igualdade e as mudanças no mundo.

“O papel dos governos é deixar que o povo consiga fazer a mudança, sem censurá-los. Precisamos ter meios de comunicação que falem a verdade. As mudanças vêm do povo!”

Foto: Fernanda Ghazali

Por Fernanda Ghazali e Julia Lopes 

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