“Não se arrisque em tentar
Me escrever nas suas melhores linhas
Eu não preciso de altar, só vem
Repousa tua paz na minha”
A internet auxilia aqueles que não podem estar juntos fisicamente. No entanto, relacionamentos entre duas pessoas que não vivem no mesmo estado já era algo comum. É nessa situação que Elisabete, em Brasília (DF), e Jorge, em Belém (PA), vivem há cerca de 10 anos. Nem os dois mil quilômetros de distância atrapalham esse amor.
Solteira e mãe de um filho pequeno, Wendel, aos 19 anos, Elisabete não pensava em se envolver com outra pessoa tão cedo.
Elizabete Raiol, 49, doutoranda em linguística, conheceu o, então, esposo, Jorge Lopes, 49, doutor em linguística e professor universitário, na faculdade de Letras, há 30 anos. E foi assim que ela passou os cinco anos de faculdade namorando.
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“Terminou a faculdade e nós decidimos viver juntos porque eu sempre tive medo de me casar”. Assim, após morar seis meses sob o mesmo teto, por questões religiosas, eles se casaram.
Após o nascimento dos dois filhos do casal, a família se mudou para a Ilha do Marajó, devido ao novo emprego de Jorge como professor substituto, na Universidade Federal do Pará (UFPA). Apesar do amor entre os dois e os filhos, ambos sempre viveram intensamente as oportunidades profissionais que surgiram no caminho.
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Em quatro anos, eles voltaram a Belém e assumem cargos públicos. “Nessa fase nós vivíamos viajando, ele chegava em casa e eu estava viajando. Quando eu chegava, ele estava indo pra outra viagem”. Ela explica a rotina caótica do casal durante o período de volta à cidade natal.
No ano de 2011, interessado na área de pesquisa da capital, o professor escolheu a Universidade de Brasília para realizar o doutorado. A família o acompanhou e Bete, já realizada profissionalmente, resolveu dar uma pausa na carreira profissional.
Mais uma cidade, uma nova paixão
Elisabete se encantou pela cidade e, mesmo com a volta do marido a Belém, ela ficou em Brasília com os filhos. O marido precisou voltar ao cargo de professor que deixou no Pará após se tornar doutor.
Eles se encontram 15 dias por três vezes no ano. Era a rotina de um casamento há distância que se mantém até hoje. Durante a pandemia da Covid-19, o marido de Bete estava em período de recesso em Brasília, quando foram surpreendidos pelo lockdown.
A situação de quarentena permitiu que eles vivessem novamente na mesma casa por quase dois anos. Ela relata como era estranho estar em casa com o marido, apesar do conforto em dividir os seus dias com o cônjuge, ter apenas metade da cama para si não era mais parte da rotina.
Na tela do celular
Outro casal, com uma das sedes em Belém, se organizou para manter a relação em dia. Só que é um amor que começou com a distância.
Fonoaudióloga e professora de inglês, Thalita Mesquita, 30, mora em Belém (PA) e José Henrique, de 23, que é gestor de projetos em comunicação no Rio de Janeiro, estão longe desde janeiro deste ano.
A história deles começou em 2019, quando se conheceram em um grupo de jovens evangélicos no WhatsApp.
Thalita conta que, em um primeiro momento, as conversas não iam muito longe. Eram apenas amigos. No entanto, conforme o tempo avançava, os dois se sentiam cada vez mais conectados por trás das telas.
Ela receava iniciar um relacionamento com o carioca pelos três mil quilômetros que separam o Pará e o Rio de Janeiro. Para a fonoaudióloga, os 7 anos de diferença entre os dois também eram um empecilho.
Em março do último ano, Henrique decidiu ousar e tentar algo a mais com a mulher, mas tamanha era a resistência, que fez com que ela parasse de responder mensagens e sumisse das redes sociais.
Passados sete meses e um sonho que Thalita teve com o amigo, a mensagem da jovem reacendeu o sentimento que estava adormecido entre eles.
“O que me fez mudar de ideia foi o fato dele sempre me deixar segura sobre o que ele queria. Ele prontamente procurou meios para me ver, fez questão de pegar um voo pra conhecer minha família. Apresentou a família dele pra mim, deixou que as pessoas do meio dele soubessem quem eu era e onde ele estava indo me buscar”, relata.
De Belém à cidade maravilhosa, o casal tem adaptado a rotina para visitar um ao outro a cada 30 ou 40 dias. Embora a distância física parecesse um obstáculo insuperável, eles decidiram apostar nesse sentimento, engatando em um relacionamento à distância.
As primeiras semanas foram preenchidas com longas conversas virtuais e trocas constantes de mensagens. As vozes ganharam vida através de chamadas e a sensação de proximidade surgia em meio a extensão que os separa.
“Pra mim é um pouco mais fácil do que pra ele, pois não sou tanto de toque físico e ele é bastante. No começo, quando era somente online. Não tínhamos tanta escolha, mas agora que já nos vimos e sabemos como é estar junto um do outro fisicamente, tem sido bem difícil”, afirma Thalita.
Um mar de distância
Diferente da história de amor entre a paraense e o carioca, que desde o início se adequou à lonjura, Carolina e Fernando tiveram de se preparar para deixarem de habitar o mesmo estado e viver com oceanos entre eles.
Aos 25 anos, a psicóloga Carolina Inda acompanhou a jornada de mudança do namorado, Fernando Kuchenbecker, 23, para a Austrália.
O ex-universitário do curso de psicologia deixou o estado e a faculdade onde conheceu Carolina para tentar uma vida fora do país.
Fernando se aventura como auxiliar de mudança desde dezembro do ano passado. A psicóloga foi com ele até o destino e experimentou por três meses como seria a nova rotina do companheiro, antes de voltar ao Rio Grande do Sul.
Passados sete meses, os diferentes fusos e as responsabilidades do dia a dia trazem novos desafios à rotina do casal.
Enquanto Carolina começa a vida logo pela manhã, como de costume, Fernando estava prestes a se despedir do trabalho e iniciar a noite na Austrália. Cada um trabalha para encontrar um equilíbrio e assim garantir momentos de qualidade juntos, mesmo que virtualmente.
Inseguranças e futuro
A saudade, inimiga implacável dos relacionamentos a distância, se faz presente. O toque físico, os abraços calorosos e os beijos apaixonados são substituídos por mensagens de texto.
Através da tela do computador, eles aprendem a expressar os sentimentos de maneira ainda mais intensa, buscando amenizar a falta que sentem um do outro.
Apesar de toda a dedicação para estar o maior tempo possível na presença da pessoa amada, as três mulheres expressam que a confiança é a chave principal para que o vínculo não se desgaste. São longas conversas, seja por ligação ou mensagem de texto, a comunicação não fica em segundo plano.
“Mesmo que um ou outro esteja dormindo, a gente passa o dia mandando mensagem, atualizando do que tá fazendo, mandando fotos e, normalmente, é mais pelos finais de semana que conseguimos falar por vídeo”.
Ela explica que ambos também fazem terapia, o que ajuda bastante também a lidar com algumas inseguranças de namorar de longe.
“Como ele tem planos de voltar em breve, para termos aqui uma vida juntos, acabamos nos prendendo muito a esse planos, planejando o que vamos fazer juntos e como vai ser bom quando nos reencontrarmos”, afirma Carolina.
A gaúcha conta que a relação intercontinental com Fernando não passou por momentos de questionamentos sobre a fidelidade do parceiro, mas sim em relação ao futuro do casal.
“Uma das minhas maiores inseguranças é com a data de retorno e me questionava um pouco se ele realmente queria estar namorando, por se manter esse tempo longe”.
A ideia de ele estar lá é justamente de juntar algum dinheiro para voltar e recomeçarem a vida juntos. “Ele me tranquilizou bastante e a partir disso passei a entender mais e ser mais compreensiva com os motivos dele e entendi que meu papel é de apoiar e ter um pouco de calma com esse momento”.
“Mais esforço”
O psicólogo João Dias defende que um relacionamento a distância requer mais esforço para que se mantenha. “Uma relação à distância deve ser levado com muita confiança, paciência, ajustes e reajustes na rotina para que possa manter a conexão. A distância deve ser encurtada pelas ações virtuais”, diz o especialista.
Para ele, é necessário prestar atenção no outro e nas ações que são essenciais para um ótimo entrosamento. “É importante que o casal se mantenha em sintonia e entenda se aquela relação terá ou não um futuro juntos”.
José e Thalita, antes mesmo de completarem um ano de relacionamento, já planejam o casamento.
“Estamos planejando morar na mesma cidade, viajei esse mês para pesquisar sobre a cidade e estilo de vida aqui e mês que vem, ele vai para fazer a pesquisa em minha cidade. Planejamos adquirir um apartamento no fim do ano e casar ano que vem”, diz Thalita empolgada.
Essa reportagem foi inspirada na música “Calendário” do duo Anavitória.
Por Letícia de Sá
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira